Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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A guerra bolsonarista, por Aldo Fornazieri

A “nova direita” populista não pretende simplesmente vencer eleições e governar. Ela protende desenvolver um movimento de “revolta global” contra o capitalismo financista globalista e contra o marxismo cultural

A guerra bolsonarista

por Aldo Fornazieri

O governo Bolsonaro tem duas faces: uma formal, institucional onde ocorre a administração do Estado e as políticas de governo; outra informal, não institucional, fundamentalmente ideológica, onde se opera a guerra política, com uma estratégia bem definida de ataque a inimigos e adversários e a partir da qual se pretende instituir uma nova ordem nacional, salvar a pátria contra seus inimigos, produzir uma sociedade ordenada e disciplinada e afirmar (resgatar) uma nova cultura, entendida como a cultura ocidental tradicional fundada na valorização da pátria, da nação, da família, da religião e de Deus.

Bolsonaro, como presidente, opera nas duas faces do governo. Daí ganha sentido lógico as postagens, atitudes e declarações sem sentido político e governamental que ele faz nas redes sociais e em ambientes diversos. Os filhos de Bolsonaro são chefes do governo informal. A maior parte dos ministros opera na face formal e institucional do governo. No entanto, alguns ministros (Educação, Relações Exteriores, Família…) e outros assessores espalhados em vários ministérios e no próprio Palácio do Planalto operam também nas duas faces do governo, mas com forte dedicação à face informal, não institucional. A partir dessas posições de poder, onde contam com informações privilegiadas, municiam os “camisas negras” do bolsonarismo, as milícias virtuais e as milícias reais que lhes dão suporte na promoção da guerra política.

Alguns ministros, embora não atuem na face informal do governo, fazem claras concessões aos “camisas negras”. O caso mais notório é o de Sérgio Moro, que fraqueja ao primeiro grito dos milicianos bolsonaristas. Existem agudas contradições entre as necessidades do governo formal para se viabilizar junto a grupos de interesse que elegeram Bolsonaro e até mesmo com interesses do país com os interesses ideológicos do governo informal trumpista e pró-EUA, o que tende a gerar crises recorrentes produzidas no seio do próprio governo. O governo informal, Bolsonaro à frente, não titubeia em degolar Bebianno e em humilhar Sérgio Moro, Ricardo Velez ou qualquer outro.

O termo “camisas negras” se refere ao movimento político-militar criado por Benito Mussolini no entreguerras. Originalmente surgiu como movimento político que usava retórica violenta para depois se tornar um movimento militar que se esmerou no uso da violência como instrumento de poder e de aniquilação de inimigos políticos. Uma das características típicas dos movimentos totalitários nazifascistas, descrita pelos estudiosos, consiste no uso sistemático das mentiras como elemento de propaganda e da violência como meio de poder. O bolsonarismo, embora minoritário no governo e na sociedade, propende claramente a esta tipologia. Essas minorias mentirosas e violentas tendem a se impor em face da covardia dos liberais, dos democratas e pela desorganização das esquerdas. No Brasil, os “camisas negras” vestem o verde-amarelo do “Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”. Os integralistas de Plínio Salgado já vestiam camisas verdes.

Existe um risco real de o bolsonarismo evoluir para uma organização político-militar de estilo fascista. Dois ingredientes favorecem esse risco. Primeiro: o governo Bolsonaro tende ao fracasso na sua face institucional, formal. Bolsonaro não tem nenhuma aptidão e preparo para ser presidente. Ademais, Bolsonaro não é um líder popular típico, não tem força política no Congresso e nem habilidade para a negociação e a mediação políticas. É verdade que esses problemas podem ser atenuados pelas atuações dos presidentes da Câmara, do Senado e do STF. Mas, dificilmente, eles salvarão o governo de um desempenho sofrível e medíocre. Quanto mais o governo formal tender ao fracasso, mais o governo informal, não institucional, tende a vir à tona buscando, inclusive, controlar as rédeas do governo formal. Mas o governo informal, os “camisas negras”, tenderão à radicalização política, aos linchamentos de reputações, e buscarão as ruas para legitimar suas ações.

