“Desancoragem das Expectativas”?!
por Fernando Nogueira da Costa
Como não se publica um debate plural entre economistas das diversas linhas de pensamento econômico, o leitor leigo em Ciência Econômica fica à mercê dos neoliberais com monopólio do púlpito da “grande” (sic) imprensa brasileira desde o governo FHC. Na total dependência de alguém contumaz pregador de “mais do mesmo”, fica sem possibilidade de qualquer reação com base no argumento contraditório.
Por exemplo, um professor de Macroeconomia do INSPER, sucursal da linha de pensamento neoliberal da EPGE/PUC-Rio em São Paulo, afirma ideologicamente: “trata-se de uma péssima ideia a de aumentar a meta de inflação dos atuais 3,25% neste ano ou de 3% nos próximos anos para 4,5%, segundo cogitou o presidente Lula”.
O Mercado, via porta-voz, ataca a alternância democrática de poder! Muda o governo, mas não tolera a mudança do regime de juros superestimados! Também pudera… com ele não precisa trabalhar!
Nas últimas duas décadas, a taxa média da inflação inercial brasileira ficou relativamente estável em torno de 5,8%, exceto em 2015 e 2021. O Banco Central do Brasil forçará a taxa de inflação baixar para a metade, em 2025, mantendo um juro disparatado em relação aos vigentes no resto do mundo?!
Quem defende tal despropósito, adota um cinismo social ao escamotear o conflito de interesses. Se é economista, na verdade, defende os interesses particulares de seus contratantes em consultorias e palestras. Se é (ou trabalha para) rentista, pouco se importa em desestimular as iniciativas de empreendedores com geração de empregos para o restante da sociedade brasileira.
Pior, comete a falácia genética do apego emocional – negativo no caso do habitual antipetismo, positivo quanto ao neoliberalismo – referente à origem do emissor de uma ideia contrária para o debate público. O argumento é desvalorizado ou defendido não por seu mérito, mas somente por causa de origem ideológica de quem o defende.
O neoliberal acusa: “quem propõe uma meta maior de inflação para ter, em troca, uma menor taxa de desemprego ainda alimenta a ilusão de esse ser um trade-off existente. Isto é uma falácia. Não acontece. Desde os anos de 1970, se sabe, se existe esse trade-off (curva de Phillips), ele é temporário em curto prazo”.
Curiosamente, a citada constatação empírica justifica o combate à inflação com desemprego (“hiato do produto”), provocado pelo juro disparatado. A Curva de Phillips foi estimada há mais de 60 anos e leva o nome do seu criador, o economista neozelandês A. W. Phillips (1914-1975). De acordo com seu estudo econométrico, a inflação e a taxa de desemprego têm uma relação inversa. Quando um aumenta, o outro diminui.
Na realidade, quando o nível de emprego está elevado, os preços subiriam apenas em caso de pressão da demanda agregada sobre uma dada oferta, ou seja, uma capacidade produtiva plenamente utilizada. Não se deve deduzir automaticamente: a alta do desemprego levaria à queda da inflação.
Esse dogma do regime de meta de inflação é pregado cotidianamente na imprensa: caso o desemprego aumentar, a tendência é ser necessária a redução de preços para os consumidores comprarem. Por qual razão? Porque eles estariam considerando o custo de oportunidade entre consumo ou investimento financeiro. Quantos?
O aumento da taxa de juro prejudica a alavancagem financeira das empresas. Como conseguir um lucro operacional maior com a elevação das despesas financeiras, devido ao uso de recursos de terceiros em empréstimos para aumentar a escala de produção?
A taxa média de juros das contratações finalizou o ano de 2022 em 29,9% a.a., elevação de 5,6 p.p. após aumento de 6,0 p.p. em 2021. No crédito livre, a taxa de juros atingiu 42% a.a. em dezembro de 2022, elevação de 8,2 p.p. no ano.
No crédito livre às empresas, a taxa média de juros situou-se em 23,1% a.a., expandindo 3,4 p.p. no ano, destacando-se elevações em capital de giro de longo prazo (+2,9 p.p.) e desconto de duplicatas e recebíveis (+4,0 p.p.). No crédito livre a pessoas físicas, a taxa de juros alcançou 55,8% a.a., elevação de 10,8 p.p. no ano, com destaque para o aumento em crédito pessoal consignado (+5,1 p.p.). É pouco?!
