O Globo saúda a destruição da Argentina por Milei, por Luís Nassif

Não aprendem nem com a fábula do cavalo do inglês, que conseguiu passar dias sem comer - economizando na ração - até morrer de fome.

Página 12 via Fórum 21

O preço do subdesenvolvimento é a eterna ignorância. Só a ignorância extrema para explicar os elogios do editorial de O Globo ao desmonte da Argentina, perpetrado por Javier Milei. O título é fantástico: “Milei dá lição de disciplina fiscal para o continente”.

Não conseguem aprender nem com a fábula do cavalo do inglês, que conseguiu passar dias sem comer – economizando na ração – até morrer de fome.

É inacreditável a maneira como se beatificou o ajuste final, como um fim em si próprio. Falam tanto em gastança, em irresponsabilidade fiscal, que passaram a acreditar no que diziam, transformando o ajuste fiscal em vaca sagrada, sobrepondo-se a todos os fatores de desenvolvimento ou de responsabilidade da instituição Estado.

Milei conseguiu equilibrar as finanças, conteve a inflação e atraiu as atenções do mercado. Mas é óbvio. Tenho uma empresa que valia 100. Corto demanda, investimentos, o valor cai para 50. Aí o investidor compra por 50, esperando que, em algum tempo, ela possa valer 60. Ganhou! E o país perdeu, porque o valor da empresa caiu 40% em relação ao período anterior.

Nesse período de Milei, o setor automotivo argentino despencou 40,2% nas vendas anuais; a produção de metais básicos com 24,7%, com queda de 35% na produção de aço; só as exportações de calçados brasileiros despencaram 40,6% em volumes, refletindo a destruição do mercado argentino. A previsão é de uma queda do PIB de 3,8% em 2024.

A taxa de pobreza saltou de 49,5% em dezembro de 2023 para 57,4% em janeiro de 2024, o maior nível dos últimos 20 anos. 27 milhões de argentinos vivem abaixo da linha de pobreza. A indigência – aqueles que não conseguem sequer acessar alimentos essenciais – atinge 15% da população em janeiro de 2024, aproximadamente 7 milhões de pessoas.

Cortaram programas de alimentos para população de baixa renda, programas de cooperativas de trabalhadores. Reduziram financiamento de entidades culturais, como o Instituto Nacional do Cinema e a Biblioteca Nacional. Foi desativada a unidade de investigação e desaparecimento de crianças da época da ditadura. Liberaram-se os preços dos planos de saúde e reduziram os recursos para hospitais públicos.

Mas, segundo o gênio que escreveu os editoriais de O Globo, tudo isso foi uma lição de responsabilidade fiscal.

Não se fica nisso. A reforma monetária, aos trancos e barrancos, apreciou a moeda argentina. Hoje em dia, é mais barato turistas argentinos no Brasil do que brasileiros na Argentina. Esse encarecimento da produção torna mais escassa a atração de dólares, obrigando a Argentina a vender na bacia das almas suas reservas de litio no Salar del Hombre Muerto e o Salar de Olaroz. 

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22 Comentários

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  1. Diário de Buenos Aires.

    É a terceira vez que venho à cidade portenha.

    Com certeza, virei quantas forem possíveis.

    Aqui temos a chance de ver como é possível uma cidade funcionar para seus munícipes e visitantes.

    Em Buenos Aires, cidade é cidadania.

    Não se trata de adentrarmos, aqui neste comentário, acerca da polêmica entre esquerda ou direita, peronistas ou anti peronistas, até porque BA tem sido governada, repetidamente por governos de direita há alguns anos.

    Há um senso comum de governança e direitos sedimentados em Buenos Aires, e talvez em outras cidades, mas posso falar apenas de Tigre (passeio comum para quem vai à capital portenha), também um “brinco” de cidade!

    A questão central, pelo que meus dias de BA me mostraram, assim como duas experiências em Santiago e uma em Montevidéu, é o processo histórico e seus contingentes, que construíram povos latino-americanos muito distintos daqueles que falam português (nós).

    Há um senso de coletividade entranhado nesses povos, que se não foi suficiente para remover suas elites e as elites estrangeiras da posição de parasitas dessas populações, apesar de várias tentativas, ao menos dotaram estas sociedades da capacidade de mobilização tal, que a subtração de direitos seja muito mais dramática e lenta que no Brasil.

    Dentro desta perspectiva, é correto afirmar que essa combatividade social permitiu alcançar uma esfera de proteção social muito mais avançada que no Brasil, apesar de ser indiscutível que nosso país seja muito mais rico que o conjunto de países vizinhos do sul.

