Os imbecis e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, por Eugênia Gonzaga

Por Eugênia Gonzaga *

A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, ou Estatuto da Pessoa com Deficiência, em vigor a partir de janeiro de 2016, trouxe significativas modificações quanto ao regime jurídico das capacidades civis, ou seja, o direito que a maioria das pessoas adultas têm de celebrar contratos, casar, abrir conta em banco, comprar e vender imóveis, etc. 

A nova norma causou um reboliço no mundo jurídico, pois reconheceu que as pessoas com deficiência. mesmo mental ou intelectual, têm direito a essa plena capacidade. 

Isto vem sendo objeto de severas críticas, especialmente por parte dos civilistas e processualistas. 

Tais juristas, principalmente os que se consideram autoridades no direito material e processual civil, mas entendem bulhufas de direitos de pessoas com deficiência, não querem saber se esse reconhecimento é uma luta de décadas – como já foi para as mulheres casadas, que até meados do Século XX eram consideradas relativamente incapazes civilmente; não querem saber dos novos instrumentos de apoio ao exercício da capacidade criados pelo mesmo Estatuto – já que reconhecimento da plena capacidade representa o reconhecimento de um direito moral de qualquer ser humano de ter suas escolhas respeitadas, e não simplesmente abandono de uma pessoa vulnerável à própria sorte. 

Nada disso. Eles querem continuar defendendo o já conhecido e aparentemente seguro sistema de interdição e incapacidade civil, dizendo, como sempre que se nega direitos às pessoas com deficiência, que é melhor para elas. 

Tais juristas começaram a escrever sobre a novidade jurídica sem se importar em conhecer esse histórico e essa disciplina. Mas isso é o de menos. Alguns não se importam sequer em conhecer as terminologias mais aceitas atualmente e, assim, deixar de utilizar termos ultrapassados, pejorativos e ofensivos à dignidade da pessoa humana. 

É o caso da doutrinadora Maria Helena Diniz, em seu artigo A NOVA TEORIA DAS INCAPACIDADES Revista Thesis Juris – RTJ, eISSN 2317-3580, São Paulo, V. 5, N.2, pp. 263-288, Mai.-Ago. 2016 269. 

A festejada civilista aborda o tema ainda se valendo de expressões não apenas equivocadas, mas altamente ofensivas. Ela afirma, por exemplo, que na expressão “deficiência mental ou anomalia psíquica” se incluem “havendo impossibilidade de transmissão de vontade, os alienados mentais, psicopatas, mentecaptos, maníacos, imbecis, dementes e loucos”.

A sequencia de termos absurdos é chocante, mas foi exatamente isso o que a professora escreveu. Ela ainda fala em “Estatuto do Deficiente”, “o portador”… revelando uma enorme negligência no estudo da disciplina relativa aos direitos das pessoas com deficiência e a suas conquistas paulatinas e lentas, que só começaram a se concretizar nas últimas décadas.

Sim. Apesar de tudo, essas conquistas estão se realizando: direito ao trabalho, à liberdade sexual e reprodutiva, à escola inclusiva e agora à capacidade civil. Venho considerando que esta última é a grande bandeira do Século XXI, pois ainda é muito incompreendida e a legislação contém, de fato, falhas.

Espero apenas que, até que a plena capacidade civil seja corretamente disciplinada pela legislação brasileira e finalmente implementada pelos órgãos judiciários, a comunidade jurídica comece a se informar e entender melhor as razões desse reconhecimento, que não é oriundo da legislação brasileira, mas da Organização das Nações Unidas – ONU. Mas antes disso, espero que nunca mais alguém seja chamado, em virtude de deficiência, de louco, imbecil, mentecapto…

* Procuradora Regional da República

Luis Nassif

6 Comentários

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  1. Isso pode ser explicado com

    Isso pode ser explicado com apenas uma frase…

    “Para aqueles que detêm o poder financeiro, nós somos apenas moedas de prata…”

  2. Falácia ?

    A Dra. Maria Helena Diniz refuta uma nova concepção sobre os direitos da pessoa com deficiência fundamentada apenas em pré-conceitos ?

    Se isso for verdadeiro, estamos diante de uma “falácia da autoridade”, que precisa ser revelada e desconstruída com demonstração fundamentada.

  3. Foge ao tema, mas com relação

    Foge ao tema, mas com relação a escola inclusiva recomendo a série Rita,da Netflix. Durante uma temporada e meia a série discute a questão da inclusão escolar em uma escola pública da Dinamarca.

  4. Este comportamento com as

    Este comportamento com as mentes formadas pelo sistema capitalista e seu “deus MERCADO”, já ultrapassou em muito seu domínio sobre os Humanos, e certamente quer confrontar a DIVERSIDADE HUMANA, visto que esta vai contra a “ordem da acumulação do capital”, assim deterrmina e aponnta vários “seres colonizados e adestrados” pelo próprio sistema para alimentar a velha e HIPÓCRITA IDEOLOGIA do ATO DE CARIDADE e a costumeira milenar do ATO DA EXCLUSÃO SOCIAL, seja ele de Pessoas com Deficiência, Idosos, Crianças, ou qualquer indivíduo socialmente frágil, então FORA A ESTES JURISTAS ou qualquer defensor da discriminação humana, seja em que contexto for, e VIVA, VIVA e VIVA a DIVERSIDADE HUMANA !!!

  5. Mais uma teoria típica da

    Mais uma teoria típica da direita br, pregam o ódio,desprezo e cultuam a si próprio, seria essa pessoa seguidora do excelentissimo sr. Bolsonaro.

  6. Obrigado por nos apoiar.

    Dra. Eugênia Gonzaga, em primeiro lugar quero agradecer por nos apoiar e auxiliar-nos, não é fácil.

    No mercado de trabalho há um grande discriminação ainda, e mais ainda com pacientes que são PCD e tiveram alguma doença como câncer entre outras, me deparo as vezes com depreciação das empresas com deficientes, mas mesmo assim ainda trabalham não querendo se afastar, temos as mesmas capacidades e formações dos outros e isso incluem capacitações (teóricas e práticas) também, ou não estaríamos e conseguiríamos passar nos processos seletivos que as vezes são até mais difíceis., mas ainda reina e impera a discriminação. E infelizmente não podemos contar com ninguém porque as empresas querem pôr tudo conseguirem uma brecha para nos mandar embora, reconheço e admiro pelo MPF conheci uma procuradora humana e sensata como a senhora o qual me fez acreditar que a justiça e as leis podem sim ter efeito, por isso quero agradecer por nos ajudar.

    Sem mais palavras pois não teria como escrever não somente a minha mas o agradecimento de cada PCD e PNE que sofre com as discriminação.

    Muito obrigado Dra. Eugênia Gonzaga, a senhora faz a diferença em nosso país.

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