Sobre comportamentos técnicos de heróis e políticos de “inimigos do Brasil”, por Eugênio Aragão

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Agência Brasil

Por Eugênio Aragão

Até há pouco era assim: criticar a Lava-Jato era atitude política, participar do golpe fingindo que as instituições estavam a funcionar era técnico. Agora, é difícil definir se ter náuseas e ânsia de vômito é técnico ou político. O momento é oportuno para produzir clareza sobre a obtusidade dessa ideológica distinção entre o técnico e o político. É evidente que o primeiro se subordina ao segundo e acaba tudo por ser político.

O Ministério Público Federal gosta muito desse jogo de palavras. Recentemente, em entrevista ao “Estado de São Paulo”, seu chefe foi incisivo: “os que querem frear a Lava Jato são inimigos do Brasil”. E concluiu com a pérola: “… não concordo que existam abusos por parte do Ministério Público. Temos como ponto basilar da atuação a observância à Constituição Federal e nos pautamos por ela. Nossa atuação é técnica, apolítica e responsável”. Tive que ouvir bobagem similar quando, há mais de ano, despedi-me da amizade de Janot. Mas o tempo não era de risadas. Mais recentemente ouvi essa mesma troça de seu assistente, o importador xinguelingue da teoria do domínio do fato que foi desmentido por Claus Roxin, o criador da teoria.

Agora dá vontade de apor um “smiley” de gargalhada. Argumentar nunca foi o forte de Rodrigo e nem de seu entourage. O chefe prefere se gabar, deblaterar, xingar ou fazer piada. E o entorno aplaude. Ao agasalhar esse velho bordão da atuação técnica que distinguiria os membros “patrióticos” do MPF dos “inimigos” do outro lado, o PGR ou é tolinho ou acha que nós o somos.

O direito é um instrumento de legitimação de decisões. Nem o instrumento e nem a legitimação em si seguem regras objetivas que correspondam a esforço de precisão lógica. Decisões não são redutíveis a cálculos sentenciais sem graves problemas de consistência.

Toda tomada de decisão jurídica comporta dois ou mais caminhos de legitimação, que, de regra, são contraditórios. Simplificando, pode-se dizer que um juiz tem que optar entre a tese do autor e a do réu. Tem a sua disposição um espectro relativamente largo de alternativas, sempre dentro desse intervalo. Todas são juridicamente igualmente sustentáveis (e, portanto, ao ver dos juristas “legítimas”), mesmo que fundamentem pretensões opostas. Dizer que o réu ou o autor tem razão não é um resultado inexorável, com precisão da conclusão de um silogismo em Bar-ba-ra! É resultado de uma escolha que corresponde melhor às convicções subjetivas do julgador. No fundo, para tudo ficar como está. A única coisa que o juiz é obrigado a fazer é motivar essa escolha, de modo que possa ao menos ser criticada e contestada e, com isso, ganhar um brilhozinho de falsa falseabilidade.

A “técnica” não está na opção, que, quase sempre, é a priori e política, mas na motivação. Esta trata de travestir de “exato” um conteúdo que nada tem de exato. Oferece à opção a aparência de um resultado científico. É só casca, não é essência. É um acessório apenas e, como tal, tem a mesma natureza do principal. É um instrumento da política.

E quando operadores perdem a paciência, seja por náuseas, seja porque o bambu para fabricar flechas está acabando, não coram ao mandarem a técnica para aquele lugar. Fazem hashtags nos seus perfis de Facebook, lembrando que #2018tachegando e tornam públicas gravação de Geddel Vieira Lima a chorar para humilhá-lo. Fazem seus troféus humanos desfilarem algemados, de baraço e pregão pelas ruas da vila. Anunciam à “IstoÉ” a sentença condenatória contra Lula e dizem que delações contra o PSDB não vêm ao caso. Fazem estardalhaço com diálogo ilicitamente captado entre Dona Marisa e Fábio, recheado de linguagem coloquial, só para refratar a imagem da primeira dama que foi. E depois dizem que sentem náuseas…

Não é sua “técnica” que faz esses energúmenos melhores. Ledo engano. A técnica somente lhes penteia a vaidade. E olha que às vezes penso (só penso) que alguns deles estudaram no exterior não foi direito, mas culinária, tamanha a gula pelo poder.

Não quero afirmar aqui que a técnica só é engodo. É, na verdade, como uma chave de fenda. Serve para apertar parafusos ou para estocar alguém num acesso de raiva. Depende como a manuseamos, com que índole, com que objetivo político. Se a usarmos para abraçar e acolher os filhos pródigos que à casa do Pai retornam, está valendo! Se for para castigar, maltratar, expor e arruinar a esmo e, com isso, se exaltar com inexistentes virtudes a si mesmo atribuídas, passa a ser uma arapuca “satânica” (ou será diabólica, que nem a prova impossível, Senhor PGR?).

