Aldo Fornazieri
Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.
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As esquerdas e a antipolítica, por Aldo Fornazieri

Outra enorme perda de tempo e de energia, por conta desses equívocos, foi a discussão inútil acerca das frentes: frente democrática, frente popular, frente antifascista. Discussão que virou pó.

As esquerdas e a antipolítica

por Aldo Fornazieri

“Porque os homens esquecem mais depressa a morte do pai que a perda do patrimônio” – Maquiavel

Vimos insistindo na constatação de que os partidos de esquerdas entraram na defensiva no início de 2015 e de lá não conseguem sair. Praticamente todas as iniciativas que lançaram desde então fracassaram, foram derrotadas. As justificativas para as derrotas não convencem. Os partidos se negam, sistematicamente, a um exame acerca de seus erros. Adotam a tese de que sempre estão certos e de que suas derrotas se devem aos inimigos, à grande imprensa, ao judiciário etc. Claro, se um exército é derrotado é porque alguém venceu. E se alguém venceu as causas, em geral, são duas: os erros dos derrotados, que devem ser considerados em primeiro lugar, e os acertos dos inimigos.

A tese de que os mais fortes sempre vencem é absolutamente falsa e sistematicamente desmentida pela história. Basta citar três exemplos: Alexandre venceu os persas com um exército muito menor; as forças de Pompeu eram muito superiores às de Júlio Cesar na guerra civil e o último venceu; os vietnamitas, pobres e mal armados, derrotaram a maior potência militar do mundo.

Ao não examinar os seus erros com rigor, as esquerdas adotam uma postura autocomplacente, vitimista, de autopiedade, que as conduz à indolência, ao fracasso e as afunda no lodo da história. Desde o início do governo Bolsonaro, alguns analistas e dirigentes de esquerda oscilam entre duas fake News: a iminência da queda de Bolsonaro ou a iminência de um golpe militar de Bolsonaro. Nenhuma das duas diretrizes tem base na realidade: Bolsonaro nunca esteve perto de cair e nunca esteve perto de dar um golpe. Confundiram os desejos de Bolsonaro e de alguns grupelhos radicais como dado da realidade.

Acerca do impeachment, no momento em que Bolsonaro se mostrou mais frágil e mais isolado politicamente, os partidos de esquerda se mostraram dúbios e vacilantes quanto a propô-lo. Só esboçaram algum plano de mobilização quando aquele momento tinha passado. Não deu em nada.

Outra enorme perda de tempo e de energia, por conta desses equívocos, foi a discussão inútil acerca das frentes: frente democrática, frente popular, frente antifascista. Discussão que virou pó.

Agora Bolsonaro cresce nas pesquisas e muitos estão perplexos, pois não conseguem entender como uma política genocida e antipopular reduz o apoio às esquerdas e desloca eleitorado popular e petista para o presidente. Muitos insistem em fechar os olhos e dizem que o apoio a Bolsonaro é efêmero. No entanto, é preciso considerar o seguinte:

1 – Bolsonaro, até agora, vem vencendo a batalha da pandemia, por três razões:

a. A morte é uma grande tragédia apenas para as famílias atingidas. Mesmo com grandes números de mortos, as pessoas que não são atingidas tendem a naturalizar a morte. Passado certo tempo, até mesmo os familiares naturalizam a morte. Daí que o “e daí” de Bolsonaro, o “é da vida morrer”, têm um impacto negativo apenas residual;

b. Para os que não são atingidos pela morte e mesmo para as famílias mais pobres que são atingidas pela morte, a questão econômica é preeminente. O ganho, o interesse egoísta para alguns, e a sobrevivência para os mais pobres, são prioridades. Não é possível fazer política sem considerar o doloroso realismo de Maquiavel, indicado na epígrafe. Bolsonaro, de forma oportunista, especulou com o interesse egoísta das pessoas e com a necessidade de sobrevivência. Em contrapartida, as esquerdas ficaram combatendo o golpe, o fascismo e derrubando o presidente;

c. As esquerdas perderam a batalha do Auxilio Emergencial, proposta que nasceu no campo popular e que foi apossada pelo governo, que propôs, inicialmente, apenas R$ 200,00. Aprovado o auxílio, as esquerdas deixaram de capitalizar a conquista e de denunciar o governo, de denunciar as filas vergonhosas que se formaram nas agências da CEF. Deixaram liderar a proposição da extensão do auxílio e de tomar a iniciativa de propor a renda mínima. Bandeiras que são tradicionais das esquerdas estão sendo tomadas pelo governo.