Existe uma base social para a formação de um movimento político-militar do bolsonarismo? Sim, existe. Ela se compõem de diversos grupos disponíveis: as milícias já existentes, que têm ligações com polícias militares e com a própria família Bolsonaro; as milícias do agronegócio; setores minoritários e radicalizados das Forças Armadas; setores das polícias militares e Federal e grupos sociais e categorias radicalizados que veem num governo militar a única saída para o Brasil. Setores evangélicos também podem ser manipulados para este fim. Até mesmo setores da classe média identificados com a Lava Jato podem aderir a um movimento deste tipo. Não por acaso, Deltan Dallagnol se propõe apedrejar o STF, Joice Hasselmann defende um golpe militar e Regina Duarte prega o fechamento do Supremo. O bolsonarismo agora vai às ruas contra o STF, o mesmo STF que foi um dos artífices da vitória de Bolsonaro. Se o STF seguiu a Constituição na questão do julgamento dos crimes de caixa 2 e conexos, errou gravemente ao determinar uma investigação própria de supostas ofensas e críticas ao Tribunal e aos ministros da Corte. Trata-se de uma clara violação de competências – uma afronta à Constituição.

A guerra bolsonarista tem vários alvos e os seus ataques mudam de intensidade conforme a conjuntura. No plano partidário os alvos são o PSol, o PT as esquerdas em geral. Mas setores da grande imprensa, jornalistas específicos, o STF, possíveis concorrentes de Bolsonaro em 2022, os movimentos sociais, os movimentos de luta por direitos civis (feministas, LGBTs, ambientalistas, grupos de direitos humanos, índios, movimentos negros etc.), também estão na linha de tiro das trincheiras bolsonaristas. Sempre que possível, o bolsonarismo usa as políticas de governo para enfraquecer seus alvos, como foi o caso dos sindicatos que foram proibidos de descontar a contribuição sindical dos salários.

Lula poderá se tornar o epicentro da guerra bolsonarista. Admita-se que o PT e aliados consigam fazer uma campanha efetiva por Lula Livre. Certamente haverá respostas. Ou, admita-se, mesmo que remotamente, que os tribunais superiores anulem o sentenciamento de Lula ou lhe concedam algum tipo de liberdade. Neste caso, a guerra será intensa e aberta. Os ataques ao STF podem ser preventivos, visando impedir alguma concessão a Lula.

Se do ponto de vista ideológico o bolsonarismo se liga a movimentos internacionais da chamada nova direita populista, do ponto de vista prático é uma fraude. De fato, os bolsonaristas, mal ou bem, procuram enfatizar o resgate “dos fundamentos morais da civilização ocidental e dos valores judaico-cristãos”, sob uma ótica conservadora e retrógrada. Mas, do ponto de vista prático, se confrontam à “nova direita” na medida em que ela procura fazer uma crítica ao capitalismo financista que “transforma as pessoas em mercadorias” e empobrece os trabalhadores, nas palavras de Steve Bannon. Ocorre que o programa ultraliberal de Bolsonaro-Guedes é o que há de mais perverso em termos de direitos dos trabalhadores e da perspectiva de um empobrecimento ainda maior dos mais pobres. Enquanto a chamada “nova direita” procura assentar suas bases numa aliança entre “as classes médias e os trabalhadores”, no bolsonarismo não há nenhuma referência a bases sociais. Suas políticas tendem a quebrar justamente os interesses das classes médias e dos trabalhadores. Neste particular, o bolsonarismo aparece como um filho pervertido da “nova direita” populista

