Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
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Neofascismo X neoliberalismo. Você é mais Bozo ou Mandetta?, por Armando Coelho Neto

O Estado mínimo neoliberal é reduzido a nada quando o assunto é necessidade básica do povo. Mas para socorrer bancos, há Estado máximo

Neofascismo X neoliberalismo. Você é mais Bozo ou Mandetta?

por Armando Rodrigues Coelho Neto

A pandemia neofascista antecede à pandemia da Covid-19. No Brasil, os sintomas mais graves surgiram nas tais jornadas de junho/2013 e em capítulos que antecedem o golpe de 2016, muitos descritos neste espaço. Não é o momento de reorganizar esses capítulos, mas traçar linhas entre o neofascismo e o neoliberalismo (*).

O neofascismo pode ser, grosso modo, definido como o movimento de forças retrógradas que busca o retrocesso civilizatório, que se aglutina e se expressa, hoje, por mecanismos digitais mediante engenharia de redes sociais. O neofascismo está associado ao neoliberalismo, pois ambos pregam o Estado mínimo.

No Brasil, o neofascismo chegou ao poder via demagogia penal (Sérgio Moro que o diga), principalmente usando a suposta luta contra a corrupção, em conluio com o Congresso Nacional e a mídia, na qual a TV Globo (que hoje esperneia) exerceu deplorável papel. Além disso, teve maciço apoio do poder econômico, que graças ao coronavírus, pode hoje minimizar o fracasso de Paulo Guedes e do Palhaço-mor do Brasil. Graças à pandemia, a derrocada do pensamento militar que ronda a assessoria do Palácio do Planalto sequer é notada.

Uma vez instalados no comando da Nação, os neofascistas passaram a hostilizar parcela de antigos apoiadores, trabalham intensamente por uma sociedade dividida (pobres contra pobres). Bozo não mede esforços quando antagoniza com governos estaduais (não apenas da Região Nordeste, mais pobre, mas também os conservadores governos das regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste). Agride o Parlamento, a Suprema Corte e insulta a imprensa, em especial a Globo.

Aparentemente, o neofascismo seria a antítese do liberalismo, mas não se observa nenhuma atitude de franca contraposição de parte dos “conservadores obsoletos” (que no cenário político brasileiro são misturados com a esquerda e rotulados de “velha política”, “comunistas”, “esquerdopatas”, “petezada”).

Apesar de o neofascismo expressar-se hoje simultaneamente em diversas partes do mundo, tendo inclusive chegado ao poder nos EUA, Brasil, Hungria, Ucrânia e Itália, não existe uma reação ampla, coordenada, decidida contra o fenômeno. O neofascismo no contexto atual da luta de classes tem o papel de chantagear as instituições.

O capitalismo rentista está no centro desse debate. Ele já não se sente mais obrigado a quaisquer concessões ao bem-estar coletivo, nem consegue mais conviver com a Democracia. Aqui, o neofascismo cumpre papel necessário à elite. Dudu Bananinha se posiciona claramente contra a taxação das grandes fortunas. O posto Ipiranga do pai dele sorri para os financistas. Nas medidas emergenciais contra a pandemia, houve resposta rápida para os bancos, inclusive com a compra de papéis podres. Nenhum dinheiro para empresas e lentidão no que ajudaria a grande massa, diz o economista Eduardo Moreira.

Atos do gênero mostram que o papel do neofascismo é vergastar, destruir a espinha dorsal das democracias liberais, mediante permanente ameaça fascista. Nesse sentido, o jipe, o cabo e o soldado não foram e não são simples retóricas vazias. Não foram exagero ou incontinência verbal de Dudu Bananinha. Foi um recado simples, objetivo e ameaçador, com o qual as instituições convivem, seja por conivência, covardia ou coação. Aqui ali observam-se lampejos higienizantes para dar ares de democracia, normalidade, de que as instituições estão funcionando.

