Amigos da corte criticam senso comum e reafirmam papel contramajoritário do STF, por André Zanardo

O primeiro dia de julgamento do Supremo à respeito da possibilidade de prisão em segunda instância traz uma boa percepção sobre como a corte deve estar preocupada com a sua aparência institucional.

Advogados que atuaram no julgamento posam para fotos antes do inicio da sessao de julgamento da prisao em segunda instancia no STF – Foto Agência Brasil

do Justificando

Amigos da corte criticam senso comum e reafirmam papel contramajoritário do STF

por André Zanardo

Percebe-se uma inquietação com o momento político e desconforto com os efeitos que possam suceder deste julgamento, ou de outras decisões vistas como polêmicas pela sociedade.

Este desnecessariamente polêmico julgamento trata das Ações Diretas de Constitucionalidade, n˚43, 44 e 54 e não necessariamente de nenhum caso que seja diretamente implicado ao caso Lula. O ex-presidente deve ser impactado pela questão, indiretamente, bem como os milhares de presos que estão presos indevidamente com a bagunça jurisprudencial gerada pela decisão política do Supremo de dois anos e pouco atrás.

Em 2016, apesar da crítica dos criminalistas, o STF assumiu o protagonismo de servir às vozes das ruas para alterar toda a interpretação de um sistema jurídico com o viés de prender Lula e impedi-lo de se eleger. Hoje, com a flexibilização do Direito, transformado em mera política de oportunidade, a corte está sob ataque da extrema-direita. Apequenada por seus erros, se depara em uma encruzilhada para reestabelecer a credibilidade e resgatar as rédeas da Constituição, já suspensa na análise de diversos juristas.

O assunto deste julgamento até 2016 era considerado de absolutamente pacífico entendimento e passou a ser indevidamente questionado apenas com a chegada das cruzadas antipetistas e anticorrupção.

A sessão de julgamento desta quinta-feira (17), apesar de iniciada, ainda não teve o voto de nenhum ministro. Mesmo assim, já se demonstrou pelas falas preliminares dos amicus curiae, que esse deve ser um bom termômetro sobre a capacidade das instituições cumprirem seu dever republicano sem se dobrarem ao senso comum.

Alarmados com a credibilidade política institucional em baixa, o ministro presidente, Dias Toffoli, na abertura da sessão plenária, se preocupou em fazer defesa política da importância da corte.

“Quando entramos com essa ação em 2016, o Lula sequer era investigado.” se esquivou o presidente das críticas da politização do julgamento. Entretanto, não explicou o presidente que o controle do tempo das pautas, as vistas intermináveis e o momento de escolha de se trazer o assunto à baila é de vontade política também dele próprio, portanto, há sim uma discricionariedade capaz de manobrar interesses.

O presidente, Dias Toffoli, ainda divulgou números elogiosos que mostram quantitativamente a capacidade do STF julgar mais processos do que qualquer corte superior no mundo. Comparou o Brasil com os EUA , Alemanha e outros países dizendo que o STF brasileiro trabalha muito mais do que qualquer outro órgão judiciário no mundo. “Que mostrem uma suprema corte, que julgue mais do que essa suprema corte. Não há!” defendeu o ministro, tendo praticamente que se explicar porque estaria confrontando com o senso comum.

Assusta, entretanto, que esta matéria precise, agora acertadamente, ser discutida novamente. De tão pacífico que é o entendimento no tema, praticamente todos os amigos da corte disseram-se à favor das Ações Diretas de Constitucionalidade propostas. A única exceção foi o partido Patriotas, que nem ao menos conseguiu explicar a sua tese, gastando metade do tempo falando da bíblia e de Deus.

Todos os outros advogados e defensores que subiram à tribuna foram defender que só se pode prender depois que ocorra o trânsito em julgado da ação penal condenatória. Em linguagem menos jurídica, deve-se terminar todos os recursos possíveis para que alguém vá preso.

O que disseram os amigos da corte?

O advogado, Juliano Breda, representante da Ordem dos Advogados do Brasil relembrou o plenário que já se havia no STF um consenso, unânime, em 2006 à respeito do tema. Todos os ministros entendiam como óbvio que a Constituição de 1988 não permitia o cumprimento de pena antes que se esgotassem os recursos.

Fábio Tofic Simantob, engrandecendo o papel do Supremo, trouxe para análise da corte uma pesquisa da FGV que diz que 50% dos acórdãos questionados no STF eram matérias já sumuladas, demonstrando que a análise em última instância ainda é imprescindível ao processo penal democrático.

José Eduardo Cardoso, ex-ministro da Justiça, explicou enfaticamente aos ministros que não existe duas definições semânticas para trânsito em julgado. Cardoso ainda desafiou os ministros para serem claros caso decidissem não concordar com o que diz a Constituição, mas ponderou que o papel da corte seria o de guardião da carta magna e isto não os permitiria criarem juízos pessoais para alterarem seu significado.

