Observatorio de Geopolitica
O Observatório de Geopolítica do GGN tem como propósito analisar, de uma perspectiva crítica, a conjuntura internacional e os principais movimentos do Sistemas Mundial Moderno. Partimos do entendimento que o Sistema Internacional passa por profundas transformações estruturais, de caráter secular. E à partir desta compreensão se direcionam nossas contribuições no campo das Relações Internacionais, da Economia Política Internacional e da Geopolítica.
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Mujica e a democracia uruguaia, por Angelita Matos Souza

Quando penso no Uruguai, me vem uma espécie de oásis de civilidade em uma região marcada pela desigualdade social e todo tipo de brutalidade.

Ricardo Stuckert

Mujica e a democracia uruguaia

por Angelita Matos Souza

Esta semana, Pepe Mujica informou que tem um tumor no esôfago e que o tratamento será complicado por causa de uma doença imunológica da qual padece há mais de duas décadas e que afeta as funções renais. Uma notícia muito triste, pois o ex-presidente do Uruguai é uma liderança política amada por todos que valorizam a democracia e a justiça social, se alguém merecia viver tranquilamente os seus últimos anos de vida, era ele.

A democracia no país vizinho deve muito a Mujica, de fato, aos governos da Frente Ampla, que esteve quinze anos no poder (2005-2020), com os presidentes Tabaré Vázquez e o próprio José Mujica. Depois de uma ditadura brutal (1973-1985), com Mujica entre as vítimas principais (vale ver o filme A noite de doze anos), o país foi reconstruído na era progressista liderada pelos governos da Frente Ampla.

Hoje, quando penso no Uruguai, vem a minha mente uma espécie de oásis de civilidade em uma região marcada pela desigualdade social e todo tipo de brutalidade. O país assemelha dotado de uma sólida e invejável cultura democrática. Entretanto, nada é sólido no capitalismo, notadamente a democracia, basta se lembrar da história do século XX e olhar para todos os lados neste século.

O Uruguai, infelizmente, não é uma exceção. Indicativo disso são as taxas de homicídios, o país tem uma população de 3,4 milhões de pessoas e, em 2022, registrou 383 homicídios, em torno de 11 casos por cem mil, mais que o dobro da Argentina (em torno de 4) e apenas a metade do Brasil (em torno de 20), país imensamente maior e que costuma liderar os rankings mundiais no quesito taxas de homicídios. 

O que explica esses números? Certamente, o avanço do narcotráfico no país. Recentemente, em uma entrevista, Andrés Malamud, depois de afirmar, como vem fazendo com frequência, que El loco é peronista, disse que “o Uruguai é o país que todos queremos ser”. Todavia, chamou a atenção para a ameaça representada pelo crime organizado à democracia uruguaia: na superfície parece que tudo vai bem, mas o crime organizado estaria corroendo o Estado por baixo.  [https://www.youtube.com/watch?v=GcErzR9O4W0]

Fui pesquisar a respeito e o fenômeno, claro, assola todo a América Latina e vem sendo denominado de “governança criminal”, para indicar o conjunto de regras que regulam a economia do crime organizado em colaboração com agentes estatais. O Uruguai, por ser um território de passagem, vem sofrendo com a expansão desse tipo de governança e, portanto, também neste pequeno e adorável país, o futuro da democracia encontra-se ameaçado.

Esta é hoje a principal ameaça ao Estado de direito na região de maneira geral, inclusive devido à preferência das organizações criminosas pelas forças políticas de extrema direita. No Uruguai, essa força ainda é irrelevante, mas por baixo o Estado já estaria corroído e a cúpula estatal não teria força para enfrentar o avanço do crime organizado, internacionalizado e com participação brasileira.

São as malditas forças objetivas, mesmo na hipótese otimista de que o exemplo de Mujica se traduza na emergência de lideranças de virtú, o cenário parece sombrio. De fato, para todos os latino-americanos.


Angelita Matos Souza – Cientista Social, docente no IGCE-UNESP.

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