Compensatoriamente, em 2022, o crédito direcionado, geralmente oferecido por bancos públicos com juros subsidiados menores, atingiu R$ 2,2 trilhão, elevação de 14,3% no ano, acelerando após crescimento de 10,9% em 2021. Para as pessoas jurídicas, apresentou expansão de 8,1% no ano, após retração de 0,3% em 2021, enquanto para as famílias cresceu 17,9%, após alta de 18,5% no ano anterior.
Observa-se, permanentemente, a recessão da economia brasileira, rastejante desde o fim da Era do Desenvolvimentismo e início da Era do Neoliberalismo nos anos 80s. O programa do novo governo Lula é resgatar o social-desenvolvimentismo, isto é, políticas sociais ativas e política econômica pró crescimento – e não mais do mesmo regime de inflação superestimado: juros nas alturas e empregos formais diminutos.
A experiência histórica brasileira demonstra, gradativamente, à medida do ritmo inflacionário, verifica-se um processo de substituição de indexadores:
- indexador ex-post: em função do custo, para manter a margem de lucro histórica;
- indexador inercial: em função do índice geral de preços, para reposição das perdas passadas;
- indexador aceleracionista: em função de um índice de preço-guia, para acompanhar a liderança de preços;
- indexador ex-ante: em função da expectativa de inflação, para reposição futura dos estoques e formação do preço a prazo;
- indexador instantâneo: em função do dólar paralelo, para evitar defasagens.
Em economia indexada, há distintos setores onde cada qual utiliza-se de um desses indexadores, para fixar seus preços, elevando a dispersão de preços relativos. O resultado desse processo de fixação de preços é, além da margem de lucro sobre custos históricos, os oligopólios incorporarem certa margem de segurança, para cobrir o risco de erro na antecipação de custos esperados, em espécie de indexação ex-ante.
Esta antecipação da inflação esperada, em regime de alta inflação, constitui processo cumulativo ou “círculo vicioso” com reflexo na inflação prevista. Outra forma de minimizar o risco crescente de defasagem é abandonar a expressão do preço em moeda nacional e fixá-lo em dólar. Observa-se então o processo de dolarização dos preços, mas esse risco só ocorre em processo de hiperinflação. Está longe do caso atual.
Daí a necessidade da âncora, elemento coordenador dos preços, de modo a proporcionar certa previsibilidade para aumentos futuros. Com abertura comercial e reservas cambiais suficientes, ao se impor preços cotados em nova “moeda”, dolarizada e ancorada em câmbio fixo, são reduzidas as chamadas variações de preços relativos, possibilitando alinhamento mais rápido com os preços internacionais. Foi o Plano Real.
O Banco Central do Brasil publicou a decomposição da inflação do ano passado, desviante 2,29 pontos percentuais do centro da meta. A inércia respondeu por 2,74 pontos, diversos tipos de choques contribuíram com 2,22, expectativas, com 1,02, e inflação importada (commodities e câmbio), com 0,11. Já o hiato do produto teve contribuição negativa de -0,45 ponto, a bandeira de energia, de -1,02, e medidas de desonerações tributárias, de -2,33.
Na remarcação de preços, em vez de fatores subjetivos (“expectativas” ou “confiança), predominaram fatores objetivos como: 1. a elevação dos preços de commodities, em especial do petróleo, após a guerra na Ucrânia, 2. desequilíbrios entre demanda e oferta de insumos, 3. gargalos nas cadeias produtivas globais, 4. choques climáticos prejudicando os alimentos, e 5. a retomada do setor de serviços e do emprego, impulsionada pelo acentuado declínio da quantidade de casos de covid-19 e consequente aumento da mobilidade pelo fim do distanciamento social.
Outros fatores objetivos contribuíram para diminuir o desvio em relação à meta, como: 1. a redução na tributação sobre combustíveis, energia elétrica e telecomunicações; 2. a bandeira de energia elétrica; 3. a apreciação cambial; e 4. o hiato do produto. Este mede a ociosidade da capacidade produtiva da economia. Daí a perene estagflação.
