A deposição de Dilma e a quebra do pacto social, por J. Carlos de Assis

Aliança pelo Brasil

A deposição de Dilma e a quebra do pacto social básico no Brasil

por J. Carlos de Assis

É possível que para milhões de brasileiros o que aconteceu em Brasília nos últimos meses, com o coroamento agora da deposição definitiva de Dilma Roussef, seja uma “simples”  troca de governo do PT  para a aliança PMDB-PSDB-DEM. É um equívoco. O que aconteceu foi a ruptura do pacto social básico do país que, desde Getúlio Vargas, e confirmado até pela ditadura de 64, estendeu-se pelo governo de conciliação de Lula e  equilibrou as relações básicas da sociedade brasileira sem grandes convulsões sociais durante décadas.

O  símbolo do Governo interino que se apropriou do poder sem votos é sua estreita colaboração com a Fiesp de Paulo Skaf, sendo o traço característico de Skaf – que sequer é  industrial – a profunda ignorância em relação aos interesses da própria burguesia brasileira. Por mais de um século os empresários que representaram a classe capitalista foram suficientemente inteligentes para acolher pelo menos parte dos interesses dos trabalhadores como condição de convivência e, naturalmente, de preservação e ampliação de seus próprios lucros a partir daí.

Skaf não se preocupa com isso porque, na condição de dono de um armazém e não de uma indústria, não precisa de se preocupar com empregados. Na verdade, sua exclusiva preocupação é administrar como bem entende os bilhões de reais que irrigam os cofres do Senai e do Sesi, uma aberração brasileira que coloca impostos públicos sob gestão de empresários privados. Por outro lado, não admira que Temer leve tanto em consideração os conselhos de Skaf. Foi ele quem geriu um caixa de R$ 500 milhões para comprar o impeachment de Dilma, dinheiro recolhido entre alguns presidentes de federações que certamente o tiraram do mesmo lugar, o Sesi/Senai financiado por  imposto.

A forma como a burguesia conciliou seu apetite de lucros com salários controlados por ela mesma foi o que chamo de mais valia social. Em síntese, a mais valia social é o tributo distribuído em programas de interesse social e despesas de infraestrutura do governo. Em termos rigorosos, é a parte do valor da mercadoria produzida pela força de trabalho acima do salário que é apropriada pelos não produtores diretos, ou seja, o próprio capitalista, o rentista e o governo. É a mais valia social que financia a saúde, a educação, a previdência, o Estado de bem-estar social enfim.

Uma vez retirada a mais valia social, resta aos trabalhadores a luta de classes a fim de obter salários diretos que lhes garantam um mínimo de bens e serviços de sobrevivência. Como contrapartida, os lucros advindos da mais valia convencional explodem, na media em que a burguesia se apropria da mais valia social. Essa é uma bela receita para convulsões sociais. A Europa e os Estados Unidos já passaram por isso em tempos de grandes crises sociais no passado. Skaf quer trazer isso para o tempo presente no Brasil, e Temer, com aquela expressão de tão alienado quanto ele, se associou à tarefa politicamente estúpida.

Trata-se de uma situação tão claramente regressiva que eu próprio me vejo usando um terminologia originalmente marxista para descrevê-la. Justifica-se. É efetivamente uma regressão. Bata olhar a pauta Temer-Renan, e agora Rodrigo Maria, para concluir que o Brasil está andando para trás de forma acelerada. Imagine-se quando o interino se tornar permanente. Está em curso uma pauta de abolição de direitos consagrados na Constituição em nome de um suposto equilíbrio fiscal que é fruto exclusivamente de uma ideologia que interessa sobretudo a banqueiros e financistas, e finalmente visando ao Estado mínimo. Certamente, isso não acabará bem!

J. Carlos de Assis – Economista, doutor  pela Coppe/UFRJ, autor de mais de 20 livros sobre economia política brasileira.

Redação

5 Comentários

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  1. Talvez a única saída possível ou uma virada

    seria quebrar os verdadeiros industriais e a classe média que é dona do comércio junto com os trabalhadores(esses verdadeiros industriais e essa classe média acham que só o trabalhador é que vai ser sacrificado com a diminuição de direitos e de salário , pois eles ainda enxergam os trabalhadores apenas como custo de mão de obra e não como consumidores)

    Talvez aí  , com esses três personagens se juntando , conseguiríamos ter alguma força para mudar o rumo do país , tirar o rumo do país das mãos do famoso mercado.

    Mas , infelizmente , primeiro precisamos ter a famosa terra arrasada.

  2. Cansei, não grito mais fora

    Cansei, não grito mais fora Temer. Quanto mais grita, mais o Temer fica e vai fazendo so merda. Os discursos são ruins, vazios, não é explicado o pq que temer tem que sair fora. Infelizmente todos perderão. Seremos uma Grécia arrasada.

  3. O Brasil não se resolve por

    O Brasil não se resolve por via pacífica. Existe algum líder com coragem de conclamar a população, pelo menos a parte que não imbecilizada pela mídia, a fazer justiça com as próprias mãos?

  4. fim da cordialidade brasileira

    Eu avançaria um pouquinho a analise, amigo,  e diria que com o fim do contrato social, consumado o estado de exceção com a aprovação do impeachment, de fato a cordialidade do brasileiro, (manifestada na politica de conciliação de classes que o PT tentou implementar) será transformada em algo que certamente não será mais a paz e resignação. 

    A cordialidade do brasileiro será enterrada quando os brasileiro comum, o brasileiro que acorda cedo para ir trabalhar e chega tarde para descansar, quando esta energia não tiver mais eco em todos os setores da sociedade (midia, cultura, educação e saúde). Neste momento ele sentira um estranhamento, um sentimento de solidão tão grande que irá impedi-lo de compartilhar alegremente a vida com seus pares novamente. E as condições psiquicas para a guerra civil estara madura para a inevitavel quebra da casca do ovo. Finalmente o brasileiro cordial será substituido pelo brasileiro social e haverá muuito ranger de dentes então.

  5. Já basta de frescura!

    É bastante evidente que a troca de governo significa um avanço notável dos interesses predatórios das castas senhoriais.

    Como também era bastante evidente, exceto para o PT e todo o seu “republicanismo”, que elas sempre estiveram à espreita para isso.

    O PT havia dado a mão para as feras comerem. Agora as feras querem não só o braço, mas as carnes todas. Bem feito! Não se dá a mão a lobos.

    Não adianta mais ficar chorando o leite derramado. O PT foi temeroso, errático, tolo e, finalmente, míope e covarde. Por fim, e não importa se o PT ou a Dilma, mas  ele traiu seus eleitores, tratou-os com a arrogância dos que perderam o contato com o chão e as ruas, e pavimentou o caminho que o deixaria sozinho e à mercê da alcateia.

    É patético (senão risível) alguém querer agora “ameaçar” os velhos bichos com a luta de classes. Está mais que na hora de parar com a irracionalidade desse esperneio apocalíptico, colocar os pés no chão e passar a pensar objetivamente. Senão, o único lugar que restará para a nostalgia deslocada desses tolos será o simples delírio.

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