2 – Alguns líderes importantes dos partidos de esquerda se esmeraram, durante a pandemia, em aparecer nas Lives a partir do aconchego dos seus lares. Fizeram proselitismo com algo doloroso para o povo pobre: mostraram que estavam seguindo à risca a quarentena, recolhidos no seio da família e no conforto de suas moradas. Doloroso, porque a esmagadora maioria do povo pobre não podia sentir esse conforto: muitos precisavam ir para a rua, trabalhar, buscar o sustento, tomar ônibus, trens e metrôs lotados. Os gregos antigos já nos ensinavam que refugiar-se no oikos, na família, na propriedade, na casa, era uma atitude antipolítica. Os lugares próprios da atividade política popular são as praças, as ruas.  Os senadores do PT chegaram a emitir uma nota para que as pessoas não fossem nas manifestações convocadas pelas torcidas organizadas, como a que ocorreu no Largo da Batata.

3 – Com a popularidade em alta e a rejeição em baixa, há quem diga que Bolsonaro vai ser um grande cabo eleitoral nas eleições municipais. Esta conclusão é duvidosa: em eleições municipais a dinâmica das disputas é definida pelas questões locais. Apenas subsidiariamente as questões nacionais têm alguma incidência.

4 – Diante deste quadro, coloca-se a velha questão: que fazer? A resposta é difícil. Mas sem corrigir os erros não há resposta e, se houver, será equivocada. Num ambiente de 14 milhões de desempregados, de 5 milhões de desalentados, de quase 40 milhões de informais e de metade da população passando necessidades, trata-se de um brutal erro estratégico colocar temas como construção de frentes antifascistas, combate ao golpe e temas afins como centro tático na conjuntura, a exemplo do que vêm fazendo os partidos de esquerda. A defesa da democracia precisa subsidiar a luta pelo emprego, pela renda, pelo auxilio, pelo atendimento médico etc. Os partidos de esquerda fazem, praticamente, o contrário: colocam aqueles temas como prioridade e as necessidades do povo como algo subsidiário.

5 – Além de recalibrar a tática, com o objetivo de enfrentar os problemas centrais do povo e de construir um projeto nacional, os partidos de esquerda precisam buscar vitórias em prefeituras importantes nas eleições municipais para acumular força. Bolsonaro poderá participar de forma mais ativa nas eleições no segundo turno, apoiando candidatos do centrão e de partidos de centro-direita. Visará, com isto, construir um campo de alianças para 2022. Este é um problema para o PT, pois o partido não está conseguindo ampliar à esquerda e perde ao  centro.

6 – Pelo que se deduz de manifestações de líderes petistas, o partido pretende glorificar os seus feitos do passado como centro de sua ação política. Outro erro. O partido precisa propor políticas para enfrentar os problemas do presente e do futuro e usar o passado como calço, como força e credibilidade dessas proposições. Gleisi Hoffmann afirma que as esquerdas estão atrasadas nos embates nas redes sociais. Deveria fazer autocrítica, pois ela é presidente do maior partido de esquerda. A comunicação do PT é ruim. Cabe perguntar: o que é feito do fundo partidário, dinheiro do povo, do qual o PT recebe a maior fatia?

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política (Fespsp).

 

Aldo Fornazieri

Cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política.

7 Comentários

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  1. Colocando rápidos números em 1-a, podemos chutar que cada morte afeta verdadeiramente cinco eleitores. Considerando como constante que 60% do eleitorado não votou e não votará em Bolsonaro, ele poderia perder uma média de dois eleitores por morte. Mas isso só aconteceria se estes julgassem que o supremo mandatário é responsável por uma doença que afetou o mundo inteiro, o que não aconteceu em nenhum país e sempre foi bastante improvável.

    É verdade que a esquerda e boa parte da imprensa tentou (alguns ainda tentam) vender a ideia de que a culpa é de Bolsonaro. Mas, para a população em geral, isso soa como uma tentativa de se aproveitar politicamente das mortes para atacar o presidente, colocando-o na confortável situação de vítima da elite mencionada em 2, que pode ficar vendo filmes e fazendo lives em casa.

    Quanto ao item 6, poderíamos estender a pergunta a todos os partidos: para onde vão essas fortunas?

  2. Incêndios e terra arrasada, enquanto a cortina de fumaça encobre a fuga, entre últimos saques e despojos. Esquerdopatia prega no deserto, enquanto Filhos e Netos desfrutam dos Benefícios Capitalistas das Grandes Potências ‘Colonialistas e Imperialistas’. Se ao menos tivesse sido produzido um esboço de Estado nestes 90 anos? Mas o que esperar de 90 anos de NecroPolítica? Pobre país rico. Uma Potência Continental reduzida a Circo de Horrores. Mas de muito fácil explicação.