Junto do ataque ao capitalismo financista “desprovido de valores”, a “nova direita” ataca também o marxismo cultural que estaria enredado com esse capitalismo financista e globalista. Aqui cabe uma observação: de fato, a esquerda parece ter uma hegemonia cultural nas interpretações acadêmicas e intelectuais do mundo no Ocidente. Mas do ponto de vista prático,  principalmente a esquerda que governa ou governou, se tornou subsidiária, uma espécie de cereja no bolo, do capitalismo globalizado que esvaziou de conteúdo a democracia ocidental. Em termos políticos, as esquerdas em geral ficaram sem estratégia e isto explica o crescimento da extrema-direita como movimento crítico do status quo de um capitalismo perverso e predador que aumenta as desigualdades sociais, mesmo que essa crítica seja hipócrita. A estratégia das esquerdas consiste em se apresentar como face humanizada e humanizadora desse capitalismo predador.

A “nova direita” populista não pretende simplesmente vencer eleições e governar. Ela protende desenvolver um movimento de “revolta global” contra o capitalismo financista globalista e contra o marxismo cultural. Daí a necessidade de promover uma guerra política permanente, fundada também em valores. Muitos dos movimentos do governo informal e do próprio Bolsonaro precisam ser compreendidos nesta chave para melhor combate-los.

Em que pese toda a confusão e elementos fortes de desgoverno que se apresentaram em poucos meses de governo Bolsonaro, as esquerdas parecem estar tateando no escuro. A reforma da Previdência de Bolsonaro, se aprovada, penalizará gravemente setores pobres da sociedade. Mas não basta combater a reforma de Bolsonaro. As esquerdas precisam responder a seguinte questão: existem ou não existem privilégios ligados à Previdência? Se existem, as esquerdas têm o dever de propor sua remoção. As esquerdas precisam encontrar uma forma de fazer uma oposição consistente e mobilizadora contra o governo. Caso contrário, poderão perder as ruas mais uma vez, agora, para setores mais extremados da direita.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (FESPSP).

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

15 Comentários

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  1. Contra o globalismo e a favor do nacionalismo onde, cara pálida? Alinhado com os estados unidos, o globalismo por excelência, e por esse alinhamento com política claramente entreguista não dá para chamar esse governo de nacionalista!

  2. Ora bem: o problema da esquerda, é que foi ela a esquerda que montou esse esquema de desigualdade no INPS ou INSS. Eu sou idoso e portanto conheço muitos idosos. Todos os idosos acima de 75 anos que na iniciativa privada produzindo, descontaram para o INPS sobre 20 salários mínimos estão ganhando hoje menos de 1800 reais, (não paga o plano de saúde). Enquanto os funcionários públicos (que não produzem nem produziram) ganham o valor integral do cargo como se estivessem lá. Eu que o diga. Foi a esquerda que montou esse esquema,. E agora??

    1. Deixe de espalhar fake news. Não foi a esquerda que montou esse esquema, foram os donos do Estado. A reforma de Dilma foi exatamente no sentido de acabar com essa diferença e desde 2013 quem entra no serviço público se aposenta pelo teto do regime geral. Quem vive de mamata é gente feito Bolsonaro que se aposentou do exército aos 33 anos e depois foi viver como deputado, acumulando os dois vencimentos. Os filhos dele também, que nunca trabalharam e vivem do dinheiro público, um deles desde os 17 anos. Como é que você foi enganado tão facilmente? Eu ainda procuro explicação para isso

      1. Eu falo do que vejo. Tenho 30 amigos pelo menos que estão nessa situação. E sei que o Lula sempre priorizou a “sociedade organizada” ou seja os funcionários)

    2. Como você se ATREVE a escrever isso (!):

      “Os funcionários públicos (que não produzem nem produziram… )”

      Quem é você para dizer essas barbaridades? O que você sabe sobre o serviço público?
      Tenho a tua idade, ou quase. Trabalhei na iniciativa privada, no governo (Montoro) e o resto da minha vida na universidade pública. Jamais trabalhei tanto quanto o fiz na USP, e com orgulho e prazer. E com o sentido de dever de um docente e funcionário a serviço do público! E convivi com muitos outros funcionários que, como eu, que exerciam outras funções essenciais. Falo dos porteiros, dos bibliotecários, dos diretores das mais variadas seções, dos serventes, do pessoal a limpeza…
      O que diabos você sabe sobre o serviço público?