“Vivemos um tempo, seu presidente, em que cumprir a Constituição se tornou um ato absolutamente revolucionário” reclamou o ex-ministro.

“Essa ação talvez fosse uma das ações mais fáceis de ser julgadas, ministro Fux.” alfinetou com delicadeza Cardoso ao criticar o ministro que tem levantado a bandeira anticorrupção acima da Constituição.

Em uma fala potente, o ex-ministro disse ter visto a máquina penitenciária por dentro e apresentou como a decisão impactaria a superlotação do sistema. Afirmou que satisfazer a vontade punitiva das massas neste caso não seria de maneira nenhuma útil para a sensação de justiça no longo prazo, apenas criaria novos criminosos potenciais e mais preparados pela escola do crime.

“A estrutura de marketing da Lava Jato é melhor do que sua estrutura jurídica.” criticou Cardozo sobre a eficiência publicitária dos procuradores do MPF ao provocar uma falsa sensação de justiça utilizando-se do populismo penal midiático.

O Defensor Público Geral Federal, Gabriel Faria Oliveira, também relembrou que não há necessidade de interpretação nenhuma no artigo 283 do CPP, sobre o trânsito em julgado.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, representada pelo defensor Rafael Muneratti alertou: “com a permissão da execução antecipada da pena, não é o fim da impunidade, mas sim uma verdadeira ansiedade punitiva”, O defensor finalizou afirmando que isto promoveria prisões desnecessárias e injustiças irreparáveis.

O Defensor Público Geral do Estado do Rio de Janeiro, Pedro Carriello, ressaltou a fragilidade política que uma decisão equivocada do STF nesse tema traria para a segurança jurídica no Brasil. “A relativização no processo penal vai permitir a relativização de outros direitos fundamentais.” Em quase toda sua fala alertou que os alvos seriam os assistidos da defensoria, na sua maioria pobres e negros. “Essa decisão tem um campo de concentração destinado”, concluiu.

Pela ABRACRIM, Lênio Streck introduziu: “vim como amigo da corte e não como inimigo, pois isso a corte já tem demais.” riram os advogados presente no plenário. Em sua fala, o jurista lembrou que a comunidade jurídica está dando suporte intelectual jurídico à decisão da corte de garantir o entendimento até então pacífico sobre o trânsito em julgado. O ADC 44 não quer discutir nada além do 283 do CPP, mas a discussão foi politizada.

O intelectual foi enfático ao dizer do papel da corte, “Julgar com responsabilidade política, mas sem politizar o direito”.

Em um momento da sua exposição, Lênio se dirige ao ministro Fachin e ironicamente questiona: “mas se o artigo 283 espelha a Constituição, seria a Constituição inconstitucional?”.

O acadêmico deu uma aula sobre o papel contramajoritário do Supremo e lembrou o básico: “a coisa certa é utilizar a Constituição como um remédio contra maiorias.”

Mauricio Steegmann Dieter, pelo IBCCRIM, no mesmo sentido que Streck indignou-se: “Não é possível se dizer inconstitucional um artigo que realiza o texto constitucional”.

A única mulher e negra presente na casa, Silvia Souza, representando a Conectas Direitos Humanos lembrou do caráter classista e racista que é tomado o tema no senso comum: “Um debate, tão sério quanto a presunção de inocência está sendo diminuído como se fosse tratar apenas aos crimes de colarinho branco.”

Frederico Guilherme Dias Sanches, por sua vez, mais uma vez ressaltou: “Não é possível tornar inconstitucional cláusula pétrea, senão estaremos rasgando completamente a Constituição Federal.”

Na vez do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Hugo Leonardo, lembrou que no Tratado Internacional de Direitos Humanos e no Pacto de San José da Costa Rica que são documentos internacionais assinados pelo Brasil este assunto também é absolutamente pacificado.

O advogado ainda ressaltou uma fala já proferida pelo ministro Marco Aurélio: “Ninguém devolve um dia de prisão a alguém preso indevidamente”.

Leonardo, por fim criticou o tom sensacionalista que a mídia e o senso comum está tratando a questão: “Até parece que nós não vivemos em um país que encarcera 800 mil presos. Até parece que nós não somos o país que encarcera mais rápido no mundo e que tem 50% de presos provisórios.”

Na última fala desta sessão, a Associação dos Advogados de São Paulo, por meio do advogado criminal Leonardo Sica concluiu o dia.

Lembrou que em 2009, a corte reafirmou a presunção de inocência. Porém disse que ficou surpreso que em 2016, de inopino, a cruzada judiciária do STF corroborou com um movimento que persiste em tentar acabar com habeas corpus, pretende-se fazer a utilização de provas ilícitas, entre outros. Para o advogado, esse julgamento vem a defender a integridade desta corte de justiça.

