A face injusta do Brasil, por Frei Betto

Desde a ditadura militar (1964-1985), nunca houve tantos retrocessos nos direitos humanos no Brasil como agora, sob Bolsonaro.

Paraisópolis

do Portal Vermelho

A face injusta do Brasil

por Frei Betto

Terras demarcadas são invadidas por mineradoras, madeireiras e empresas agropecuárias. Indígenas são assassinados, entre eles o líder Paulo Paulino Guajajara, no Maranhão, a 1º de novembro, por defender a reserva de seu povo da ação de madeireiros ilegais. Os casos de feminicídio se multiplicam; uma mulher é violentada a cada quatro minutos no País.

O presidente da Fundação Palmares, Sérgio Camargo, cuja nomeação está sendo contestada pela Justiça, cospe na memória de Zumbi, herói quilombola, ao declarar que no Brasil não existe racismo, e que “a escravidão foi benéfica para seus descendentes”. No Paraná, o jornalista Aluízio Palmar é processado por denunciar torturas no quartel do 1º Batalhão de Fronteira, em Foz do Iguaçu. O País tem mais de 12 milhões de desempregados, e o salário mínimo a vigorar em 2020 foi reduzido duas vezes pelo governo.

À beira de fazendas e estradas brasileiras, 80 mil famílias se encontram acampadas. O ex-presidente Lula é condenado sem provas. A mídia crítica ao governo é sabotada mediante o cancelamento de anúncios oficiais, e sofrem ameaças as empresas privadas que nela fazem publicidade de seus produtos. Alunos são incentivados a delatar professores que não rezam pela cartilha do Planalto. O mercado de armas e munições é estimulado pelo governo, que jamais condenou as milícias paramilitares que, ao arrepio da lei, disputam territórios com o narcotráfico.

Além dos direitos humanos, são violados também os direitos da natureza. A floresta amazônica é incendiada criminosamente para abrir espaço ao gado e à soja, enquanto Bolsonaro declara que as queimadas são “um problema cultural”. A Justiça atua com morosidade e leniência na punição dos responsáveis pelas tragédias resultantes do rompimento das barragens de Mariana (MG), em 2015, e Brumadinho (MG), em 2019, que ceifaram 382 vidas. O óleo derramado no litoral brasileiro não é saneado com a urgência e o rigor que a situação exige.

Segundo Marcelo Neri, da FGV, em dez anos o Brasil tirou 30 milhões de pessoas da pobreza. Porém, entre 2015 e 2017, 6,3 milhões de pessoas voltaram à miséria. Nos últimos três anos, a pobreza aumentou 33%. Segundo o IBGE, 58,4 milhões de pessoas vivem hoje abaixo da linha de pobreza, com renda mensal inferior a R$ 406. A lista de excluídos só aumenta: entre 2016 e 2017 subiu de 25,7% para 26,5 o que significa a exclusão de quase 2 milhões de pessoas. Segundo estes dados, 55 milhões de brasileiros passam por privações, dos quais 40% no Nordeste. Enquanto isso, a renda per capita dos ricos subiu 3%, e a dos pobres desceu 20%. Doenças já erradicadas retornaram, e a mortalidade infantil avança sobre as famílias mais pobres.

Somos uma nação rica, muito rica. Mas sumamente injusta. O PIB brasileiro é de R$ 6,3 trilhões, suficiente para garantir R$ 30 mil per capita/ano para cada um dos 210 milhões de habitantes. Ou R$ 10 mil por mês para cada família de 4 pessoas.

Direitos humanos não é “coisa de bandido” como alardeiam os que jamais pensam nos direitos dos pobres. É um dos mais elevados marcos jurídicos e morais de nosso avanço civilizatório. Embora sejam violados sistematicamente por quem se proclama democrata e cristão, são irrevogáveis. Resta, agora, a ONU convocar os países a elaborar e assinar a Declaração Universal dos Direitos da Natureza, nossa “casa comum”, na expressão do papa Francisco.

Frei Betto, frade dominicano e escritor, é autor de Batismo de Sangue e Minha Avó e Seus Mistérios

Redação

1 Comentário

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  1. Infelizmente comento aqui o texto do Sergio Saraiva, “2019 – A derrota da Revolta Cashmere”, cuja ausência de espaço para comentar salta aos olhos.
    Não escrevo necessariamente como uma teoria geral, mas sobretudo em primeira pessoa.
    Quero saber onde é que o Sergio Saraiva cabe todos os homens brancos no Golpe. Ele trabalha no IBGE? Sinto-me honrado em não fazer parte da estatística.
    Essa generalização é completamente grosseira e faz um desserviço completo. Na hora do vamos ver, não entra nas minhas decisões ser homem branco. Até pq se bem conheço a História da vinda de europeus para trabalhar aqui, eram a escória da Europa, não vieram a férias. Deste modo, não vou cair nessa esparrela de que o Sergio Saraiva cole em mim ou em qualquer um que seja – por uma generalização – uma epígrafe de colaborador de golpismo, dado que minhas convicções são de classe. E nem cair na conversa de origem branco-europeia como superior a qualquer outra origem, mas também historicamente desgraçada (em maior ou menor grau).
    Até pq essa generalização tosca e demagógica só serve para criar artificialmente a ideia de que a composição antigolpe é de mulheres, afrodescendentes ou outra origem não-branca. Ou será que cabem homens afrodescendentes ou outra origem não-branca, não sei. Se bem que, nas fotos, vi mulheres brancas, então, entre o que ele generaliza e o que acontece realmente, já sofre de problemas logo de cara.
    E da classe média, então, nem se fala. Marilena Chauí, no alto de seu conhecimento filosófico, sabe que uma grande parte de seus leitores são de classe média, muitos deles são até de esquerda, embora os que eu conheça, sintomaticamente, não fizeram opção de classe e caem num tipo de esnobismo que deixa bastante a desejar. No entanto, há alguns que, sabendo de sua origem intelectual e de classe e fazendo sua prática à esquerda, reconhecem a contradição objetiva e nela permanecem, até mesmo para se manter em situação (como diria o velho Sartre).
    Entendo perfeitamente que a Marilena Chauí busca na ideia de uma classe média – identificada com os valores da classe dominante, mas não é a própria, uma vez que não é possuidora dos meios de produção e, por isso, só pode ser empregada da classe dominante e a praticante da sua ideologia, de quem faço referência também às análises de Gramsci -, mas ela também caiu numa generalização grosseira. Seu público não pode ir às bases, pois suas bases não são populares, então, só lhe resta isto, pensar sem agir de modo eficaz.
    No fim das contas, Sergio Saraiva cai no maniqueísmo racista e classista. Provavelmente, alguém lerá isso e, no fundo, dirá/ pensará: “hum, um homem branco se justificando”. Calma aí, companheiro que está em seu confortável sono dogmático: não estou me justificando, eu estou acusando. E é saber onde estou que me permite isso.
    Realmente, o texto dele sofre de todas as tolices que a esquerda vem cometendo desde 2013,2014. Naquele momento, eu tinha dado diversos alertas para aqueles atos, que o tipo de manifestação que se configurava poderia ir para qualquer lugar (da direita à esquerda), sempre com vaias. E os discursistas vitoriosos desde sempre, atualmente, olham com perplexidade para o que aconteceu… patético.
    Vale fazer algumas observações. Na Inglaterra, desde os fins de 1970 até o fim do thatcherismo, o que houve foi o desmantelamento da estrutura sindical, privatização (neoliberalismo na veia), crise de desemprego, mas também a ascensão da extrema-direita e do conservadorismo. Sua base era, justamente, a classe trabalhadora (sobretudo da mineração e industrial) que se viu abandonada e foi envenenada pelo discurso anti-imigração. Muitos racistas se diziam “white working class”. Essa classe trabalhadora abandonada é a massa de manobra usada até hoje, e o Brexit é o respingo daqueles tempos.
    Michael Moore, remando contra a maré de otimismo democrata, disse que Trump levaria a presidência dos Estados Unidos. E para quem o Michael estava olhando? Para a classe trabalhadora empobrecida e que tinha ficado para trás, na planta industrial construída em outros países (o capital não tem pátria), desemprego em áreas industriais, gente que não se encaixa na “terceira onda do capitalismo”. Que o Marcio Pochmann, em postagem recente dada no GGN, bem lembrou, com empregos na área industrial se dissolvendo e a ampliação do setor de serviços.
    Por fim, se o Sergio Saraiva, no alto de sua sabedoria, quiser continuar – como muitos gostam, confortavelmente – com seu maniqueísmo espúrio, torna mais fácil a direita abraçar os que não se identificam com uma parte da esquerda e dos progressistas que fazem silêncio aos seus próprios erros.
    Como as estudantes de Arquitetura da FAU/USP, que buscaram justificar a todo custo que um trabalhador servisse de apoio de mochila (com seu corpo) para que um aluno, também de Arquitetura, pegasse o querido smartphone; as campeãs da consciência de classe.
    Como os homossexuais bolsonaristas.
    Em tempos de cultura popular se desintegrando pelos sistemas de informação de escala global, de estruturas de convivência de destroçando e/ ou sendo integradas pelas igrejas, um estado de emergência constante, em que explodem multiplicidades que as representações tradicionais entram em choque com o “negativo real”, é bom ficar de olho nas ruas e nos fragmentos que colocam à luz essas contradições à esquerda (para a direita, é fácil, digamos… afinal, o problema é a porcentagem que cada um leva do butim).
    Como o Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da USP, que tem a primeira mulher negra na presidência, mas faz apelos contraditórios à “tradição” da Faculdade (ué, não é mais elitista nem racista?), e convida os funcionários terceirizados – com pouca escolarização e fazendo serviços subalternos e sujos – para a posse da nova gestão, num convite de linguagem rebuscada. Ou seja, permanecem as marcas reais e simbólicas da cultura oficial.
    Na minha situação de homem branco da classe trabalhadora, deveria eu, portanto, ir para a direita? Preciso desenhar?
    Para 2020, chega de esperanças sujas. E não esqueça de colocar o dedinho pra baixo, no meu querido deslike.

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