
Sistema Financeiro Disfuncional?! Parte I: Queda da Bolsa e Alta do Dólar
por Fernando Nogueira da Costa
Há erros contrafactuais na argumentação de Armínio Fraga (ex-BCB), Edmar Bacha (CdG), Pedro Malan (ex-MinFaz), ao defenderem a conservação da austeridade fiscal via Regra do Teto. O leitor, através de evidências empíricas, não deve se impressionar com as circunstanciais altas e baixas da bolsa de valores como efeito de contínuo jogo especulativo.
Parcela ínfima de Pessoas Físicas participa, diretamente, do mercado de ações: pouco acima de um milhão entre cerca de 170 milhões de adultos brasileiros. O varejo tem 1,2 milhão de contas em fundos de ações com média per capita de R$ 36 mil. Há 145 mil contas de Private Banking, sem discriminação possível do número em ações, mas estão 7,5% de sua carteira total (R$ 1,9 trilhão) em fundos de ações e 23,6% em renda variável.
Os valores de mercado de 387 ações listadas na bolsa de valores brasileira somam cerca de R$ 4,4 trilhões. As da Petrobras e da Vale chegam a representar ¼ do total, quando não, basta somar mais o valor de mercado do ItauUnibanco para atingir 25%.
Ao não atingir sequer US$ 1 trilhão, a comparação com as maiores bolsa de valores no mundo demonstra sua menor importância. Nos Estados Unidos, a NYSE como 2.584 empresas listadas tem Market Cap de US$ 25,8 trilhões e a Nasdaq com 3.790 avaliadas em US$ 17,4 trilhões. Na Europa, a Euronext acumula US$ 6,4 trilhões nas ações de suas duas mil empresas. A Shangai Stock Exchange na China com 2.101 sociedades abertas tem valor de mercado em US$ 6 trilhões, isto sem falar na Shenzhen Stock Exchange (2.630 e US$ 5,35 trilhões) e na Hong Kong Stock Exchange (2.233 e US$ 5 trilhões).
No Japão, a Tokio Stock Exchange soma 1.838 empresas e US$ 5,5 trilhões. Na Índia, a Bombay Stock Exchange soma 5.246 sociedades anônimas com valor de mercado em US$ 3,5 trilhões.
Ressaltei muitas grandes empresas atuantes no Brasil terem suas ações listadas em bolsa de valores estrangeiras. Dito isso, a relevância econômica do mercado de ações no Brasil está no mercado primário, para a capitalização das Sociedades Abertas, seja nos IPOs (Oferta Pública Inicial), seja nos follow-ons (Oferta Subsequente de Ações).
De acordo com o capital levantado, as empresas podem fazer a necessária alavancagem financeira, para multiplicar a rentabilidade patrimonial sobre o capital próprio através de endividamento. Resulta, portanto, da participação de recursos de terceiros na estrutura do capital da empresa. Nesse sentido, a bolsa de valores é funcional.
E quanto à alta súbita de cotação do dólar? A depender de sua permanência em médio e longo prazo, a depreciação da moeda nacional pode trazer a “inflação importada” para a economia brasileira.
Quais são os determinantes da taxa de câmbio? Três são fundamentos mais profundos, ou seja, não variáveis em curto prazo: (dis)paridade entre a taxa de juro interna e a internacional, superávit no Balanço de Transações Correntes, geralmente no Balanço Comercial, e paridade entre poderes de compra interno e no exterior, dada por diferencial entre taxas de inflação.
Os demais determinantes impactam em curto prazo: o mercado de câmbio à vista e em futuros, de um lado, e o Estado via política cambial, de outro, em contraponto regulatório. O Banco Central opera, em sua mesa de câmbio, para conter as expectativas de inflação através de seu instrumento principal: a relação juro/câmbio.
Assim, além de controlar a demanda agregada, também eleva o cupom cambial, isto é, a diferença entre o juro interno e o juro externo, descontada da variação esperada da taxa de câmbio. A disparidade do juro seria para corrigir o primeiro fundamento.
Para o jornalismo econômico raso, todo movimento de câmbio sempre é um “Deus nos acuda”. Na realidade, é um “overshoot”, isto é, um exagero “acima da linha de tiro” na direção do equilíbrio fundamentado em longo prazo. Quando há uma nova notícia [news] ruim, O Mercado fica nervoso e testa o Banco Central.
Em um primeiro momento, há esse “exagero”, pois a aversão ao risco aumenta subitamente. Mas, em longo prazo, os neoliberais creem na autorregulação de O Mercado, ao avaliar os novos fundamentos, o levar a um novo equilíbrio.
