A vida real dos mosquitos e black blocs, por Helena Chagas

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Governo e Congresso não conseguem trabalhar porque estão envolvidos na luta pelo poder e nas articulações para escapar da Lava Jato. Brasília é um cachorro que corre atrás do rabo, distante do Brasil do Zika, dos hospitais fechados, da passagem cara

Do Fato Online

As autoridades envolvidas na organização das Olimpíadas do Rio têm mais medo de mosquito do que do Estado Islâmico. Em sua avaliação, o risco de aparecerem casos de Zika vírus durante os jogos, atingindo atletas e visitantes, é maior do que o de terrorismo. Seria mesmo um vexame ver o evento brasileiro passar à história com essa triste marca. Pior do que isso, os últimos boletins mostram que 46 bebês morreram com microcefalia de outubro para cá, e o país já registra 3.530 casos suspeitos da doença que atinge os fetos de mães contaminadas pelo vírus, número que continua crescendo.

O governo está tentando redobrar esforços e campanhas de esclarecimento para acabar com o mosquito, investir em pesquisas para descobrir a vacina, investigar casos da doença e fazer protocolos de tratamento. Com a epidemia instalada, porém, todas as providências parecem tardias, e tudo o que se fizer ainda será pouco na percepção da maioria das pessoas. Vai ser preciso muito mais, e não só no caso específico dessa epidemia.

Junto com o noticiário sobre as vítimas do Zika, estão as imagens da vida real: hospitais fechados, médicos sem pagamento em greve, pacientes esperando nos corredores sem atendimento. É preciso dinheiro, mas não só. É preciso gestão, rapidez, urgência. É preciso que todos os esforços do poder público estejam voltados para a solução desses problemas.

E não só na Saúde. 2016 começou com aumentos de passagens urbanas. Necessários do ponto de vista do caixa dos municípios, mas nitroglicerina pura em termos de mobilização de movimentos de rua, que agora são transmitidos ao vivo. Na sexta-feira, voltaram à cena em São Paulo os mascarados black blocs de 2013, incendiando ônibus e  destruindo bancos, no rastro de uma manifestação convocada pelo Movimento Passe Livre (MPL).

Na terça, as imagens já mostravam jovens sem máscara ensanguentados depois de confronto com a PM de São Paulo. Os movimentos ainda pequenos de 2016 são em tudo diferentes dos movimentos de 2013, a começar pela ausência da classe média, expulsa das ruas pelos black blocs. Mas nunca se sabe. O maior temor do governo é que ganhem corpo a partir de uma confluência de insatisfações – provocadas pelo desemprego e pela inflação, por exemplo – e desemboquem num grande movimento pró-impeachment, que até agora o país não viu.

Desemprego e inflação, aliás, que estão na vida real dos brasileiros, a necessitar medidas e reformas urgentes, que governo, Congresso e políticos não conseguem formular nem votar porque estão envolvidos demais na luta pelo poder e nas articulações para escapar da Lava Jato.

Brasília, em sua rotina de cachorro que corre atrás do próprio rabo, está cada vez mais distante do Brasil do Zika, dos hospitais fechados, da passagem cara e do desemprego.  Lamentavelmente, não passa pela cabeça de ninguém por aqui abrir mão de seus próprios interesses políticos para fazer um acordo mínimo que permita ao governo governar, ao Congresso legislar e ao Judiciário decidir apenas aquilo que é de sua alçada. Quem tiver que ir para a cadeia, que vá – mas isso não pode estar no centro do mundo.

Ou se faz isso ou, num belo dia, o pessoal da vida real vai acabar se perguntando para que servem mesmo esses políticos todos que são sustentados com o dinheiro de seus impostos. E aí vai ter troco.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

1 Comentário

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  1. Acompanho o Brasil Repórter

    Acompanho o Brasil Repórter produzido pela EBC serviços e sei que zika virus está na pauta do governo faz meses e mesmo quando ele está sob ataque cerrado, quando se achava em novembrou, em outubro, que Eduardo Cunha e impedimento eram ameaça.

    O Brasil Reporte informava que Dilma tinha ordenado  levantar os casos, tratar de ver o que era, dar incremento ao combate do mosquito e determinar sob o exame da ciencia, qual realmente a vinculação entre zika e microcefalia.

    Foi quando me dei conta da diferença entre a presidenta ser mulher e mãe, foi ver isso sendo pesquisado e noticiado bem cedo, no 3º trimestre de 2015. Na EBC Serviços.

    O problema da colunista do sudeste é se restringir ao que enxerga do Rio e São Paulo e pela mídia corporativa.

    Os estados do sudeste tiveram um tombo no ICMS em 2015 e querem cortar primeiro da saúde. Sartori fez isso, Pesão idem. Queriam que Dilma fizesse o mesmo e ela tirou incentivos ao carro popular e MP do Bem. Começa aí a primeira diferença. Sartori em nov/2015 anunciava orgulhos 430 milhões de incentivos de ICMS assinados. E cortando da saúde.

    Tem de analisar a crise dos ICMS estaduais, mas zika e microcefalias são corretamente tratadas pela esfera estadual, uma coisa só tem a ver com outra onde a primeira despesa a ser cortada é da saúde.

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