A mania humana de dividir o mundo entre bons e maus

Sugerido por Djijo

Do Sul 21

Da inexistência de monstros (ou: a mania humana de dividir o mundo entre “bons” e “maus”)
 
Rodrigo Cardia
 
Causou certa controvérsia o texto publicado na última terça-feira. Principalmente por conta do título: afinal, como dizer que o estuprador não é um monstro?
 
Antes de publicar, por pouco, o título não foi outro. Ou melhor, não foi “mais longo”. Pensara em complementá-lo: “O estuprador não é um monstro: é um homem”. Talvez assim tivesse ficado melhor, pois teria deixado bem claro o que pretendia dizer naquelas (poucas) linhas escritas – que no fundo, nada mais eram do que um comentário “alongado” relativo ao excelente vídeo do canadense Jeremy Loveday.
 
Porém, muito provavelmente este outro título também causaria irritação. Mais especificamente, de muitos homens que “vestiriam a carapuça”, achando que a referência era a todos do sexo masculino. Mesmo que não seja preciso ter mais de dois neurônios para perceber que queria dizer o contrário: nem todo homem é estuprador, mas todo estuprador é homem – daí a afirmação de que, enquanto gênero, todos somos responsáveis por isso, e não podemos nos omitir. O fato do machismo oprimir as mulheres não significa que os homens não possam também combatê-lo, mas o primeiro passo para isso consiste em reconhecer que o gênero ao qual pertencemos é o opressor e que, portanto, são pessoas semelhantes a nós (ou seja, homens) que o praticam.

 
A partir disso, podemos fazer uma analogia para outros casos (como a luta contra o racismo, a homofobia etc.), e estendê-la até mesmo à humanidade como um todo. Temos o costume de classificar qualquer um que tenha comportamento desviante da norma como “criatura anômala”. Estupradores e demais criminosos, por exemplo, são “monstros”. O mesmo se aplica a Adolf Hitler e aos nazistas: barbaridades como o Holocausto não podem ser coisa de humanos, né?
 
A referência a Hitler não é para seguir a chamada “Lei de Godwin”. Quando aconteceram os atentados terroristas na Noruega, em 22 de julho de 2011, se procurou mostrar o autor confesso dos ataques, o ultradireitista Anders Behring Breivik, como um “monstro” (rá!) e também como “seguidor de Adolf Hitler”. Com isso, passava-se a ideia de que Breivik era uma “criatura anômala”, provavelmente “com problemas mentais”. Logo, seria “menos humano” que nós, “pessoas normais e de bem”. O motivo? Meu amigo Guga Türck “matou a charada”:
 
Claro, porque é necessário se identificar de alguma forma uma anomalia no comportamento do cara, porque senão todas as razões que ele vem elencando para o seu massacre irão colocar uma gama muito grande de pessoas no saco que este idiota acabou de criar.
 
Suas ideias são como um compilado de bobagens que tenho ouvido por aí ao longo dos tempos, em jantares de família, saguões de faculdade, mesas de bar… todas essas coisas que permeiam a vida de um jovem da classe média porto-alegrense.
 
O que ele fez lá na Noruega tem um montão de gente por aqui que adoraria fazer com os integrantes do MST, ou com os moradores de rua, com negros, com vileiros, com os vagabundos do bolsa família, os maconheiros das marchas ou com os bicicleteiros que ousam desafiar os carros.
 
Resumindo: o “monstro” nada mais é do que um produto da sociedade. Somos seres sociais e, por isso, muito influenciados pelo meio em que vivemos. Não reagimos todos da mesma forma – aí entram as características próprias de cada pessoa. Um psicopata, por exemplo, tende a ser mais violento (isso mesmo, tende, pois nem todos são, por incrível que pareça).
 
Mas nem todo criminoso é psicopata, e nenhum deles (nem mesmo o psicopata) é monstro. Da mesma forma que Hitler e outros terríveis genocidas. São todos humanos. Iguais a nós.
 
