As eleições de 2018 e as origens econômicas da crise política

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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As eleições de 2018 e as origens econômicas da crise política

por Adalmir Marquetti, Cecilia Hoff e Alessandro Miebach

O debate sobre o programa de governo para as eleições de 2018 entre as diferentes forças políticas está iniciando, mesmo sem a clareza de como a eleição irá ocorrer e de quem serão os candidatos. Discutimos no texto as razões econômicas para o Golpe de 2016¹. Para a esquerda é importante compreender essas razões para a construção de um programa de governo capaz de resgatar alguns elementos da política econômica dos Governos Lula e Dilma, bem como para propor novas medidas capazes de propiciar crescimento econômico sustentável ao longo das próximas décadas.

A eleição da Presidente Dilma Rousseff em 2014 foi a quarta vitória consecutiva do Partido dos Trabalhadores. A primeira ocorreu em 2002, quando o Presidente Lula foi eleito. A incapacidade das políticas econômicas baseadas no Consenso de Washington em produzir crescimento econômico e gerar empregos foi determinante na primeira vitória. Em 2002, era de 19%a taxa média de desemprego na região metropolitana de São Paulo. A Carta aos Brasileiros e a composição da chapa eleitoral revelavam que o PT realizaria um governo de coalizão entre diferentes setores sociais. Os governos do PT combinaram elementos de políticas neoliberais e desenvolvimentistas. A conjuntura econômica e política ditaram qual delas seria hegemônica na condução da política econômica.

O cenário internacional da primeira década do século XXI foi caracterizado pela demanda crescente de commodities derivada da expansão chinesa e pela centralidade do Oriente Médio para a política externa norte-americana, em decorrência dos eventos de setembro de 2001. O ambiente internacional propiciou graus de liberdade que colaboraram com a retomada de elementos de uma política desenvolvimentista e medidas de inclusão social, que resultaram no aumento da taxa de crescimento e na queda no desemprego. O Presidente Lula foi reeleito em 2006.  No ano seguinte, ocorreu o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, que consistia em um conjunto de investimentos do setor público e privado, sob a coordenação da então ministra Dilma Rousseff.  O Estado brasileiro voltava a intervir nos mercados com uma política desenvolvimentista. Entre 2003 e 2010, a taxa média de crescimento foi superior a 4%. 

A crise do neoliberalismo, uma crise estrutural do capitalismo, teve um efeito reduzido no país entre 2008 e 2010. Havia a impressão de que o Brasil tinha retomado a capacidade de crescimento perdida na década de 1980. Foi em um ambiente otimista que, em 2010, Dilma Rousseff foi eleita a primeira presidente mulher do país. Esquecia-se que as grandes crises sempre tiveram fortes impactos na economia e na política brasileira. Os acontecimentos da economia mundial são peças chaves para entender a evolução da economia brasileira. 

Contudo, o elemento fundamental para entender uma economia capitalista é a taxa de lucro e seus determinantes. Analisamos, sob essa ótica, a trajetória dos governos do PT. A taxa de lucro aumentou entre 2003 e 2007, caindo a partir da crise do neoliberalismo. Entre 2008 e 2010, apesar da queda, a taxa de lucro ainda era superior a observada no início da década. O aumento da lucratividade decorreu do maior nível de utilização das máquinas e equipamentos devido aos estímulos à demanda e da elevação dos preços das commodities exportados pelo Brasil. Contudo, a parcela dos salários na renda cresceu com a redução do desemprego e com a política de reajuste do salário mínimo. A situação favorável ao crescimento conjunto de lucros e salários caracterizou o apogeu político dos governos petistas.

O Governo Dilma assumiu com condições externas adversas, tendo os compromissos de manter taxas de crescimento elevadas e de preservar os ganhos obtidos pela classe trabalhadora. A disseminação dos efeitos da crise do neoliberalismo para a Eurolandia, bem como os resultados derivados da política monetária norte americana denominada quantitative easing provocaram mudanças importantes na demanda internacional, afetando os preços de commodities e as taxas cambiais. No plano interno, a redução da taxa de juros em 2011 marcou o início do rompimento do acordo de classes que caracterizou o governo Lula.

O alto nível de utilização da capacidade instalada combinado com o baixo desemprego propiciou um rápido aumento do salário real. A redistribuição da renda em favor do trabalho provocou forte queda da lucratividade, houve o que a literatura denomina de compressão dos lucros. As bases econômicas da conciliação entre os interesses de trabalhadores e capitalistas desapareceram, não era mais possível manter lucros e salários crescendo a níveis elevados.

O governo Dilma buscou contrapor a queda da lucratividade com uma política agressiva de desonerações fiscais direcionadas às empresas, ao mesmo tempo em que o investimento público foi reduzido. Havia a expectativa de que as desonerações levariam a expansão do investimento privado. Contudo, as empresas não investem quando a taxa de lucro está caindo. Em um contexto de menor crescimento econômico e queda dos preços das commodities, houve acentuada redução da lucratividade.

As manifestações de 2013 colocaram o Governo na defensiva. Também mostraram o nível de organização de setores sociais à direita, os quais foram às ruas pela primeira vez depois da redemocratização.  O governo buscou, então, melhorar os seus índices de aprovação, mirando as eleições presidenciais de 2014. A estratégia resumiu-se em manter o desemprego baixo e a inflação sob controle. Houve a continuidade da política de renúncia fiscal e de estímulos ao consumo e ao investimento privado, mas com resultados inexpressivos. Na campanha para as eleições presidenciais em 2014, a Presidente Dilma Rousseff reconheceu a existência de problemas na economia, assim como a necessidade de ajustes para garantir a retomada do crescimento.

