Maira Vasconcelos
Maíra Mateus de Vasconcelos - jornalista, de Belo Horizonte, mora há anos em Buenos Aires. Publica matérias e artigos sobre política argentina no Jornal GGN, cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina. Também escreve crônicas para o GGN. Tem uma plaqueta e dois livros de poesia publicados, sendo o último “Algumas ideias para filmes de terror” (editora 7Letras, 2022).
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Pela primeira vez, em 40 anos de democracia, surge uma extrema-direita na Argentina

A extrema-direita de Milei propõe como solução à atual crise econômica e social, a dolarização da economia local.

Milei é o desdobramento da extrema direita mundial na Argentina, que na Espanha tem o VOX, no Brasil teve Bolsonaro e nos EUA Donald Trump. Foto: Fórum Econômico Mundial

Pela primeira vez, em 40 anos de democracia, surge uma extrema-direita na Argentina

por Maíra Vasconcelos – Especial para o Jornal GGN

Desde a redemocratização, que este ano completa 40 anos, é a primeira vez que surge uma força política de ultra-direita na Argentina. Seu principal representante, o deputado nacional eleito em 2021, e pré-candidato a presidente, Javier Milei (Partido Libertário-PL), se diz um outsider na política e um dos seus principais discursos é terminar com o que ele chama de “casta política”. Quer dizer, a grosso modo, eliminar a classe política e, assim, os seus privilégios sociais. Milei iniciou sua participação política em 2021 e já conseguiu projetar nacionalmente a sua imagem. É um fenômeno que cresce nas pesquisas e tem buscado aliar-se à direita clássica, que rejeita uma aliança formal, mas considera que sua ascensão não gera problemas, muito pelo contrário. Milei tira mais votos do kirchnerismo, e não da direita tradicional. Inclusive, dizem os jornais locais, o libertário, e que se diz “anarcocapitalista”, teria mais votos entre jovens, de poder aquisitivo mais baixo, moradores da Região Metropolitana de Buenos Aires (AMBA).

Segundo Pablo Stefanoni, chefe de redação da revista “Nueva Sociedad” e investigador da “Fundación Carolina” (Espanha), Milei está ligado a um discurso que, além de violento, se associa a uma nova direita que surge em todo o mundo, “um fenômeno global de emergência de diferentes tipos de extrema direita”. No caso da Argentina, sua ascensão expressa um “desencanto” com os governos kirchnerista e macrista. Talvez, por esse inconformismo social, também a ala radical da centro-direita, reunida na aliança “Juntos pela Mudança”, hoje representada por Patricia Bullrich (Proposta Republicana-PRO), ex-ministra de Segurança no governo do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), tenha mais apelo social do que a ala mais moderada e menos ideológica do partido, representada pelo atual prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta. Ambos, Bullrich e Larreta, disputam as internas partidárias, com eleições marcadas para agosto próximo.

A extrema-direita de Milei propõe como solução à atual crise econômica e social, a dolarização da economia local. Isso quer dizer, o país substituiria o atual peso argentino e adotaria o dólar como sua principal moeda. O PRO de Macri, Larreta e Bullrich já rejeitou publicamente a possibilidade de adoção da medida como parte de seu plano de governo. No entanto, como pondera Stefanoni, mesmo consideradas as diferenças ideológicas e de plano de governo, esses quadros políticos da atual direita expressam a insatisfação do eleitorado argentino e o desejo de suas militâncias por uma aliança que abarcasse todo esse espectro fora do peronismo. “Acredito que tanto Bullrich como Macri e Milei expressam em conjunto um eleitorado que inclusive queria vê-los juntos”, analisa Stefanoni.

Desde quando não surge uma extrema direita na Argentina, como os “Libertarios”? O que explicaria a ascensão de um candidato como Javier Milei, que hoje é considerado a terceira força nas eleições presidenciais?

Nunca teve uma extrema direita forte na Argentina, desde que a democracia foi restaurada. Vimos alguns personagens políticos que tinham algumas posições de direita mais radical, por exemplo, nacionalistas de direita, sobretudo, alguns personagens que tiveram vínculos com militares da época da ditadura, como Antonio Domingo Bucci, em Tucuman, Luiz Patti, que foi prefeito da localidade de Escobar. Mas são personagens mais locais, digamos, alguns, inclusive, com vínculos com o peronismo, que sempre teve uma ala mais de direita.

A novidade do fenômeno Milei, é por ser uma espécie de recepção, um pouco estranha, do Libertarismo de extrema direita norte-americano. Ele se apresenta como anarcocapitalista e isso não existia na Argentina, que teve forças liberais conservadoras, como a “União do Centro Democrático”, que foi importante nos anos 80 e 90, como expressão de uma série de ideias liberais e conservadoras. Mas, creio que o interessante de Milei é que ele se conecta com um fenômeno global de emergência de diferentes tipos de extrema direita. Ele veio da economia para a política, ele não opinava em questões que fossem além da economia. E, de repente, começou a se vincular com redes de extrema direita.

Às vezes, o interessante é que essas posições são bastante mal assimiladas, negam as mudanças climáticas, se conectam com partidos como Vox, com figuras como Bolsonaro, principalmente, com seu filho Eduardo, denuncia o “Fórum de São Paulo”. São posições que não estão muito bem assimiladas, e se você procurar não há muito por trás desses discursos.