Sob conivência, covardia ou omissão, está clara a prostituição das instituições, a submissão ao interesse financeiro, que aliás, não começou com o fenômeno mais recente do neofascismo como alternativa política séria. Mas sem dúvida, ela se intensifica diante da chantagem fascista. Esta a razão pela qual já não se pode contar com o “mercado” ou mesmo com seus tradicionais porta-vozes políticos – na política, na “juristocracia” ou na mídia tradicional – neles inclusos golpistas travestidos de liberais e os isentões de meia tigela.

O neofascismo tem se colocado como oposição ao neoliberalismo e empurra a sociedade para a defesa de um pretenso “mal menor”. Entre os danos colaterais da chantagem neofascista, já assimilados ao cotidiano, está a infantilização do debate público.

Nesse ponto, conservadores obsoletos, como FHC, rebaixam o debate público à dicotomia: Estado mínimo x Estado máximo, sem considerar uma série fatores inerentes a países em desenvolvimento. Nessa trilha, o Estado mínimo neoliberal de FHC é reduzido a Estado nenhum, sobretudo quando o assunto é necessidade básica do povo. Mas, para socorrer bancos, proteger grandes fortunas há Estado máximo. Eis a síntese do neoliberalismo de FHC, como oposição ao neofascismo bolsopata.

O neofascismo bolsopata vai além. É ausente no social e máximo no campo penal e na guerra. Quer a completa extinção dos direitos sociais e da alteridade comportamental e persegue a homogeneização da sociedade – seja pelo controle religioso, seja pelo condicionamento ideológico, perseguições ao desenvolvimento científico. É contra a livre difusão do conhecimento e da informação.

Em meio à pandemia, a popularidade do Bozo permanece em alta por que a sociedade está dividida entre Bozo e Mandetta (ambos Governo). Entre os que defendem a cloroquina e os “contra” ela (mesmo não sendo). Entre os que acreditam na doença e os que não creem. Entre salvadores da economia e salvadores de vidas. Tudo fruto de manipulações, ideologizações, cruzadas evangélicas e chantagens, por meio das quais a extrema-direita (neofascista) promove a total aniquilação do debate público. As pautas do noticiário são idiossincrasias de um ministro, as postagens abjetas de um político extremista, a fake news da semana ou o “roubou-ou-não-roubou”.

Por fim, ouve-se e lê-se muito, por aí, que a pandemia pôs em xeque o mundo capitalista. Bem, sim e não. A realidade pós-COVID-19 será evidentemente mais amarga e menos próspera. Mas é preciso conter o otimismo ingênuo. Versalhes também já se havia desnudado em sua insensibilidade e distanciamento das demandas populares quando Maria Antonieta mandou os plebeus comerem brioches, já que não havia pães. E, no entanto, a Bastilha não caiu: foi derrubada!

Se quisermos verdadeiramente derrotar o neofascismo, será importante lutar com todas as forças contra o capitalismo rentista e suas instrumentalidades políticas. Pois ao mandar o povo brasileiro para a morte em protestos contra o isolamento social, a extrema-direita deu outro recado: somos úteis ao Capital Financeiro e não desistiremos espontaneamente desse projeto de barbárie e morte.

Armando Rodrigues Coelho Neto – jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-integrante da Interpol em São Paulo.

(*) Texto produzido com um colaborador anônimo.

Armando Coelho Neto

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

10 Comentários

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  1. Parabéns pelo ótimo texto. Como sempre, você é leitura obrigatória.

    Com o colaborador anônimo, a prosa ficou ainda mais rica. Que continue assim.