  3. A pandemia criou uma crise de extensão inamaginável, que atingiu todas as esferas da realidade humana. Criou as condições para que as elites em nome da emercia mundial, extendessem seu dominio totalitário, eliminando toda e qualquer forma de oposição e qualquer brecha para a transparencia de seus atos. Imaginem a seguinte situação: um trabalhador autonomo sem renda, atingido em cheio pela crise, é aprovado no auxilio emergencial, e recebe, poucos dias depois, uma ligação de um desconhecido que se apresenta em nome de um instituto de pesquisa e lhe pergunta sobre o presidente. O que ele dirá? Ele sabe que o pais sofreu um golpe, que o governo é miliciano. Ele pensa. Se falar mal do presidente a esse desconhecido que lhe ligou pode ser perseguido e perder o auxilio. Vai se previnir e dizer que apoia o governo.

    Vivemos em uma realidade que imita a ficção de Matrix o filme. Diante de tudo que aconteceu ainda há quem acredite na midia e institutos de pesquisa. Os partidos de esquerda perderam o povo em 2013.

    O que aconteceu com os partidos de esquerda hoje não é consequência do auxilio emergencial, vem de longe. Eles abandonaram os trabalhadores com a conciliação de elites e com a elitização partidária. Agora, que foram traídos pela elite, tentam se reconciliar com elas adotando o bom-mocismo do discurso da OMS. Serão ignorados, porque a elite não precisa da esquerda. Sem trabalhadores, sem organização e mobilização, seu destino é mesmo desaparecer politicamente.

    1. Nunca. Maquiavel sempre se colocou a serviço dos príncipes. Crê que a salvação deve vir da elite para o povo, de cima para baixo, como capitalistas “bem intencionados”. O bem estar social jamais será construção do povo; antes, é uma concessão da elite ao povo, na visão deles.

      E como se vê com clareza inconteste no caso de Dallagnol, Moro, Edir Macedo etc., não adianta tentar mostrar a eles que eles não estão certos. São missionários cegos. Ou se os pune sem suas anuências ou continuarão espalhando o mal. Cegos. É isso, concreta, objetiva e exemplarmente realizada, a tal “trava no olho” que diz na Bíblia…

    2. Nunca. Maquiavel sempre se colocou a serviço dos príncipes. Crê que a salvação deve vir da elite para o povo, de cima para baixo, como capitalistas “bem intencionados”. O bem estar social jamais será construção do povo; antes, é uma concessão da elite ao povo, na visão deles.

      E como se vê com clareza inconteste no caso de Dallagnol, Moro, Edir Macedo etc., não adianta tentar mostrar a eles que eles não estão certos. São missionários cegos. Ou se os pune sem suas anuências ou continuarão espalhando o mal. Cegos. É isso, concreta, objetiva e exemplarmente realizada, a tal “trava no olho” que diz na Bíblia…

  4. A realidade é que não existe “a esquerda brasileira” ou “uma esquerda brasileira”, o que de fato existem são partidos políticos ditos ou autodenominados de esquerda, que vivem de guerrear em entre si pelos seus pequenos interesses partidários-eleitoreiros e que possuem uma capacidade incrível de colonizar a mente de alguns partidários de um ideologismo infantil (muito tipicamente brasileiro), enquanto eles (partidos políticos) e seus membros permanecem muito bem acomodados ao seu status quo: O status quo de forças parasitárias do Estado nacional.
    Mas a questão é que realmente não pode haver qualquer esquerda séria em um país onde a grande massa proletariada e sub-proletariada, onde a grande massa pobre da nação vive em uma absoluta alienação política, em um profundo analfabetismo ou semi-analfabetismo funcional, em um estado de letargia e de demência inconcebível (mas muito preocupada com as últimas novidades do Facebook ou do WhatsApp, ou feliz por poder pagar um Uber). Também não pode haver uma esquerda séria em um país onde uma parte considerável (e que gosta de se intitular progressista e propriamente de “esquerda”) da classe média, parte que compõe sindicatos de trabalhadores (inclusive suas direções), classes artísticas e o funcionalismo público, não manifestam qualquer reação, não iniciam qualquer greve geral, em resposta à reformas como a trabalhista e previdenciária. Não nos enganemos em relação à este país: Ele é hoje, e será até a sua completa destruição, consumido por uma sede de poder insana e por um individualismo assassino (e isso da parte de todos: ricos, pobres, a classe média, políticos, favelados).

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