O julgamento terá continuidade na próxima quarta-feira (23), com a fala de mais dois amigos da corte, mais os pareceres do Advogado Geral da União, do Procurador Geral da República e assim, finalmente começarão os primeiros ministros a julgarem o caso. O julgamento dificilmente deverá ser concluído na próxima sessão.

André Zanardo é diretor de redação do site Justificando

Redação

5 Comentários

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  1. Em 2016 atravessamos o Rubicão.
    Fazer de conta que isso não ocorreu é uma tolice.
    É fato: num país em que as fraudes processuais cometidas na primeira instância são alegremente corroboradas pela segunda e pela terceira instância (como ocorreu no caso de Lula e de Rafael Braga, para citar apenas dois) não existem mais argumentos jurídicos sólidos e irrefutáveis. Tudo aquilo que os juristas acreditam e defendem pode ser considerado irrelevante num Estado pós democrático.
    Somente o cálculo do lucro (seja ele econômico ou midiático) será levado em conta pela maioria dos ministros do STF.
    A única coisa que eles sabem fazer bem é pose. Eles fazem isso dentro e fora do Tribunal. Até os atritos entre eles são teatralmente encenados.
    As instituições não precisam mais funcionar. Basta que elas cultivem uma vaga percepção pública de que continuam funcionando.
    Sócrates confrontou Trasímaco quando ele disse que o justo é aquilo que convém ao poderoso.
    Os poderosos de hoje não se preocupam nem com a justiça, nem com o poder. Eles pensam apenas em capitalizar os lucros (sejam eles financeiros ou midiáticos).

  2. Na realidade, a celeuma tem nome e sobrenome ” Luís Ignácio Lula da Silva”, quando os crimes de colarinho branco, 99% praticados pela elite atrasada deste país e protegida pelas instituições, começaram a correr riscos a saída encontrada foi usar os adversários como bode expiatório, até o presente momento a tática tem dado certo, porém com um custo muito elevado, a ponto de comprometer a nação perante o mundo.
    O judiciário, os militares de quase todos os níveis e a nata empresarial, sempre protegeram os verdadeiros corruptos.

  3. Como se observa, essa questão é anterior a LULA e diz respeito a qualquer brasileiro que tenha que prestar contas à justiça, inclusive os abutres da democracia que hoje pululam na esfera pública e no seu entorno. Eles próprios, pelo que se tem visto, já são candidatos a, um dia, utilizar essa prerrogativa absolutamente justa e democrática, que é a presunção da inocência até o trânsito em julgado, indiscutivelmente firmada no CPP e na Constituição Federal. Se há casuísmo ou uso político dessa determinação legal, esse foi praticado pelos abutres da democracia e seus seguidores, com o objetivo escuso de excluir LULA do pleito de 2018, a fim de atender interesses igualmente escusos. E o STF caiu de forma estúpida nessa armadilha, assim como na armadilha do impeachment. Não se trata de se redimirem, mas do cumprimento do papel atribuído ao STF pela Constituição a qual juraram defender. Igualar-se aos abutres da democracia seria o fim da picada para o Supremo. E para o País.

  4. Metade dos “nossos” quase 800 ml apenados já deveriam estar em liberdade, e pretos ou pardos são maioria destacada nas “nossas” cadeias, mais de 500 mil.
    De 2005 para cá, a população carcerária cresceu mais de 80%, enquanto a população brasileira cresceu menos de 10% no mesmo período, ou seja, parece que existe algo errado nisto tudo, que os governantes não têm a menor idéia quanto ao que fazem e falam.
    A partir do exposto, tudo indica que o Ministério Público, Depen/MJ e todos os que participam diretamente do Direito Penitenciário não estão nem um pouco preocupados com a dramática realidade, se é que conseguem ter idéia quanto à realidade da sociedade brasileira, afinal, como explicar que um desempregado, por ter roubado um litro de leite, vai preso, já que cometeu crime inafiançável? Alguém já teve notícia de bem nascido cometendo crime inafiançável? Claro que não, daí bem nascido dificilmente parar numa cadeia, quando ocorre passa a ser matéria no JN.
    Voltando aos tais apenados, e aqueles que já cumpriram a sentença e continuam atrás das grades, são quantos milhares deles? E quando a Justiça determina um auxílio à família do apenado, 110% condena, esquecendo que o camarada pode ter filhos pequenos, etc…, ou seja, para a maioria, quando o sujeito fica detido é como se a família também estivesse detida.
    É deste tipo de desvio de raciocínio que esta triste LavaJato, com o apoio vergonhoso da Globo, tirou proveito.
    Aqui, todos querem a construção de mais e mais presídios e depósitos de lixo, desde que fiquem longe de suas casas.

    1. Quase tendo a acreditar que prender antes do trânsito em julgado (presídios entulhados de gente) é para o bem (lucro) de empresas (quentinhas, seguranças, fardamento, equipamentos eletrônicos, etc) que orbitam (fornecedoras) em torno das penitenciárias. Só se for por isso!

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