A audácia do TCU contra os acordos de leniência, por J. Carlos de Assis

A audácia do TCU contra os acordos de leniência, por J. Carlos de Assis

Em artigo anterior cometi o erro de atribuir à Procuradoria Geral da República a iniciativa de contestação da medida provisória editada em dezembro pela Presidenta para regular os acordos de leniência – isto é, o marco jurídico pelo qual empresas envolvidas na Lava Jato, por exemplo, podem estabelecer acordos com o poder público para continuar trabalhando com órgãos do Governo mediante colaboração com a Justiça na admissão de irregularidades. A iniciativa não foi do Ministério Público. Foi da infame Procuradoria do TCU.

A revolta do TCU com a medida provisória é ter ficado de fora das negociações dos acordos. Só poderá pronunciar-se depois do acordo pronto. Ele queria meter o bedelho lá dentro ainda no processo de negociação. Isso significa que, a seu ver, não seria suficiente envolver nos acordos o Ministério Público Federal, a Advocacia Geral da União e a Controladoria Geral da União. Para o acordo ser honesto, a participação de todos esses órgãos não basta. Precisa do próprio TCU. Detalhe: TCU não é órgão do Judiciário. É um simples coadjuvante do Congresso Nacional no processo de avaliação de contas do Governo. Não tem poder decisório. Portanto, não há qualquer razão para se meter nos acordos de leniência.

Por que então a insistência insolente do TCU em enfiar-se nos acordos? Se derem uma olhada no prontuário de muitos conselheiros federais e estaduais dos TCs, verão que os controladores de contas não raramente confundem contas públicas com contas pessoais. De fato, há uma grande ingenuidade na opinião pública ao pensar que, diferentemente de outras instituições do Estado, o TCU é um reservatório de honestidade. Alguns deles são tão corruptos quanto os controlados. A maioria certamente não resistiria a 10% de uma Lava Jato!

Anos atrás fui assessor do jurista João Luís Duboc Pinaud na Secretaria de Justiça do Rio. Ele conseguira recursos federais para construir um grupo de presídios de porte médio no Rio, mas não conseguia de forma alguma liberá-los para aplicação no Estado. O TCE não deixava. Fazia várias exigências para aprovação do edital – o que já é uma aberração, pois o tribunal é de contas, não de editais. Em determinado momento, deduzimos que queriam dinheiro. Não havia como a gente dar, e não aceitaríamos dar através de empreiteiras que construiriam os presídios, tal como queriam. Resultado: a obra não saiu.

Os membros dos TCs, tanto no plano federal quanto no estadual, são, em geral, recrutados entre políticos que perderam os mandatos ou patrocinados por políticos corruptos. É uma vergonha nacional, um acinte à sociedade brasileira. A maioria não se dá o trabalho de escrever um parecer. Todo o trabalho é feito por assessores, remunerados com salários escandalosos e com oportunidades de negociatas. Atualmente, tendo em vista o derretimento geral das instituições, eles se aproveitam das circunstâncias para não só ganharem dinheiro  mas também obterem vantagens com politicagem, como esse ataque à MP.

A alegação, no caso da leniência, de que a iniciativa da Procuradoria do TCU visa a proteger o interesse público é cínica. É brincar com os interesses da sociedade. Os acordos de leniência são a forma de evitar que a Engenharia Nacional seja sucateada e que centenas de milhares de trabalhadores percam o emprego. Em vários artigos defendi que, tendo em vista irregularidades cometidas, é fundamental separar empresário de empresas. Empresas, para proteger tecnologia, capacidade construtiva e empregos, devem ser mantidas. Já os empresários devem pagar pelas irregularidades. É isso que visa o acordo de leniência na forma da MP baixada por Dilma, até mesmo com certo atraso, mas com indiscutível apoio social.

 

J. Carlos de Assis – Jornalista e economista, doutor pela Coppe/UFRJ, autor de “Os Sete Mandamentos do Jornalismo Investigativo”, Ed. Textonovo, SP, 2015.

 

Redação

7 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. É preciso lembrar para esta

    É preciso lembrar para esta turma que eles perderam as eleições. Os acordos de leniência precisam primar pela tecnicidade e não por interesses políticos partidários. O TCU com direção formada por políticos navegam de acordo com os ventos da política, são duros e especialistas em achar pelo em ovos quando estão na oposição ao governo, ou quando interesses inconfessáveis como o inferido acima estão em jogo e extremamente lenientes e permissivos quando o assunto é para beneficiar aliados. 

  2. A audácia do TCU e outros órgãos.

    No Brasil mais recente temos visto a conjunção maléfica de dois ingredientes:

    – a união dos perdedores das eleições com a mídia sempre conservadora resulta numa histeria diária contra tudo que venha do governo federal e seus apoiadores. É a narrativa do caos cotidiano, Os que antes da internet diziam-se “formadores de opinião” hoje são personagens apartados da realidade a bradar para a minoria que lhes da atenção. E nessa queda a velha mídia esbraveja cada vez mais para fazer-se ouvir. Vai perder a voz e continuar caindo.

    – de outro lado temos um governo federal fraco. Ausente do debate público deixa o cenário ao sabor das maledicências dos adversários sem qualquer contraditório. Não ocupa o espaço que institucionalmente lhe é conferido. Na idéia de manter-se longe da sujeira de políticos podres deixa suas instituições à deriva. É o que chamo de republicanismo caolho.

    Nessa queda de braço vence quem melhor  ocupa o espaço público e Dilma mesmo conhecendo a história de Leonel Brizola não faz o contraditório e sequer exerce o comando de instituições federais. Nessa toada perdemos 2015 com a prometida manutenção do rating, recessão, aumento do desemprego, economia travada e, por fim, decaimos no rating.

    Eu arriscaria dizer que lhe falta o que Nassif chamou de “estado maior”, atuante e OUVIDO. 

  3. O TCU é mais uma das pérolas

    O TCU é mais uma das pérolas brasileiras com “ministros” políticos que não deveriam existir. Um órgão com técnicos concursados já estaria de bom tamanho para um desempenho mais honesto e eficiente. E nós pagamos caríssimo para manter essa aberração chamada TCU.

  4. Faz tempo que tenho

    Faz tempo que tenho dificuldade para entender qual o papel real do TCU e seus filhotes.

    Diversas ações que toma, são calcadas em seu próprio regimento!

    É um ente público, com função de assessoramento legislativo e que interfere na administração dos executivos, em seus três níveis, arrostando uma autoridade que não sei de onde sai.

    Em tempos nebulosos, assume um papel político, que não lhe cabe, e causa transtornos de potenciais danos ao republicanismo.

  5. O TCU não me representa

    Está na hora de alguém propor uma PEC mudando totlmente o mecanismo de controle do Executivo. O TCU não passa de um repositório de polítios sem emprego e sem mandato. Uma sinecura. Melhor seria que tivéssemos um Conselho de Estado eleito pelo povo e que fiscalizasse o Legislativo, o Judiciário e o Executivo.

     

  6. Barroso falou, tá falado

     

    Supremo confirma poder do TCU para declarar empresa inidônea

     

     

     

    Empresa punida por suposta fraude tentou derrubar decisão do Tribunal.
    Inidoneidade impede firmas de assinarem contrato o com poder público.

     

    Com a decisão, os ministros do STF confirmaram a possibilidade de oTCU – órgão  de fiscalização do Legislativo – em declarar inidôneas empresas que cometem irregularidades em negócios com o Poder Público.

    No caso analisado pelo Supremo, a empresa Dicaciel Telemed foi punida por suposta fraude em documentos que permitiriam sua habilitação em licitações. Em sua defesa, ela alegou que não teve direito Além disso, afirmou que a decisão ameaçava sua “sobrevivência”, pois mantinha contratos com a Receita Federal do Brasil e com a Universidade Federal do Rio de Janeiro. Com a declaração, alegou ainda a empresa, teria de demitir todos os seus empregados sem ter como pagar os direitos trabalhistas.

    No julgamento no STF, somente o relator, ministro Marco Aurélio Mello, votou favoravelmente à empresa. Os demais acompanharam o ministro Luís Roberto Barroso, que abriu divergência citando decisão anterior do STF que já reiterava a possibilidade de o TCU proibir contratos com a administração pública de empresas flagradas em irregularidades.

    No voto mais longo sobre o caso, o ministro Celso de Mello disse que os poderes do TCU derivam da própria Constituição. “Configurada fraude ao procedimento licitatório, na verdade viabiliza-se a utilização pelo Tribunal de Contas desse dever-poder de sancionar o comportamento desviante”, afirmou.

    ___________________________________________________________________________________

    Como a MP prevê que as empresas que forem beneficiadas pelo Acordo de Leniência, não poderão mais serem declaradas inidôneas e nem proibidas de participarem de licitação, obviamente que a participação do TCU nos acordos é imperativa.  

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador