Para entender o (não) uso da Lei Antiterror no caso MST

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Jornal GGN – Ao contrário do que foi noticiado por vários veículos, não foi especificamente a Lei Antiterrorismo (nº 13.260/2016) que foi usada pelo Ministério Público de Goiás para solicitar à Justiça a prisão de quatro militantes do MST, sob a alegação de que integram uma “organização criminosa”.

A lei usada foi a nº 12.850/2013, que versa sobre organizações criminosas, alterada após a sanção da lei antiterror. Mas o dispositivo aplicado no caso dos militantes do movimento sem-terra não tem relações com a lei antiterror. E na denúncia do MP, não há qualquer associação direta entre “organização criminosa” e movimento dos sem-terra como um todo.

Após as manifestações de junho de 2013, e com a desculpa de era necessária para as Olimpíadas, além de resposta a uma demanda de países que atuam no combate ao terrorismo, o governo Dilma Rousseff sanciocou a lei sob críticas de movimentos sociais, que temiam ser criminalizados.

A lei antiterror acabou alterando a redação de outras duas: a lei nº 7.960/1989, que descreve as situações em que cabe prisão temporária, e a lei de organizações criminosas. Passou a constar no inciso segundo do artigo 1º desta última que também são organizações criminosas as “organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos pela lei nº 13.260, de 2016”.

O artigo usado pelo MP-MG para pedir a prisão de militantes do MST foi o 2º, que prevê pensa de três a oito anos de reclusão a quem “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”. Por organização criminosa, entende-se “a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais”.

O MP-MG apontou que os militantes do MST fizeram uso de armas brancas contra um casal de caseiros, além de mantê-los em cárcere privado, para poderem proceder a uma ocupação. Outros militantes da causa sem-terra teria participado com ameaças aos trabalhadores de uma fazenda que era alvo de reforma agrária. A Promotoria ainda citou um núcleo composto pelos proprietários da terra e pela Secretaria de Segurança do Estado para chegar a um acordo, que envolvia a doação de parte do terreno para distribuição. Mas as lideranças do MST teriam quebrado a negociação.

O inciso terceiro do artigo 2º da lei de organização criminosa aponta que a pena é “agravada para quem exerce o comando, individual ou coletivo, da organização criminosa, ainda que não pratique pessoalmente atos de execução.”

É neste contexto que o MP-MG aponta os crimes:

 

De acordo com o coordenador estadual do MST em Goiás, Luiz Zarref, a decisão dos desembargadores de manter os militantes presos após um pedido de habeas corpus é a prova da ofensiva conservadora para criminalizar os movimentos populares: “O posicionamento de Goiás confirma a ação articulada entre o latifúndio local e os poderes executivo, legislativo e judiciário em criminalizar o Movimento.”

O caso é emblemático porque, pela primeira vez, a Justiça acolheu uma denúncia contra lideranças do MST por associação criminosa.

Leia a denúncia do MP-GO aqui.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

2 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Quando se quer criminalizar, se criminaliza de qualquer jeito

    A lei antiterror tem previsão expressa para salvaguardar os movimentos sociais, estudantis e sindicais. No restante é mera cópia das leis antiterror aprovadas por Néstor e Cristina Kirchner, por Tabaré Vázquez e Pepe Mujica, por Evo Morales, por Hugo Chávez, por Michele Bachelet, etc. Segue trecho da referida lei:

    -Parágrafo segundo do artigo segundo da lei antiterror do Brasil 

    ”§ 2o O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei.”

    Depois que inventaram o ”domínio do fato” tudo é possível em Pindorama. O problema não é a Lei Antiterrorista, que preserva explicitamente os movimentos sociais e reivindicatórios. O problema é o uso que se faz desta lei, no caso em questão, desabridamente ilegal e em confronto direto com o texto expresso da mesma. 

  2. Perfeito Diogo Costa.
    Com o modelo da Lava Jato tudo é possível. O delegado diz que é crime, o ministério público diz que é crime, o juiz diz que é crime pronto tá preso. Mesmo que tenha lei dizendo que não é crime. O Brasil é hoje uma ditadura. O STF que deveria defender a constituição não o faz, está escrito as carantias do cidadão, mas elas não valem mais. Assim decidiram os “homens da lei”.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador