Quem lucra com a desumanização dos presídios

“Ninguém é santo mesmo! Mas que sofram aos miseráveis carbonizados, esquartejados, e suas famílias, afinal, não são considerados humanos”. 

Foto: Agência Brasil/ Antonio Cruz

 
Jornalistas Livres
 
O sucesso lucrativo dos presídios
 
Sem alimentar a indústria do crime, não teremos a audiência no noticiário, polícia, salários exorbitantes do judiciário. Não precisaremos construir presídios, sistemas de segurança e ter contratos sem licitação. Os presos, por sua vez, para se manterem vivos, não precisariam aliar-se às facções dentro dos presídios, outro ramo dessa indústria lucrativa
 
Por Velci Muniz Vieira*, especial para os Jornalistas Livres
 
Como advogada criminalista, testemunho o horror da grande maioria dos presídios para onde são destinados aqueles que, condenados ou não, deveriam estar sob a custódia do Estado.
 
Temos a quarta maior população carcerária do mundo. Adotamos a política de tolerância zero, que criminaliza a pobreza, os movimentos sociais, as minorias, o consumo de drogas, enfim, tudo o que puder gerar novos clientes para os lucrativos presídios privados. Temos veículos de comunicação de massa aliados dessas políticas e que, diuturnamente, alimentam ódio, discriminação e preconceito.
 
Enfim, está tudo dominado!
 
Todos estão lucrando, afinal, sem alimentar a lucrativa indústria do crime, não teremos noticiário policial que dá audiência. Não teremos polícia, juízes, salários exorbitantes membros do Ministério Público, desembargadores. Não precisaríamos construir presídios, sistemas de segurança e das inúmeras contratações sem licitação.
 
A classe média e as elites principalmente apoiam esse sistema de higienização social. Querem as ruas limpas de mendigos, pobres, crianças, adolescentes, negros, prostitutas, enfim, tudo que não seja do seu mundo consumista, elitista e limpo.
 
Acontece que, vez ou outra, essa ralé resolve implodir o sistema — que, convenhamos, é uma bomba em permanente estado de explosão. A sociedade de modo geral não entende o motivo para essa corja manifestar-se.
 
E não se trata de um problema só de Manaus. Em Santa Catarina, onde atuo, presenciamos situações semelhantes há dois anos. Nessas ocasiões, os pleitos dos presos raramente são legítimos para a opinião pública.
 
Há quem nem considere preso um ser humano — e aí se inclui muita gente que se considera cristã. E quando aparecem grupos defendendo alternativas contra o encarceramento em massa, vozes se levantam com maior força, como a do atual Ministro da Justiça. Dizem que é preciso manter o sistema e construir mais e mais presídios.
 
Sem essa fonte econômica rentável, essa gente toda ficaria sem emprego. É preciso alimentar esse regime desumano, porém que gera lucros. Como declarou o governador do Amazonas ao se referir aos presos mortos: “lá não tinha nenhum santo”.
 
Em tempos de delação da Odebrecht, perdemos a ingenuidade sobre como são feitos os desvios de verba nos contratos públicos, afinal, nós, por exemplo, da cidade de Lages, temos um prefeito, um governador e um presidente citados nas delações por receberem verbas não declaradas de empresas. Ninguém é santo mesmo! Mas que sofram aos miseráveis carbonizados, esquartejados, e suas famílias, afinal, não são considerados humanos.
 
O problema é que, volta e mexe, o sistema também pode se voltar contra quem tanto o defende. Ninguém está livre do risco de ter um familiar em desgraça após cometer um delito e ficar sem dinheiro para bancar um bom advogado que o resgate das verdadeiras masmorras em que se transformaram as carceragens no país.
 
Só assim poderão enxergar o problema do sistema prisional brasileiro, no qual o Estado não oferece sequer segurança àqueles que estão sob sua custodia. E, para se manter vivos, os detentos urgem aliar-se as facções dentro dos presídios, um outro ramo dessa indústria lucrativa.
 
*Velci Muniz Vieira é criminalista e atua principalmente em crimes contra a vida (Tribunal do Juri). Por oito anos foi advogada dativa na comarca de Joinville (SC). Dativo é o nome dado aos advogados que atuam, por indicação da Justiça, na defesa do cidadão comum em locais que onde não há Defensoria Pública.
 
 
Redação

8 Comentários

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  1. O que eu sei por certo eh que

    O que eu sei por certo eh que quando comecaram a pagar juizes nos EUA por cada preso, eles -juizes- comecaram a prender inocentes aa torto e aa direito.  E nesse post temos um fato inusitado:  um marido usado como frente enquanto sua esposa e filha lucram um pouquinho mais.

  2. E o que ta parecendo MESMO eh

    E o que ta parecendo MESMO eh que eles tem conflito de interesse no assunto -esposa mais que marido, alias.  Nao tem ninguem pra investigar isso por ai???

  3. Inversão de valores
    De fato, se há culpa, é dá classe média que paga os impostos e exige segurança publica. Ou da policia, que reprime ou investiga. Ou dos juízes, magistrados que dão pesadas penas. Ou dos governos, quando assumem suas responsabilidades. Ou da sociedade, que não exige mais educação e empregos dignos. Os meliantes, os criminosos, os bandidos, não tem nenhuma responsabilidade ou participação na violência e no crime. Me desculpe, mas não dá prá aceitar esse ponto de vista.

  4. gestão de crises

    Após contratar uma consultoria de comunicação e gestão de crises, o presidente da Umanizzare anunciou que a nova marca da empresa será Scapezzare, sinonimo de decapitar, também em italiano.

    A consultoria também anunciou a contratação de especialistas da máfia, ndrangheta, sacra corona unita e da camorra para assessorar sua equipe.

  5. Não temos presos demais, mas cadeias de menos

    A legislação penal brasileira é uma das mais brandas do mundo, e prevê numerosos recursos para o relaxamento da pena. Tudo com o objetivo de esvaziar as cadeias, já que jogar os presos na rua sai mais barato.

    Temos a quarta maior população carcerária do mundo, mas isso não é um dado extraordinário para um dos maiores e mais populosos países do mundo. É extraordinário, sim, que não tenhamos a primeira população carcerária do mundo, levando em conta nosso elevadíssimo índice de criminalidade. De resto, é ingenuidade supor que os recentes massacres ocorridos tinham como finalidade protestar contra as condições carcerárias. Os chefões que ordenaram tais massacres passam muito bem na cadeia, com todas as mordomias, caso você não saiba.

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