A Economia na Cuíca – (Des) Economizando, “vida e morte” da economia (Um conto), por Nathan Caixeta

A Cuíca ao assistir a “tristeza” da “ciência” econômica a ela muito oferece, dando seus melhores frutos, pois tem de onde tirar infinita inspiração, pois nascida no mesmo berço do saber dos poetas

Reprodução Globoplay

A Economia na Cuíca – (Des) Economizando, “vida e morte” da economia (Um conto)

por Nathan Caixeta[1]

Arborizando os saberes, o samba traz ao universo onde residem “os gênios” uma alegria que em tantos momentos desafia quem pensa que só “se frita a cuca” permanecendo com gélido distanciamento em relação aquilo que se quer conhecer. Maldade de Kant. Azar do filósofo que nunca ouviu uma Cuíca, nem se apaixonou pela viola.

O que não contam, quando ingressos e submersos no mundo do saber econômico é que o conhecimento que deveria libertar, se torna uma prisão ferinamente protegida por paredes de aço, por soldados armados aos montes, esperando que a luz apareça para apagarem ela com um tiro de “sensatez”.

A prisão das fórmulas, desfazem a magia de Fourier no enlace nada mágico, tão concreto que acaba equilibrado em duas curvas que em sonho, no “longo-prazo”, se fazem retas. Preços, quantidades, oferta e demanda, taxas de prazos, afinal, do que falamos em “economês”? Senão, do inexistente mundo modelado para a perfeição?

No “ponto de encontro” entre a soberba e a ignorância são deixadas todas as ideias dos economistas.

No trago, dois charutos, carteado, longe das “canetadas”, se faz samba, com viola, cavaco, Cuíca. A “ginga”, o “rebolado”, a transformação da “lágrima clara em pele escura”, diriam Caetano e Gil, vem dos palmares sua inspiração, seu nascimento. Por isso mesmo, em contraste, a economia tem pouco a oferecer a Cuíca, pois não tem raiz para que possa se desfazer de seus frutos, entregando-os ao “universal”, e continuar a produzir. Se arrancadas, suas flores vão ao chão, porque não sobrevivem do oxigênio trazido pelos hormônios do corpo, mas da dormência dos sentidos, do indispensável ato de dizer aquilo “tanto pensado”, “tanto escrito”, mas odiosamente, jamais contrastado com a realidade. Eis, a essência da ordem econômica.

A Cuíca ao assistir a “tristeza” da “ciência” econômica a ela muito oferece, dando seus melhores frutos, pois tem de onde tirar infinita inspiração, pois nascida no mesmo berço do saber dos poetas, os verdadeiros filósofos daquilo “ainda não pensado, mas já versado”. O berço do “possível” que trafega nas águas do “real” como quem embala uma criança, experimentando os níveis do rio e acalentando a dor do desconhecido pelo prazer de conhecer. Sentimento esse que fere mortalmente os muros da Economia, pois liberta seus prisioneiros sem atirar nela em nenhum instante, mas estancando os ferros pela sutileza da “criação”, o nobre ato de “transmissão” do um para o outro.

Em “codinome”, diz Luiz Melodia, o samba protege o nome da inspiração por amor, porque versado em prosa que traz do cotidiano “a esperança” de tornar o riso eterno e abalar a mortandade da dor. Menos lúcido, o economista espera morto que seu riso seja tragado pelo baile cotidiano, diria o velho Keynes. Por isso mortos há cem anos, enfeitiçando as “cacholas”, sem experimentar o sabor do riso, senão da irônica resposta da realidade ante à teoria, dando-lhe um silencioso abraço, para mata-la às 11h da manhã, enterrá-la ao meio-dia e “cavoucar” sua cova até aparecer a noite, a lua que a leva consigo, antes que se encontre desnuda ao sol. Esse é o destino de toda “Economia” inventada que não aquela “aprendida” da arte do real, porque Economia “não” Política e “não” nascida dos olhos sociáveis ao “social”.

Em marcha, o tom fúnebre da Cuíca desembala o choro do cavaco, misturando-o ao violão do Mestre Cartola:

“Bate outra vez
Com esperanças o meu coração
Pois já vai terminando o verão
Enfim

Volto ao jardim
Com a certeza que devo chorar
Pois bem sei que não queres voltar
Para mim

Queixo-me às rosas
Que bobagem as rosas não falam
Simplesmente as rosas exalam
O perfume que roubam de ti, ai

Devias vir
Para ver os meus olhos tristonhos
E, quem sabe, sonhavas meus sonhos
Por fim”

De tão pesado que fica, o coração do economista em nada vê sentido. Nem no sorriso da criança que desfaz “o consumidor racional” ao preferir um pacote de balas a um par de sapatos, guardando o restante das moedas no tesouro dos centavos contados para o dia seguinte. Nem mesmo o alegra, a agonia do “empreendedor” que vê à frente sua efetiva esperança da “demanda”, sem saber se será “realizada”, deixando descansar a imagem do “produtor” que separa para a eternidade os “ganhos e custos”, pretendendo atuar na marginalidade nula para auferir seu lucro.

Como na prática dos quilombos, isola-se o corpo morto em torno da roda de samba, para que os bons espíritos levem em canto, o encanto da vida às margens daquilo que é eterno. Sem cortejo, a economia se despede da vida, assim que saí das retinas do “bom observador” para habitar às abcissas de um gráfico. O eixo apaixonado pela bissetriz, e ela por ele. Assim está feito e fora dito e ensinado. Apaixonado o economista pelo encontro “Newtoniano”, observa a si mesmo como o Narciso que superou o édipo e pôde sobreviver com os olhos inteiros, escondendo do próprio Aquiles, seu calcanhar. Vaidoso, passa desapercebido seus escorregões. Antes, o economista negou o pileque para que na troca de “bíblias” por “água-ardente”, não ficasse de fogo ao assistir o incendiário baile do dinheiro, pressuposto incabível!

Dos Jorges do Samba, peço a Aragão que explique ao Economista, o “feitio de paixão” que embala a casa de Bamba de Martinho, aonde: “todo mundo bebe, todo mundo samba”:

“Sem subornar teu coração, com feitio de paixão
Farei tudo pra ganhar tua confiança
Com a esperança de aprendiz
Juro que vou te fazer feliz”

Assim, segue o samba apaixonado por quem se apaixona pela vida. Há quem o samba toca, traz a “Identidade”:

“Elevador é quase um templo
Exemplo pra minar teu sono
Sai desse compromisso
Não vai no de serviço
Se o social tem dono, não vai

Quem cede a vez não quer vitória
Somos herança da memória
Temos a cor da noite
Filhos de todo açoite
Fato real de nossa história”

Sai da Cuíca, o respiro das cordas já abaladas do violão, ensinando no fundo do quintal, que o “Show tem que continuar” à despeito do que dizem, o samba a si mesmo se defende ao ser espada e escudo da “Batucada de nossos tantãs”:

“Samba, a gente não perde o prazer de cantar

E fazem de tudo pra silenciar

A batucada dos nossos tantãs

No seu ecoar, o samba se refez

Seu canto se faz reluzir

Podemos sorrir outra ver

Samba, eterno delírio do compositor

Que nasce da alma, sem pele, sem cor

Com simplicidade, não sendo vulgar

Fazendo da nossa alegria, seu habitat natural

O samba floresce do fundo do nosso quintal

Este samba é pra você

Que vive a falar, a criticar

Querendo esnobar, querendo acabar

Com a nossa cultura popular”

Movendo os escudos que preparam a defesa “econômica” das Teses do bom doutor, Roberto Ribeiro relembra que “todo menino é rei”, nascendo “na veia” de qualquer Marcelo D2, o “samba de malandro” de qualquer Bezerra da Silva, incorporando os ritmos do Oiapoque ao Chuí. Quem diria ao velho “barbas” que nas vielas, nas favelas nascentes da Acumulação Primitiva de Capital, iria nascer o ritmo, a dança, a luta, a esperança, de uma arma que libertava o homem da “coisa”, assinando a alforria do coração, mesmo que ainda marcados ainda hoje nas favelas, os pés e mãos que fizeram a força de todo aquele, em todos aqueles “meio-mulatos” da terra Brasilis, quando “a gira girou”, diria Zeca. Protegidos estão os membros da aquarela do “Brasil brasileiro, terra de samba e pandeiro!”.

Despedida, a alma do economista reencarna no meio do terreno do samba, aceitando o fogo do pileque, o batismo da criação, a criada humildade de quem fez da poeira do chão seu travesseiro, ainda que levado às estrelas em sonho. Ao dormir, ressurreto, o economista que conheceu a Cuíca, ainda sentia pulsar o coração, que cantava “o canto de Ossanha” de Vinícius de Moraes e Baden Powell:

“Vai, vai, vai (Amar)
Vai, vai, vai (Sofrer)
Vai, vai, vai (Chorar)
Vai, vai, vai (dizer…)

que eu não sou ninguém de ir
Em conversa de esquecer
A tristeza de um amor que passou
Não eu só vou se for pra ver
Uma estrela aparecer
Na manhã de um novo amor

Amigo sinhô Saravá
Xangô me mandou lhe dizer
Se é canto de Ossanha não vá
Que muito vai se arrepender
Pergunte pr’o seu Orixá
O amor só é bom se doer
Pergunte pr’o seu Orixá
O amor só é bom se doer”

Sobre o Autor: Graduado em Economia pela FACAMP, Mestrando em Desenvolvimento Econômico pelo IE/Unicamp e Pesquisador do Núcleo de Estudos de Conjuntura da FACAMP (NEC/FACAMP).

Texto originalmente escrito para a revista Contrassenso

OBS: Esse texto é de total responsabilidade do autor e não reflete a opinião das instituições citadas


[1] Mestrando em Desenvolvimento Econômico pelo IE/UNICAMP e pesquisador do NEC/FACAMP;

Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

Redação

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