Acontece que temos a mania de dividir o mundo entre “bons” e “maus”, sendo que, obviamente, nós somos os “do bem”, e os outros, “do mal”. Ou, como lembro de ter sido comentado por um professor em meu primeiro semestre na faculdade de História: “bárbaros são sempre os outros”. Com isso, muitas vezes estamos em meio à barbárie, mas fingimos que nada temos a ver com isso pois somos “civilizados”. Mas temos. E muito.
Redação

9 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Nem todo estuprador é homem…

    …caso a besteira fosse verdadeira não teríamos mulheres condenadas por abuso sexual! Aliás tem aumentado bastante este tipo de ocorrência.

    Antes que eu me esqueça, se o Cardia é igual a Hitler não me jogue na mesma fossa onde ele está!

    Existem humanos hormais, geralmente com ações neutras, e monstros em forma de gente.

    Este papo relativista é típico de amante de criminosos!

    FYB

  2. sei lá

    Sei não, mas por qual razão apenas aquela ínfima parcela da sociedade que insistimos em chamar de maus causam tantos desantres! Hitler, Stalin, Mussolini, Nero, Idi Amin, Papa Doc, Traficantes, JB e uma fila sem fim não podem ou devam ser classificados como maus?

    1. Sozinhos

      E desde quando eles agiram sozinhos? O hitler levou ele mesmo, um a um os judeus, homosexuais, ciganos para o trem para os campos de concentração?

      Esqueceu de escalar no clube dos “monstros” os Bush (pai e filho), O Pinochet e outros mais.

  3. Achei a crítica muito boa.

    Achei a crítica muito boa. Sob desculpa de falsos moralismos, nos isentamos das responsabilidades e ficamos sem fazer nada. Com pontos fora da curva, anomalias, monstruosidades, nada temos a fazer senão isolar ou até negar. Prestaria um grande serviço compreender que as supostas anomalias nascem no seio da sociedade, entre sujeitos como eu e você. A teia invisível, onipresente, sutil mas muito verdadeira, que permite a existência de estupradores, assassinos, ladrões do povo, manipuladores e desinformadores, gente cruel mas que é educada, que é “normal”, precisa ser tombada, esmiuçada, explicitada. Ela está por toda parte e não espanta ninguém, porém ela é tão ou mais violenta que o gesto do estuprador, porque é ela quem permite a existência deste e o multiplica. O pensamento de que os crimes violentos são meros “desvios de caráter” (sem negar que pode ser, também, desvio de caráter) só serve ao conservadorismo, e até suspeito de que há um certo medo das forças conservadoras de abordarem o problema de frente e logo o resolver – os efeitos colaterais são imprevisíveis.

  4. XI! O Jorge mordeu a isca,

    XI! O Jorge mordeu a isca, vestiu a carapuça. O autor foi bem. Só que espera-se que os responsáveis – policia e judiciário, pelo menos – funcionem e cuidem desses ‘humanos’ que são os outros. kkk

  5. Temos leis suficiente para a

    Temos leis suficiente para a tipificação e condenação de um estrupador ,apesar de que em outros paises estas leis são mais severa , tendo até a pena de morte .

    Este crime quando acompanhado de morte da vitíma torna se um dos mais cruéis entre os seres ditos humanos pois no mundo animal não se encontra tal comportamento . Agora quanto a dividir a humanidade em maus e bons não há como não se definir assim pois um individúo com tal comportamento definitivamente ele é mau não há como contemporizar e a jaula para ele é pouco.

  6. Quem faz a divisão ?

    O mundo pode ser divido entre bons e maus, honestos e desonestos, puros e impuros, …

    Mas a divisão sempre será feita pelos bons, pelos honestos e pelos puros.

    A maldade, a desonestidade e a impureza começam sempre um pouco ali adiante de nós.

  7. Acho que vocês deveriam ocupar suas mentes com coisas boas.

    E alimentar debates saudáveis, para engrandecimento de todos. A vida é curta e o tempo é precioso para ficar debatendo bobagens.

    1. Uai, como diria o mineiro,

      Uai, como diria o mineiro, voltou a censura? E não me avisaram, né?

      Debates saudáveis seria, por exemplo, um envolvendo dietas macrobióticas? 

      Que tal mandar uma agenda para o blog, amigo? 
      A propósito, haverá tema mais profundo, complexo e interessante que o envolvendo a natureza e a manifestação do Mal?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador