Tendência de isolamento social desacelera no Brasil

Para realizar uma análise comparativa entre diferentes unidades da federação, foram selecionados oito estados das cinco grandes regiões brasileiras.

do Observatório Social da Covid-19

Tendência de isolamento social desacelera no Brasil

por Ivanovitch Silva (UFRN)

Luciana Lima (UFRN)

Leonardo Bezerra (UFRN)

Rafael Gomes (UFRN)

Marcel Ribeiro-Dantas (Institut Curie)

Gisliany Alves (UFRN)

No dia 9 de abril, a Google atualizou seu relatório denominado “COVID-19 Community Mobility Reports”, que apresenta informações sobre a variação no número de visitas para um conjunto diverso de atividades: compras e recreação (shoppings centers, restaurantes, livrarias); supermercados e farmácias; áreas de lazer (parques, praias, jardins e praças públicas); estações de trânsito (pontos de embarque e desembarque de passageiros); locais de trabalho e residências dos usuários.

Para que todos os locais visitados com os dispositivos móveis sejam registrados pela Google, o usuário precisa ativar o Histórico de Localização de sua conta, que por padrão se encontra desativado. Segundo a empresa, os dados são armazenados em bancos de dados agregados e com registros anônimos. No primeiro relatório divulgado pela Google, os registros de locais visitados e capturados por dispositivos móveis se referiam ao período de 16 de fevereiro a 29 de março. Já na segunda medição, os dados compreendem os dias entre 23 de fevereiro e 5 de abril. A linha de base para ambos os períodos é o período de 3 de janeiro a 6 de fevereiro de 2020. Portanto, a Google apresenta a variação percentual em relação a esse período, quando não havia restrições para a circulação de pessoas. Por exemplo, se uma localidade apresenta um valor de 20% de variação de movimentação em residência registrado para o dia 23 de março, uma quarta-feira, isso significa uma movimentação 20% maior com relação à mediana dos registros capturados em área residencial, nas quartas-feiras, para o período de linha de base.

A Google disponibiliza essas informações para 131 países e regiões originalmente em formato PDF. Para tratamento dos dados, os pesquisadores utilizaram técnicas atinentes à Ciência de Dados, uma área do conhecimento que tem despertado o interesse da comunidade científica em geral, por permitir a extração de informações que dão suporte à inovação e que embasam as tomadas de decisão em diversos campos. O software utilizado para extração dos dados de mobilidade da Google, Mobius, foi criado e disponibilizado gratuitamente pelos pesquisadores do Data Science Campus, dado o interesse global nestas informações no momento atual. Os autores desenvolveram um pipeline de extração e pré-processamento desses dados, com base nesta ferramenta, de modo a obter os dados diários para o Brasil e os estados da federação, no período de 16 de fevereiro a 5 de abril, agrupados para as seis categorias de atividade disponibilizadas pela empresa. Na sequência, foram utilizados métodos estatísticos que isolam a tendência de variação dos dados do efeito do dia da semana em que o mesmo foi coletado. 

A Figura 1 ilustra o percentual de variação na mobilidade no país durante o período de 16 de fevereiro a 5 de abril, com relação à linha de base, isto é, o período anterior ao início das medidas de distanciamento social. De um modo geral, verifica-se um aumento recente na circulação de pessoas em áreas não-residenciais no Brasil, após um período inicial de forte redução em função das medidas de distanciamento social.

Figura 1

Fonte dos dados básicos: COVID-19 Community Mobility Reports, Google.

Comparando no tempo, verifica-se que, sobretudo a partir da segunda semana de março, aproximadamente, quando as unidades da federação começaram a decretar medidas de isolamento social, a adesão ao distanciamento social foi crescente: curvas de atividades decrescendo para aquelas categorias que ensejam maior circulação, e ascendendo para a curva de registro de visitas em locais de residência. 

Todavia, esse ritmo não se sustentou nas semanas seguintes. Conforme também demonstrado pela Figura 1, a partir da segunda quinzena de março, aproximadamente, observam-se mudanças nas tendências das curvas: áreas residenciais passam a apresentar redução de mobilidade, enquanto as demais áreas passam a apresentar aumento de mobilidade. Isto é particularmente evidente para as áreas de supermercados e farmácias, compras, estações de trânsito e parques. 

