‘Querem rasgar a Constituição e romper o marco civilizatório’, diz juíza Kenarik

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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ÂNGELO DANTAS/ CMSPKenarik

Kenarik Boujikian, na foto com vereadores paulistanos, diz que não abrirá mão de lutar pelos direitos humanos

da Rede Brasil Atual

HOMENAGEM

‘Querem rasgar a Constituição e romper o marco civilizatório’, diz juíza Kenarik

Reconhecida por sua atuação na defesa dos direitos humanos, desembargadora recebeu quinta-feira (9) título de cidadã paulistana, maior honraria do município

por Sarah Fernandes

São Paulo – A desembargadora Kenarik Boujikian afirmou que o governo interino de Michel Temer ameaça a Constituição e os direitos sociais adquiridos nas últimas décadas. “Ainda que não tenhamos conquistado plenamente os direitos sociais, conseguimos que eles estivessem na Constituição. Agora querem rasgá-la de cima a baixo e romper com o marco civilizatório, sob o peso da intolerância e do ódio”, disse, quinta-feira (9) ao receber, na Câmara Municipal de São Paulo, o título de cidadã paulistana, mais alta honraria do município.

Kenarik nasceu em 1959 em Kessab, uma aldeia armênia na Síria. Neta de sobreviventes do genocídio armênio de 1915, ela e a família mudaram-se para o Brasil em 1962. Em 1984, ela se formou em Direito pela PUC de São Paulo. Enquanto era estudante foi voluntária na Penitenciária do Estado de São Paulo e se aproximou da realidade das cadeias superlotadas brasileiras. Especialista em Direitos Humanos, ingressou na magistratura em 1988. Foi juíza nas cidades paulistas de Piracicaba, São Bernardo do Campo, Cajamar e Pilar do Sul, até retornar para São Paulo, onde é desembargadora do Tribunal de Justiça desde 2011.

“Nossa Constituição tem como objetivo uma sociedade livre e solidária e a erradicação da pobreza. Porém, foi só na última década que conseguimos tirar 40 milhões de pessoas da pobreza e sair do mapa da fome. Isso nos mostra que a política social gera um ciclo virtuoso de crescimento inclusivo”, disse. “Neste momento, ainda existem pessoas passando fome. Isso é indigno da condição humana.”

Em 2015, Kenarik passou a incomodar seus colegas do Judiciário ao liberar dez presos que já estavam privados de liberdade preventivamente há mais tempo do que a pena estabelecida na sentença, seguindo os princípios jurídicos brasileiros. Em março, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu abrir um processo administrativo disciplinar contra a juíza. Haverá agora uma apuração para verificar se houve descumprimento do princípio da colegialidade, como alegou o também desembargador Amaro José Thomé Filho, autor do processo, de 2015. O caso corre em sigilo.

“O Judiciário ainda não está próximo do que sonhamos, mas é preciso entender que ele é um poder em disputa, como todos os outros. É o cidadão que faz a militância e não vou abrir mão disso jamais”, disse a desembargadora, uma das fundadoras da Associação Juízes para a Democracia (AJD). “Não reconheço um Estado que não cumpre a função social da terra, que não reconhece direitos individuais e que deixa impune os crimes da ditadura”, concluiu.

A solenidade teve forte tom de protesto contra o governo interino de Temer. “Esta homenagem reafirma nosso compromisso com a democracia”, afirmou o vereador licenciado Jamil Murad (PCdoB). “Este é também um ato de repudio ao que querem fazer com a nossa democracia. Fora, Temer! Fora, Golpistas”, disse a vereadora Juliana Cardoso (PT).

“Todos os seres humanos buscam a felicidade, mas a infelicidade é uma consequência absoluta do capitalismo, porque ele é fundamentado no egoísmo. O egoísmo gera insatisfação, mas o altruísmo e a solidariedade nos dão a felicidade”, disse o jurista Fábio Konder Comparato, referindo-se à trajetória de Kenarik como magistrada.

Luta por direitos

Kenarik também tem incomodado seus colegas da Justiça por discordar do pressuposto, aceito pela maioria dos magistrados, de que maior tempo de encarceramento é a solução para diminuir os índices de criminalidade.

Ativa nas causas indígenas e defensora dos direitos das mulheres, a juíza que se considera feminista, ajudou a fundar, em 2001, o Grupo de Estudos e Trabalho Mulheres Encarceradas, que discute a realidade da mulher presa, que recebem um tratamento diferenciado do Estado. O aprisionamento feminino aumentou 570% nos últimos 15 anos no Brasil. De cada três mulheres presas, duas são negras, e cerca de 80% delas têm filhos.

Em maio, a juíza e a atriz Letícia Sabatella participaram de um encontro oficial com o papa Francisco, no Vaticano, e entregaram a ele uma carta denunciando a ilegalidade do impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

6 Comentários

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  1. Título super justo pois

    Título super justo pois Kenarik Boujikian é uma referência na luta pelos Direitos Humanos.

    Parabéns, doutoral!

  2. Parabéns Desembargadora.
    Juiz

    Parabéns Desembargadora.

    Juiz de Direito aposentado do TJSP apoio as posições da Dra. Kenarik Boujikian e me solidarizo com a Câmara Municipal de São Paulo pelo justo título concedido.

  3. A esquerda brasileira

    A esquerda brasileira confunde defesa de direitos humanos com defesa intransigente de bandidos, motivo pelo qual os defensores de direitos humanos são obviamente mal vistos pela população em geral.

    Todos nós somos titulares de direitos humanos. Temos direito de viver em uma sociedade harmônica, e sem violência. Ser vítima de roubo, de estupro ou de homicídio é ter seus direitos humanos (à vida, à integridade física, à liberdade) cerceados por criminosos. Mas somente esse segundo grupo recebe a defesa enfática e a compaixão dos autodenominados defensores de direitos humanos.

    Até mesmo em caso de clara violação aos direitos humanos, como nos estupros coletivos do Rio e de Castelo do Piauí (2015), a esquerda (e as feministas de internet) dão um jeito de escamotear a verdade e aliviar para os criminosos, pois em ambos os casos as meninas foram brutalizadas por BANDIDOS, perigosos traficantes no caso do Rio, e um assaltante com ampla ficha e menores já com diversas passagens no segundo caso. Mas sobre quem recaiu a culpa, em ambos os casos?? Nos “homens”, na “cultura do estupro”, diluindo assim a responsabilidade de bandidos, defendidos por essa turma, por todos os homens da sociedade.

  4. Caro Nassif
    A esquerda é

    Caro Nassif

    A esquerda é legalista e se apega nas leis, e está perdendo; a direita, é fora da lei e se apega a isso e está ganhando.

    Saudações

     

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