  2. Com relação à luta contra o capitalismo rentista eu preferiria esperar um pouco mais. Há nisso, confesso, uma pitada de vingança. O que o Mandetta e o Bozo fazem é plenamente justificável, para eles, claro. O que não estava conseguindo entender é essa horda de carreateiros, marchadeiros, videozeiros, livezeiros, de todos os sexos, vociferando contra a quarentena, a Política, as Instituições, paradoxalmente coisas que o favorecem. E a favor da cloroquina, que desfavorece a todos. Clareou, agora entendo, estão todos fodi…quebrados, ou quebrando. Investiram na Bolsa das Ilusões, ou no “empreendedorismo”, no estado mínimo, imaginando encontrar o pote de ouro no fim do arco-íris do mercado. De cuecas ou calcinha ou nus, a culpa, como sempre, é dos outros, do comunismo, do PT, do Papa, agora até do Doria, do Witzel, do Caiado. Não são nem Bozo, nem Mandetta, nem fascista raiz (só de ocasião) nem neoliberais, não sabem o que é isso, são apenas, permanentemente, idiotas sem caráter, pior que idiota de mau caráter. Numa hipótese absurda, se Lula fizer live em defesa do fim da quarentena, pois é só uma gripezinha, permitindo a reativação da economia e a Bolsa subir (assim pensam), a reabertura de suas lojas, academias, shoppings, hamburgueria e salão de beleza, serão lulistas desde criancinnha. Sem reticência, que se fodam !

  3. Nassif: pergunta difícil de responder. Entre o MessiasDoBras e seu discípulo sulmatogrossense (são farinha do mesmo saco) a escolha se assemelha a da mineira, entre câncer no útero ou câncer no seio.

  4. O que interessa ao brasileiro médio não tem a ver com ideologia, com esquerda ou direita, muitos nem sabem o que é o fascismo. O que interessa é dinheiro para poder comer, pagar escola caras dos filhos, planos de saude carissimos, ter carros, morar num bom endereço etc. Numa sociedade de consumo, privilegia-se o individuo ao coletivo, o privado ao publico, o dinheiro à vida. Ha pouca ideologia para essa camada, o que lhes importa é que o dinheiro esteja girando, economia andando, o resto é secundario. Sabe-se que muitos desses que optaram por Bolsonaro votaram em Lula e Dilma. A esquerdas precisam aprender a lidar com essa camada pouco politizada, mas muito presente na sociedade brasileiro, que exiges direitos sem contrapartida. Eh precico, como temos dito, comunicar com todos os setores, mesmo esses que parecem surdos à sermos uma sociedade mais humanizada.

  5. Os 2 representam a necropolitica, na realidade acho que fazem jogo combinado, espero que o brasileiro que apoia esse projeto de morte acorde enquanto esteja vivo, e aprenda a respeitar os demais seres humanos.

  6. Nem um nem outro e muito menos FHC. O primeiro é irresponsável ou pretende o caos como caminho para tornar-se ditador. O segundo faz de conta que tem uma opinião séria, baseada na ciência, mas deliberadamente não é explícito ao se dirigir à população. O terceiro, o farsante de sempre, nunca mereceu confiança.

  7. “Neofascismo X neoliberalismo. Você é mais Bozo ou Mandetta?”

    Excelente texto, porém vou comentar apenas com base em sua pergunta:

    Não serei nem sob tortura o BOZOPATA e muito menos o GOLPISTA MANDETTA … pois esse não está fazendo mais do que sua obrigação. Somos obrigados(as)a pagar muito bem aos dois…para destruir o BRASIL: O BOZO desde sempre e o MANDETTA de forma OPORTUNISTA e calculada desde o GOLPE DE 2016…?????????☝️
    Diante dessa ótica, o MANDETTA tem que fazer o melhor até PQ ELE fez um juramento enquanto médico e agora estando no Comando do MINISTÉRIO do Médico dos MÉDICOS… ufa não faz favor nenhum…

  8. Pois é, ainda estou esperando que esses médicos, que basta ligar a luz da geladeira desandam a darem entrevistas, defenderem a saúde comunitária e o fortalecimento do SUS, inclusive reivindicando os 20 bilhões retirados da saúde a favor dos abutres rentistas….se nem em um momento dramático como o atual se incomodam em fazê-lo, ainda acreditam que o sistema irá, do nada, se humanizar…..pufffff, ……
    …..chamem os planos de saúde e a rede privada, quem sabe eles dão jeito, né……

  9. O fechamento dessa matéria é verdadeiramente lancinante, é urgente, vai mais que direto ao ponto. Armando Rodrigues Coelho Neto, você sempre com um olhar clínico.

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