As variações regionais são igualmente importantes de serem analisadas, tendo em vista que os decretos de isolamento social e a fiscalização sobre o descumprimento dessas normativas não são uniformes entre os governos estaduais. Para realizar uma análise comparativa entre diferentes unidades da federação, foram selecionados oito estados das cinco grandes regiões brasileiras. Foram selecionadas localidades que, até o presente momento, se encontravam em estágio acelerado da pandemia por COVID-19 e/ou apresentaram tendências destacadas nas atividades registradas pela Google nos dois relatórios.  

A Figura 2 mostra a tendência de mobilidade considerando locais de residência. Observa-se o Mato Grosso e o Amazonas com curvas em patamares consideravelmente abaixo que os das demais unidades da federação incluídas na análise: no estado mato grossense, a tendência ao final do período considerado foi de manutenção do baixo nível de mobilidade atingido, enquanto no Amazonas se registrou uma tendência de aumento de mobilidade neste tipo de área. O Distrito Federal, que vinha alcançando patamares elevados ao longo da série, parece seguir um ritmo de queda ao final dela, ainda que se mantenha com mobilidade superior às das demais unidades analisadas. 

Figura 2 

Fonte dos dados básicos: COVID-19 Community Mobility Reports, Google.

Com relação aos locais de trabalho, destacou-se na Figura 3 a tendência destoante do estado do Mato Grosso em relação às demais localidades analisadas. Para esse estado, a partir de 27 de março, aproximadamente, houve uma tendência destacada de elevação de registros de pessoas em locais de trabalho. O Amazonas, que na Figura 2 se apresentou com tendência de aumento dos registros em locais de residência, foi a única localidade entre as demais a apresentar, ao final do período, um ritmo de queda consistente para esse quesito. 

Figura 3

Fonte dos dados básicos: COVID-19 Community Mobility Reports, Google.

Por fim, a Figura 4 mostra a tendência de mobilidade considerando as estações de trânsito, ou seja, os locais de embarque e desembarque de usuários de transporte público. Conforme é possível observar, a partir de 27 de março, aproximadamente, apenas três unidades da federação considerados nesta análise se situam abaixo da média brasileira: São Paulo, Rio de Janeiro e o Ceará. Nesse quesito, o Amazonas se destacou negativamente, com níveis elevados sobretudo a partir de 17 de março. Minas Gerais apresentou tendência similar ao do estado amazonense, porém, em menor nível. 

Figura 4

Fonte dos dados básicos: COVID-19 Community Mobility Reports, Google.

Considerações gerais:

Algumas limitações inerentes aos dados precisam ser levadas em conta para interpretação dos resultados, tais como, a necessidade que o usuário ative a função de histórico de localização para que o registro seja efetuado pela Google e o nível muito agregado das informações disponibilizadas. Até o presente momento, é possível realizar análises apenas para os estados brasileiros, o que representa uma limitação, pois as assimetrias de diretrizes de isolamento social entre governos de esferas municipais, por exemplo, podem descrever padrões distintos de adesão ao isolamento no nível intraestadual. 

Em relação ao nível de contágio pelo COVID-19, os dados da Google, por si mesmos, não apresentam robustez suficiente para predizer uma hipótese mais conclusiva. Por outro lado, a análise realizada no estudo indicou uma coerência com o nível de adesão da população às medidas de isolamento social para os grupos de atividades presentes nos dados da Google. Considera-se, portanto, que o resultado desse estudo fornece uma valiosa informação com grande potencial para que os diferentes governos monitorem a movimentação das pessoas durante o período de circulação do vírus, e atuem de maneira mais focalizada para conter o avanço dessa doença em seus territórios.

Redação

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  1. Em sua live de ontem à noite, o prof. Átila Iamarino mostrou um gráfico de projeção de que num ritmo com que a pandemia tem crescido tanto nos EUA quanto no Brasil, cada infecção que é impedida de acontecer (isolamento), estima evitar ao menos 2.400 novas infecções em 30 dias (no caso de 2 a 3 infecções per capita – sendo que já há projeções para 6 a 7 infecções).

    https://youtu.be/vEwDdXim8bQ?t=1276

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