    Não é preciso ser um gênio para concluir que riqueza e tamanho do PIB não signifiquem, no aspecto humanitário, mais sucesso em proteger pessoas.

    EUA, e Brasil estão entre as principais economias do planeta.

    Estão dentre os países mais desiguais e violentos também.

    Voltemos à capital argentina.

    O regime ultraliberal de Milei jogou Buenos Aires em uma situação que deteriorou a olhos vistos.

    Muita gente em situação de rua, coisa que não vi nas duas viagens anteriores, ambas na gestão Fernandez.

    E ouso aqui um chute antropológico: são pessoas recém chegadas às ruas, ao contrário do que se via antes, onde as roupas e os pertences denunciavam um longo tempo de exposição àquela situação.

    Agora são famílias, a maioria mulheres com crianças, e com roupas em bom estado, pertences idem, como se tivessem perdido suas residências há pouco tempo!

    O lixo é revirado por essas pessoas sempre após os horários de pico de consumo nos restaurantes.

    Uma tensão social quase sufocante, e que dá a sensação que vai explodir em breve.

    Faixas de sindicatos em fachadas em todo canto.

    Ao contrário de outras épocas, vi poucas manifestações de rua, embora tenha andado a pé, sistematicamente, pelas ruas de vários bairros.

    Isso (ausência de manifestações), na Argentina, nem sempre quer dizer paz social, ao contrário, indica uma enorme panela de pressão, pronta para expelir as tensões acumuladas, e neste caso de Milei, duramente reprimidas pela polícia, como se nunca viu antes, talvez apenas na ditadura.

    Preços mais altos, porém, ao contrário de antes, serviços públicos mais caros.

    A segurança permanece, e isso também por aquilo que mencionamos antes, ou seja, há um legado de direitos e prerrogativas arraigados no portenho (e nos argentinos, nos uruguaios e chilenos), que são donos de suas cidades, usam-nas como donos que são, sem limites ou territórios proibidos, sem impedimentos de classe ou hierarquias sociais, embora saibamos que a desigualdade e as diferenças ali estejam.

    Mas nada como o Brasil, como o Rio, Campos, ou qualquer outra cidade grande ou de porte médio, por exemplo.

    Somos um proto capitalismo, e do pior tipo, proto estadunidense.

    A adesão automática de todas as políticas públicas estadunidenses, todas com receitas liberais, com destaque para o modelo de gestão de segurança e de distribuição de renda, levou esse país a um beco sem saída, ao desastre total e irreversível.

    Não, Lula nem o PT conseguiram apontar um caminho, que era o esperado.

    Atribuir o fracasso aos limites da governabilidade é uma resposta cínica e não dá conta de descrever as escolhas feitas.

    Quais escolhas de Lula e do PT?

    Não escolher nada, seguir o modelo pré estabelecido, como se isso garantisse uma estabilidade política.

    O resultado?

    Nós assistimos.

    Os governos do PT são obedientes ao extremo ao “mercado”, mas não foram poupados do assédio dos golpistas, que levaram à ruptura, como em 2016, e que continuou a assombrar até 08 de janeiro.

    Ainda que Lula tenha sido sempre gentil e cordato com a mídia comercial, ele foi tratado com desdém e desrespeito tão severos quanto ao dedicado a Jair Bolsonaro.

    No quesito mídia brasileira, fica o registro sobre Buenos Aires e Argentina:

    A Argentina está em frangalhos, mas nada se ouve nos noticiários e nas redes sociais da direita, ou como afirma Nassif, a mídia brasileira comemora o modelo em expansão por lá, como se nos anunciasse em frenética e fúnebre premonição o que nos aguarda!

    Enfim, sinto muita inveja dos argentinos, ainda que estejam experimentando uma solução ultraliberal, personificada no espantalho Milei, que, como Bolsonaro, é apenas uma distração para a imposição de mais do mesmo, isto é, tentativa de espremer ainda mais o que resta de riqueza nacional pelos abutres internacionais e carniceiros nacionais.

    Esse sentimento (de inveja) deriva da certeza de que eles não vão aceitar, por muito tempo, o rebaixamento daquilo que foi conquistado.

    Se no Brasil, qualquer coisa agrada, como algumas poucas linhas de ônibus ou de metrô em funcionamento, ou um dia sem tiros de fuzil em vias públicas, creio que na Argentina ninguém, nem em seus piores pesadelos sociais, vai imaginar situações parecidas.

    Definitivamente, brasileiros são uma prova de que há uma involução civilizatória neste canto do planeta.

    E sim, nossa mídia é a certidão dessa afirmativa acima.

    1. Tive os mesmos sentimentos em viagens pelo Uruguai, Argentina e Chile. Notável a diferença na educação formal com nós, brasileiros. O orgulho uruguaio na comparação entre Artigas e Quaraí. Era uma goleada de 7 x 1 para Artigas: bem organizada, ruas calçadas com concreto, comércio variado, um brinco perto da querida Quaraí. Mas, na realidade, uma comparação disparatada: uma capital distrital uruguaia versus uma pequena cidade de fronteira no Brasil. Na sequência de algumas Norteñas conversando com amigo uruguaio acordamos uma comparação mais justa entre capitais e aí ficou mais parelho.
      De outra feita, em Santiago pedi informações para ir ao Mercado Público, belíssimo por sinal, no portunhol costumeiro e o chileno começou a responder em inglês mas logo puxado pela, acredito, esposa: “no hables, no hables”, viviam tempos pinochetianos . . .
      Nestas andanças me ficou a certeza do atraso brasileiro na educação pública. Somos um país grande, rico mas pequeno na dimensão de suas parcas idéias de nação e povo. Temos uma classe dirigente exploradora, sem noção de brasilidade e ainda saudosa do período colonial.

  2. Nada de novo no jornalão que já nasceu golpista-financista: renasceu no mesmo formato sob a família Marinho e nunca… jamais, deixou de ser a “voz do mercado”, leia-se banca Londrina, um pouco de novaiorquina e sua legião de agentes “brasileiros” (favor aplicar a terminologia original: brasileiro=explorador do Brasil).
    O grupo Globo comanda o Brasil em nome da banca Anglo-americana.
    Jamais poderia ser diferente.

  3. Não é ignorância extrema, Nassif.
    É interesse, conveniência, ambição, é a régua do mercado, que só mede a si mesmo.
    Que importa essa abstração chamada povo? Que importa pobreza extrema, indigência, fome, miséria, se do meu lado da régua há opulência, luxo, riqueza?
    Corisco, no filme de Glauber Rocha, não deixava pobre morrer de fome: ele matava à bala, antes disso.
    Eles são todos Corisco, eles são extremos em tudo, menos na ignorância. Essa, eles deixam para nós: aqui, já são 524 anos de manutenção do povo no poço da ignorância mais completa.

  4. Não tem cavalo inglês que consiga convencer essa gente. Somente a taxação dos super ricos poderá fazê-los entender que o mundo gira e a Lusitana roda

    1. Oxi! Pé de pato mangalô três vezes!
      Globo, Folha, Estadão e similares estão por aí atrapalhando o braZil muito antes de eu nascer. Dureza!
      Mas relativizar o bozismo assumir o poder de novo é o ó do borogodó.
      É parecido com cometer suicídio pra se livrar do mundo cruel…
      Oxi dinôvu! Hehe…

  5. É o paraíso do mercado

    Querem tudo e toda a estrutura da sociedade lhe servindo
    É a nova casa grande e a imprensa familiar lhe serve de capataz pra tentar nos meter e manter à força na nova senzala

  6. Editorialistas do Globo por vezes cometem erros crassos. Agradeço desta vez a Luís Nassif por ter bem enxergado e descrito a tragédia Argentina .

  7. Nassif,

    Outro dia falei do caminho à breca dos irmãos siameses da mídia impressa da capital paulista, aquele que mais parece elaborado por colegiais do ensino médio e a obsessão com tudo o que é vermelho ou pareça, e o outro, que despregou o rabo do leitor (não sei que diabos a quatro isso queria dizer). Exclui o que mora no Rio de Janeiro e se vende como liberal.

    Esses vestais do mercado falam do arrocho fiscal para equilibrar as contas portenhas com vivas e outros badulaques e o povo no miserê, criticam esforços do ajuste fiscal do governo Lula, mas têm cerca de R$ 500 milhões em desonerações de acordo o insuspeito portal Poder 360. O espeto nas contas do INSS vai até 2027 e é bancado pela sociedade, leia-se, os trabalhadores.

    Vai faltar óleo de peroba no mercado…

  8. Obviamente o equilíbrio fiscal não pode ser um fim em si mesmo, e não é. O déficit, por outro lado, causa inflação, por emissão monetária descontrolada, perda de credibilidade no governo, falta de investimento por investidores nacionais e estrangeiros. Basta ver o resultado dos governos Kirchner e Fernandez.

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