A inflação é mais prejudicial aos pobres sem aplicações financeiras – e ocupações. Os alimentos foram a principal influência para a inflação brasileira em 2022, respondendo por pouco menos da metade (2,41 pontos) da taxa de 5,8%. Os preços de alimentação e bebidas subiram 11,6% em 2022, acima dos 7,9% de 2021, puxados pela alimentação no domicílio, evoluindo de 8,24% para 13,23%.
Portanto, caro leitor sem conhecimento de Ciência Econômica, caso leia só economistas crentes em “desancoragem das expectativas”, desconfie desta Economia da Confiança! Trata-se de um reducionismo simplório de tudo na economia à credibilidade ou confiabilidade. Esses psicólogos econômicos erram até na Psicologia, pois atribuem uniformidade às expectativas dos diversos e heterogêneos agentes econômicos!
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].
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Formação parca e porca em economia mas quando a gente tinha inflação (ainda tem) tinha e tem desemprego, mas os juros seguem altos e a inflação não baixa.
Eu nomearia alguém saido da formação básica para ministro, o que ele(a) vai fazer estará sempre errado mesmo, leria o que dizem os artigos das mídias, faria uma média e aplicaria, seria um desastre mas vem sendo desde desastre Men de Sá …
LA NO CEARÁ O POVO ACREDITA QUE COMER MANGA COM LEITE, É FATAL. ISSO ME REMETE A SEGUINTE HISTÓRIA: O SR. RAIMUNDO PRECISAVA FAZER UMA OBRA NUM SÍTIO DE SUA PROPRIEDADE E CONTRATOU UM PEDREIRO DE NOME XAVIER. PARA AGILIZAR A OBRA SE COMPROMETEU A LEVA-LO NO SEU CARRO ATÉ O SÍTIO. SÓ QUE XAVIER ESTAVA EM JEJUM E PEDIU PARA O SR. RAIMUNDO DEIXAR ELE FAZER UM LANCHE ANTES DE PARTIREM. MAS DEVIDO A PRESSA, SEU RAIMUNDO ARGUMENTOU QUE A VIAGEM ERA RÁPIDA E PODERIA COMER QUANDO CHEGASSE AO SÍTIO. DURANTE O TRAJETO, A FOME IA AUMENTANDO E O XAVIER FOI FICANDO AGONIADO. AVISTANDO UMA VACA SOLTA NA ESTRADA, PEDIU PARA O SEU RAIMUNDO PARAR O CARRO PRA ELE PEGAR UM POUCO DE LEITE DA VACA. MAS COMO A PRESSA DO SR. RAIMUNDO ERA GRANDE, FALOU: XAVIER, ESSE NEGÓCIO DE FOME É PSICOLÓGICO, É SÓ VOCÊ IMAGINAR QUE ESTÁ BEBENDO O LEITE, QUE A FOME PASSA E CONTINUOU A VIAGEM. XAVIER JÁ ESTAVA DESESPERADO COM A FOME E TINHA A SENSAÇÃO QUE O SÍTIO FICAVA NO FIM DO MUNDO. DE REPENTE, ELE AVISTOU UM MANGUEZAL E PEDIU NOVAMENTE PRA PARAR O CARRO E PODER PEGAR UMAS MANGAS. SEU RAIMUNDO VEIO COM A MESMA HISTÓRIA DA PSICOLOGIA E NÃO PAROU O CARRO. PASSADOS ALGUNS MINUTOS, XAVIER NÃO FALOU MAIS NADA, ATÉ QUE SEU RAIMUNDO, DESCONFIANDO DO SILÊNCIO RESOLVEU PARAR O CARRO E CONSTATOU QUE O XAVIER ESTAVA DESMAIADO OU MORTO.FALANDO CONSIGO DISSE: ELE NÃO DEVIA TER MISTURADO MANGA COM LEITE! COMO SE VÊ, PARA OS NEOLIBERAIS, TAXA DE JUROS É UMA QUESTÃO PSICOLÓGICA.