Uma boa técnica usada por um operador politicamente consciente enaltece a Justiça. Legitima a decisão, porque lhe oferecerá a roupagem em que todos se espelham. Mas isso não funciona com quem a usa orgulhosamente apenas para se distinguir daqueles que, sem moral, desqualifica, para lograr apoio de uma sociedade doente pelo ódio disseminado por instituições e mídia deformadas. Esse é apenas o caminho mais seguro para desacreditar o direito e seus profissionais, procuradores lavajateiros ou não. E aí não adiantam as mais pontudas flechas de bambu. Não serão elas que redimirão os vaidosos arqueiros.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

11 Comentários

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  1. Dr. Aragão, com seus artigos

    Dr. Aragão, com seus artigos que têm leitura fluente. Gostei do culinária no exterior. Pena que deve ter levado algumas centenas de reias no andar de baixo!

  2. O pouco alento que nos chega

    O pouco alento que nos chega nesse caos vem de um ex membro do MPF, que junto com o STF nos jogou nesse caos, inacreditável. Não consigo imaginar como um MPF anão pode abrigar um gigante do tamanho do Aragão.

  3. Um alento sabermos que o
    Um alento sabermos que o Brasil ainda tem gente digna como o Eugênio Aragão….. Há de ter ficado alguns como ele no MPF, lutando na surdina para esse horror acabar…….

  4. O texto é longo, mas MUITO

    O texto é longo, mas MUITO BOM!.

     

    Uma boa aula de “tecnicas jurídicas” dentro ou a serviço da POLITICAGEM!.

  5. Procuradores exercem tecnicamente a política

    Fazer hashtags nos seus perfis de Facebook, lembrando que #2018tachegando e tornar públicas gravação de Geddel Vieira Lima a chorar para humilhá-lo; fazer seus troféus humanos desfilarem algemados, de baraço e pregão pelas ruas da vila; anunciar à “IstoÉ” a sentença condenatória contra Lula e dizer que delações contra o PSDB não vêm ao caso; fazer estardalhaço com diálogo ilicitamente captado entre Dona Marisa e Fábio, recheado de linguagem coloquial, só para refratar a imagem da primeira dama que foi e depois dizer que sentem náuseas é fazer política com técnica.

  6. Bem a propósito de minha saída do MPF

     

    Sabe Moço (Leopoldo Rassier – Galpão Nativo)

    Sabe, moço
    Que no meio do alvoroço
    Tive um lenço no pescoço
    Que foi bandeira pra mim
    Que andei em mil peléias
    Em lutas brutas e feias
    Desde o começo até o fim

    Sabe, moço
    Depois das revoluções
    Vi esbanjarem brasões
    Pra caudilhos coronéis
    Vi cintilarem anéis
    Assinatura em papéis
    Honrarias para heróis

    É duro, moço
    Olhar agora pra história
    E ver páginas de glórias
    E retratos de imortais
    Sabe, moço
    Fui guerreiro como tantos
    Que andaram nos quatro cantos
    Sempre seguindo um clarim

    E o que restou?
    Ah, sim!
    No peito em vez de medalhas
    Cicatrizes de batalhas
    Foi o que sobrou pra mim

    Ah, sim!
    No peito em vez de medalhas
    Cicatrizes de batalhas
    Foi o que sobrou pra mim

    https://youtu.be/xrvmEL0cw-I

     

  7. Há que se destacar que são no

    Há que se destacar que são no mínimo 3 movimentos chamados de Lava Jato: a (aloprada) de Curitiba, a do Rio de Janeiro e a de Brasília.Há fragrantes distinsões entre elas, por exemplo, a de Curitiba é extravagante, ilegal, partidária, com suspeitas de criminosa…

  8. QUE HAJA MAIS ARAGÕES NO MP e no JUDICIÁRIO

    Lendo os artigos de Aragão, nos damos conta da nulidade que foram os 5 anos de José Cardozo no Ministério da Justiça, que nada fez para impedir a feroz politização do Judiciário, do MP e da PF. Aragão chegou ao posto já no ocaso do último mandato de Dilma e nada pode fazer. Nestes cinco anos tivemos uma presidenta mal orientada pela sua equipe “técnica” jurídica, que assinou a espúria Lei da Delação, que escolheu uma sucessão catastrófica de juízes para o Supremo, culminando na escolha de Janot para a chefia da Procuradoria. Após o Mensalão, é inacreditável que os governos petistas não tenham enxergado o perigoso aparelhamento do Estado feito pelos tucanos , eternos corruptos intocáveis, aliados à imprensa monopolista e a interesses estrangeiros. É simplesmente inacreditável que a ex-presidenta Dilma tenha confiado cegamente no mais inóquo e covarde Ministro da Justiça de todos os tempos. Chega a ser suspeitosa a inação desse homem, que à revelia (talvez) foi o verdadeiro baluarte do golpe, um Pinochet pelo avesso. Tínhamos alí um Aragão, mas isso só foi visto na hora em que o padre veio dar a extrema unção. 

    Há os que se espantam com a falta de reação da “esquerda”, da imobilidade do povão, o chamado eterno “gigante adormecido”. O “povão” é ignorante mas não é burro. O povão elegeu 4 vezes governos de esquerda, sendo que Dilma optou por cometer suicídio através de José Cardozo e sua equipe “técnica”. O povo não é bobo e fica no aguardo. Sair às ruas e votar em vacilão outra vez? Vai ser difícil…

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