Após a eleição, as ‘mudanças’ vieram com a adoção de uma política de inspiração neoliberal que resultou na queda de 3,5% do PIB e inflação de cerca de 11% em 2015. Esse processo foi uma tentativa de repactuar o acordo de conciliação que caracterizou o governo Lula. A tentativa fracassou, a crise e o aumento do desemprego corroeram o apoio político entre a população. Tanto a crise, como a operação Lava Jato, reduziram o apoio político no Congresso Nacional.

As reduções nos ganhos do capital produtivo e financeiro foram a origem econômica para a crise política do Governo Dilma. O Governo do Golpe assumiu com o objetivo de retomar a lucratividade do capital, principalmente com a redução da participação dos salários na renda. Para isso, foram aprofundadas as reformas de cunho neoliberal que assumiram a forma de políticas de austeridade e avançaram sobre a regulação do mercado de trabalho, reduzindo o grau de proteção aos trabalhadores.

 O crescimento econômico é fundamental para um governo de esquerda, pois possibilita combinar ganhos para os diversos setores sociais. O desafio consiste em estabelecer condições nas quais ocorra compatibilidade entre o aumento do salário real, nível elevado de utilização da capacidade instalada e aumento da produtividade do trabalho. Aumentos de eficiência se obtêm através do investimento. Devemos expandir o investimento público em infraestrutura e educação. As grandes cidades brasileiras necessitam de infraestrutura urbana, habitação de qualidade e redução da violência.  

O investimento privado deve ser estimulado, em particular, em setores de elevada produtividade. Para isso é necessário uma reforma fiscal que reduza os impostos indiretos e aumente os impostos diretos, com o objetivo de reduzir o custo fiscal para as empresas e ao mesmo tempo elevar a capacidade fiscal do Estado. Devemos reduzir o custo financeiro que incide sobre o setor público, as empresas e as famílias, possibilitando maior espaço para o investimento e o consumo.

É necessário retomar políticas redistributivas que possibilitem que setores sociais historicamente marginalizados se beneficiem da expansão econômica. Políticas de ação afirmativa devem ser conjugadas com a organização de cooperativas em setores de alta produtividade do trabalho. A política de valorização dos salários deve ser combinada, na medida em que a produtividade do trabalho aumenta, com a redução da jornada de trabalho. Trabalhadores com elevada produtividade possuem boa escolarização, bons salários e tempo livre.   

As políticas de austeridade resultam em estagnação econômica e desemprego, ao mesmo tempo em que beneficiam o rentismo estéril e, assim, não se constituem em alternativa para o Brasil. Papel importante cumpre a retomada da inserção internacional do país na geopolítica do comércio internacional, superando os efeitos nefastos para a imagem do país advindos do Golpe de 2016. A inserção internacional é relevante para a superação dos padrões neo-extrativistas da pauta de exportações brasileira, observados ao longo dos últimos 15 anos.

É fundamental democratizar o funcionamento do estado brasileiro, possibilitando que setores sociais tradicionalmente excluídos tenham voz e vez na definição das principais políticas públicas do País. É necessário fornecer os meios para que esses cidadãos exerçam a sua cidadania de forma plena. Nesse sentido, devemos ir além de um programa keynesiano.

A consecução de tais objetivos não é, obviamente, uma tarefa simples. Para atingir esses objetivos a esquerda deve compreender os acertos e os erros do processo histórico vivido no Brasil no início do século XXI. Somente com essa compreensão construiremos um programa capaz de retomar o caminho da inclusão social, que é a condição primeira e fundamental para termos uma sociedade que possa ser denominada de civilizada.

Adalmir Marquetti, Professor de Economia da PUCRS

Cecilia Hoff, Professora de Economia da PUCRS

Alessandro Miebach, Professor de Economia da UFRGS

¹ A versão completa do texto esta disponível em https://drive.google.com/file/d/0B3AuPKy8tCZBdVYzdGVQVm83WXM/view
 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

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  1. O “X” da questão do golpe

    Já era hora de o GGN dar voz a autores que apontam o dedo para o “x” da questão que motivou o golpe de 2016:

    O aumento, ainda que tímido, da participação dos salários no PIB propiciado pelos governos petistas ao longo de 13 anos consecutivos. 

    No Brasil esta participação é RIDÍCULA, reduz-se à cerca de 35%. Nos países desenvolvidos, admirados por nossos liberais golpistas jaboticabas, os trabalhadores ficam, em média, com 65% da riqueza produzida pela economia de mercado. Ou seja, praticamente o inverso do que ocorre no Brasil:

    – BRASIL: 35% para os trabalhadores e 65% para os capitalistas;

    – MUNDO CIVILIZADO: 65% para os trabalhadores e 35% para os capitalistas. 

    Os números brasileiros denotam que, em nosso país, o rendimento do capital se encontra, HISTORICAMENTE, entre os maiores do mundo. O PT no poder conseguiu então subir esse indicador para, aproximadamente, 42% a favor dos trabalhadores.

    Eis a mamata incubadora do serpentário predatório de capitalistas selvagens que se locupletam em nosso bananal, tão opostos à tudo o que cheire a direitos sociais e trabalhistas capazes de propiciar a melhoria das condições gerais e a consequente inserção do povo em seu seleto banquete de rapinas.

    Para manter tal performance secular é preciso contar com um estado que esteja disposto a tudo, notadamente, que esteja disposto a travar guerra permanente contra os despossuídos e os líderes que os representam.

    Como toda essa barbárie sangrenta em apreço sempre ocorreu ao amparo da “lei”, eis também o motivo porque, no Brasil, contamos, não só com um legislativo, mas também com um dos judiciários mais retrógrados do planeta.

    Vem daí o delenda est PT e os abusos contra o Lula campeão de votos.

    República tubinambá cretina!

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