Me parece que o interessante é que ele expressa um fenômeno de desencanto, de inconformismo social que existe, hoje, e de frustração, tanto com a experiência kirchnerista como com a experiência do governo de Mauricio Macri. Ele expressa, de algum modo, um discurso muito violento contra o que ele chama de “casta política”. Utiliza a ideia de liberdade em um sentido muito amplo, por exemplo, defende a ideia de que não pagar impostos é uma espécie de direito humano. Por outro lado, recupera essa retórica anti-socialista da direita atual, que chama qualquer coisa de socialista. Sobretudo, também, é um voto que canaliza por um lado um clima que tem alguma coisa de 2001, “que se vayan todos”, que na Argentina foi muito importante. E, também, conecta com algo que está no ar, em diversos países, que é uma espécie de novo libertarismo, que é muito anti-estatal por um lado, mas ao mesmo tempo pode defender posições autoritárias no âmbito político. O fenômeno bitcoin, que está muito na moda, por um lado, e uma “mão dura” por outro lado. Acredito que Milei é uma expressão local desse fenômeno que na pandemia teve vários protestos contra as restrições. E acho que tem uma utilização, que me parece importante, que ressignifica a ideia de liberdade por parte dessas novas  por parte dessa nova direita, por exemplo, contra o progressismo.  E Milei conecta com essa nova direita anti-progressista, que tem expressões em diversos países.

Para a centro-direita e a extrema-direita, que consequências, ou que quer dizer para o cenário político nacional, o fato de que o ex-presidente Mauricio Macri não concorra às eleições deste ano?

A saída de Mauricio Macri, acredito que não tem consequências radicais. Já era esperado. Tem figuras novas nesse espaço que já tinham lançado suas candidaturas para presidência e era difícil pensar um Macri fosse competir com figuras de seu próprio partido, como o prefeito de Buenos Aires, Rodríguez Larreta, ou Patricia Bullrich, ex-ministra e presidente do partido. Então, acredito que a sua saída deixa, de algum modo, aberta a competição entre duas alas ideológicas ou políticas da coalizão “Juntos pela mudança”, uma mais centrista, a de Larreta, mais pós-ideológica, tem mais a ver com o PRO, partido que fundou Macri, em 2015, com um discurso muito pós-ideológico, que falava pouco de questões políticas duras e diluía muito sua ideologia em um centrismo mais ou menos genérico. Patricia Bullrich tem uma posição mais dura, por isso, se fala ainda de “falcões e pombos”. Essa vai ser a competição que vamos assistir (nas eleições primárias de agosto). Larreta que tem ainda muitos recursos, porque ainda é prefeito de Buenos Aires, e uma ex-ministra que tem menos estrutura, mas consegue entusiasmar mais do que Larreta. Assim, mais ou menos, estará a discussão da oposição para as eleições primárias.

Patricia Bullrich já foi chamada de “Bolsonaro de saia”. Após quatro anos de bolsonarismo,  o que há, realmente, de semelhança entre o bolsonarismo e o que propõe Bullrich?

Na verdade, acredito que são figuras muito diferentes. Patricia Bullrich tem uma trajetória muito longa e oscilante na política argentina. Era do peronismo de esquerda, até começo dos anos 90. Logo, fez uma evolução que terminou se posicionando bastante à direita. Mas seu estilo é muito diferente ao de Bolsonaro. Inclusive as alianças na política local também, e algumas posições políticas. Por exemplo, ela votou a favor do matrimônio igualitário, se posicionou a favor da legalização do aborto, em outras ocasiões. Mas, sim, se conecta com outras direitas internacionais. Seu eixo é a questão da segurança pública, ela foi ministra de Segurança e também uma posição mais repressiva em relação aos protestos sociais, e acho que isso é muito importante. Nesse sentido, acredito que, sim, seu triunfo significaria um giro à direita muito significativo para a Argentina.

Mas creio que são fenômenos muito diferentes. Uma das características do bolsonarismo é que não conseguiu, além de algumas adesões pontuais, como Milei e outras figuras, a debilidade do Bolsonaro foi não formar redes na região. E acredito que isso teve a ver com o fato de que seu perfil era muito difícil de digerir e algo que muitos políticos na América Latina não queriam se identificar.

O importante da figura de Bullrich é que, se bem se fala muito da figura de Milei, quem expressa e tem chances, hoje, inclusive de ser presidente, é ela, pelo lado da direita. E tem muitos vínculos com Milei, os militantes de Milei adorariam que tivesse uma aliança com Bullrich. Então, Bulrrich e Milei expressam um setor do eleitorado argentino que, sim, queriam uma direita mais ideológica na Argentina, com algumas questões que o macrismo, no seu primeiro governo, não expressou. O próprio Macri, hoje, está muito mais próximo desse tipo de posição. Diferente de 2015, hoje vemos um Macri que diz muito mais aquilo que pensa e, basicamente, isso que ele pensa está localizado bastante à direita, digamos, entre as redes do partido espanhol, José María Aznar, etcétera, e, às vezes, inclusive um pouquinho mais à direita, depende do momento. Mas acredito que tanto Bullrich como Macri e Milei expressam em conjunto um eleitorado que inclusive queria vê-los juntos.

Maíra Vasconcelos, jornalista e poeta, é de Belo Horizonte e mora em Buenos Aires. Escreve sobre política argentina no Jornal GGN, desde 2013, e cobriu algumas eleições presidenciais na América Latina.

3 Comentários

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  1. Quem cria a extrema-direita são os “liberal” e seu papo furado.

    Aqui só não ficaram no poder pois o representante é muito ruim.

    Um mais ou menos seria lavada coisa de 60@% ou mais, chutaria.

  2. Pobre Argentina. Macri afundou, Kirchner voltou e só administrou a tragédia. Agora a extrema direita volta para terminar o serviço de Macri. Brasil que se cuide, já que para o mundo ele é parte da Argentina.

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