  3. “existem ou não existem privilégios ligados à Previdência? Se existem, as esquerdas têm o dever de propor sua remoção.”

    Os privilégios estão todos do lado da direita: militares, ricos, concursados.

    Qual privilégio pode ter um idoso dos rincões do Brasil com 60 anos, tendo trabalhado desde os 5 na roça????? Qual o privilégio das mulheres do campo que são obrigadas a trabalhar 12h por dia ?????

    Conheço vários bolsominions e nenhum deles luta contra nada disso. Eles apenas odeiam Lula/PT por conta da Globo-Veja-Istoé. Ao mesmo tempo odeiam LGBT… por conta da onda evangélica de calhordas….

    Ninguém conhece movimento internacional de NADA no Brasil. Ninguém nem sabe o que seria esse globalismo marxista. Isso só é discutido em bolhas. O que o povão quis ao eleger Bolsonaro foi simplesmente se livrar do PT porque o JN pediu isso durante mais de 10 anos.

    O povão elegeu Bolsonaro por conta das mentiras, das fake news, das mamadeiras de piroca, do mar de mentiras das redes sociais. Aqui no NE não há a mínima chance desses “camisas pretas” prosperarem. Seriam sabotados pelos próprios familiares.

    1. É verdade, isso é papo de acadêmico, gente do meio intelectual, o povão nem sabe e não saberá o que está acontecendo no mundo e no Brasil hoje.
      Agora, vamos combinar que essas tolices da extrema-direita não resolvem o problema maior da nação, que é a questão do salário e emprego.

  4. Nassif;
    Com todo respeito ao Fornazieri, o que o leva a pensar que a nova direita é contra o “capitalismo financista “desprovido de valores” ????
    Penso que é justamente o contrário, eles idolatram o capitalismo selvagem.

    sds

    Genaro

  5. Como é que alguém pode ter contribuído com 20 salários se existe um teto? Se sempre contribuiu pelo teto, recebe o teto. E o que os trabalhadores da iniciativa privada não perceberam é que o INSS funciona como um mínimo contra miséria e, por isso, algum tipo de poupança precisa ser feito. No tocante ao servidores, eles contribuem sobre o todo e não sobre a parte, eu penso que a lógica precisa ser igual para todos, e a eventual diferença precisa ser corrigida. Se reduzir a base para os servidores, sobrará mais dinheiro para os mesmos fazerem um pé de meia. O problema é: reduzindo a base a receita cairá junto.

  6. Você notou que o vagabundo Jair Bolsonaro e seu consiglieri Sérgio Moro fizeram questão de visitar extra-oficialmente a sede da CIA? Qual dos dois está a mais tempo na folha de pagamento da agência terrorista dos EUA? Qual deles tem a maior “patente” e recebe o maior PF?

  7. E por falar em esquerda, professor Aldo, no fim de semana que passou, Jean Wyllys esteve por aqui e durante a conferência as informações nos chegam é de que ha muita gente amedrontada, pedindo ajuda para sair do Brasil. Rubens Casara estava também presente e muitos perguntavam como pode Marcia Tiburi ser obrigada também, para sua segurança e da familia, deixar sua vida e ir para outro Pais? E então lembro de Fernando Henrique Cardoso, ha pouco tempo, dizendo que tudo vai mais ou menos bem com o Brasil… Democracia? Ora, a democracia!

  8. Sem meias palavras: patético!

    O Brasil está em colapso. E o que nos diz a esquerda? Precisamos discutir os privilégios da previdência pública….

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