Os desenvolvimentistas discordam dessa opinião de o principal motivo para o real se depreciar mais, se comparado às outras moedas emergentes, ser a incerteza quanto à política fiscal doméstica. Há fatores institucionais como a grande abertura do mercado brasileiro aos investidores estrangeiros e o peso excessivo do mercado de câmbio futuro em relação ao mercado à vista. Acentuam a depreciação da moeda.
Essa tendência também faz parte de um movimento global, provocado pela expectativa de aumento dos juros pela política monetária do Federal Reserve. A melhor alternativa para conter a intensidade da desvalorização do câmbio, nesse caso, seria a imposição de um imposto sobre operações financeiras (IOF) nas posições compradas excessivas.
O principal determinante do câmbio seria o fator externo fora de controle. O sistema monetário internacional é hierárquico. No Brasil, ao contrário de outros emergentes, o mercado futuro de câmbio tem mais liquidez e profundidade face ao mercado à vista, potencializando a possibilidade de especulação.
Tem um papel fundamental, nos movimentos do real, o fato de o mercado ser líquido e totalmente aberto para os estrangeiros. A “posição comprada” (aposta na queda do valor da moeda nacional) desses investidores, quando cresce muito, deprecia o real.
Para resolver esse problema, uma possibilidade seria impor um IOF sobre posições compradas excessivas, mesmo essa não sendo uma medida “market friendly”, ou seja, não do agrado para O Mercado. Ela penalizaria os especuladores e ainda teria impacto fiscal positivo, ao contrário dos swaps cambiais com oneração das contas públicas.
Em geral, mecanismos de gestão de fluxos de capitais e derivativos cambiais ampliam a eficácia da política cambial em “regime de flutuação suja” com intervenção da Autoridade Monetária no mercado de câmbio, ao contrário do suposto pelos modelos macroeconômicos convencionais em defesa do livre-mercado.
Se o câmbio ficar persistentemente em nível mais desvalorizado, os agentes vão repassar a inflação importada aos preços internos. A atuação da Autoridade Monetária e a tributação do governo podem interferir no ritmo inflacionário desse repasse.
O dólar futuro é um dos ativos – formas de manutenção de riqueza – do mercado financeiro. Esse contrato futuro de dólar comercial é um derivativo negociado no mercado futuro, quando compradores e vendedores se comprometem a negociar uma quantidade de dólares a um preço acordado no presente para liquidação em uma data determinada futura. Quem compra, acredita esse ativo se valorizar no futuro; quem vende, acredita esse ativo se desvalorizar no futuro.
Se, no dia do vencimento, o dólar futuro estiver a um preço acima do valor da negociação, o comprador se beneficia. Do contrário, o vendedor se beneficia.
Esse derivativo é operado somente por grandes players – e não por Pessoas Físicas. Pode ser utilizado tanto para especulação como para hedge (proteção).
Quando se negocia o dólar futuro, não está se comprando ou vendendo a moeda em espécie ou física. Como é uma negociação de um contrato futuro e a liquidação é financeira em reais, não há necessidade de ter dólares em conta para realizar essa operação na B3. O dólar futuro nada mais é senão um derivativo do dólar à vista, um contrato baseado no preço do dólar à vista.
Como não se negocia a moeda física, mas sim um contrato onde se fixa a expectativa presente do valor futuro do dólar, é possível tentar aproveitar tanto a alta como a queda desse ativo. No mercado futuro, é possível vender algo sem ter comprado antes. Se tem expectativa de a cotação do dólar cair, o “baixista” aposta em o entregar depois com o preço abaixo do presente ou atual.
O objetivo da especulação é obter lucro a partir de compra a preço baixo e venda por valor mais elevado ou, ao contrário, pela venda a preço alto e recompra a preço baixo. Esses traders assumem o risco ao apostar na direção do mercado.
Como há grande alavancagem no dólar futuro – é possível operar com um valor acima do próprio patrimônio – os ganhos são potencialmente muito grandes.
Uma empresa com dívidas em dólar busca proteção (hedge) para evitar a depreciação do câmbio aumentar essa dívida quando convertida para o real. Nesse caso, compra logo dólar futuro, travando o seu resultado operacional.
Assim, se o valor do dólar subir, o valor total das dívidas é maior, mas a empresa ganha no aumento de preço do dólar. Se, porventura, o dólar cair, a empresa perde na operação com dólar futuro, mas é compensada pela queda do valor total de suas dívidas.
“A alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados”, afirma o trio Fraga-Bacha-Malan. Sim, sob o ponto de vista deles; não, sob o ponto de vista da Nação, caso provoquem um choque cambial inflacionário.
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download gratuito em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].
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