Artigos

Bolsonaro e o medo da prisão, por Tânia Maria de Oliveira

Por Tânia Maria de Oliveira*

A divulgação do vídeo da reunião dos ministros e aliados do governo Bolsonaro, ocorrida no dia 5 de julho de 2022, que se encontrava no computador do ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, e que veio à tona com o levantamento do sigilo pelo ministro Alexandre de Moraes é a prova definitiva de que a tentativa de golpe contra a democracia brasileira, que teve seu ápice no dia 8 de janeiro de 2023, não foi fruto dos desvarios de pessoas acampadas em frente aos quartéis: ela foi tramada dentro do Palácio do Planalto, sob o comando do próprio presidente, seus comandados e apoiadores.

As narrativas de Mauro Cid em sua colaboração premiada ganham provas concretas, como a elaboração e aprovação de uma minuta encontrada na sala ocupada por Jair Bolsonaro, na sede do Partido Liberal, que previa a decretação de estado de sítio no país após sua derrota nas urnas, a realização de novas eleições e a prisão de autoridades, entre elas os ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes e o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco.

Além do vídeo, as trocas de mensagens entre auxiliares, fossem civis ou militares, com toda sorte de medidas ilegais para impedir a posse do presidente eleito, Lula da Silva (PT), eram tratadas sem qualquer pudor ou disfarce. A conversa em que o general Braga Neto chama de “cagão” o então comandante do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, por não aderir à conspiração golpista é espantosa e reveladora da intensidade do propósito golpista.

Alvo da operação Tempus Veritatis, em que a Polícia Federal cumpriu 33 mandados de busca e apreensão, 4 mandados de prisão preventiva e 48 mandados de medidas alternativas, entre elas a apreensão de seu passaporte, Bolsonaro resolveu apostar na sua capacidade de mobilização e convocou um ato na avenida paulista para o domingo, 25 de fevereiro, em apoio ao “Estado Democrático de Direito”, em suas palavras, para se defender das acusações que segundo ele lhe são injustamente imputadas.

Bolsonaro e democracia nunca fizeram parte de uma mesma frase coerente senão na negativa. O ex-presidente e ex-militar sempre foi um defensor da ditadura, da tortura, um opositor ferrenho de que o Estado garanta direitos de minorias, de instituições independentes e fortes.

Quando conclama um ato em defesa do Estado Democrático de Direito, Bolsonaro joga com o preceito como jargão, do mesmo modo que faz exaustivamente ao defender o princípio da liberdade de expressão para a prática de discursos de ódio contra minorias e para propagar informações mentirosas. A narrativa não é apenas contraditória, é propositalmente voltada para uma inversão de ordem e de valores onde quem deseja abolir a Constituição e governar com armas e sem instituições se coloca como vítima, ao lado dos “homens bons” e da família cristã.

Ao chamar o ato do dia 25, Bolsonaro conseguiu seu primeiro intuito: pautou a imprensa e desviou o foco das investigações. Saber quem estará presente tomou o lugar dos desdobramentos da trama da tentativa de golpe para evitar as eleições ou burlar seus resultados.

Mas é fundamental enxergar que, ao convocar uma manifestação em sua defesa, Bolsonaro não está apenas testando sua popularidade e capacidade de mobilização. Ele mostra desespero e medo real de ser preso e aposta que é preciso garantir e fortalecer a narrativa de perseguição, se colocando como vítima.

Ao ficar calado no depoimento à Polícia Federal, Bolsonaro, o sempre falastrão, entendeu que pode se incriminar ao responder aos questionamentos. Como não tem alternativa para tentar sair das cordas, ele aposta alto e no risco.

Alto não em relação ao número de seus seguidores que estarão na avenida paulista. A considerar a organização de caravanas por apoiadores endinheirados, líderes políticos e religiosos, além da popularidade que ainda mantém, a manifestação pode ser numericamente grande.

O risco é que, caso haja repetição de qualquer ação dos atos anteriores, de agressão às instituições, seja em faixas, cartazes ou falas, ou violência de qualquer natureza, será desmascarada a já ineficaz tentativa de que o chamamento tenha caráter de manifestação “dentro das quatro linhas”, para usar o jargão do próprio Bolsonaro. Manifestações de confronto podem ser consideradas como reincidência do discurso golpista e incitação ao crime.

Nesse caso Bolsonaro terá dado um tiro no pé. E seu chamamento supostamente de protesto para se defender das acusações será revelado como o que é de fato: mais um agrupamento de pessoas para, sob o falso argumento de defender a democracia, atacá-la novamente.

Tânia Maria de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. É membra do Grupo Candango de Criminologia da UnB (GCcrim/UnB) e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Compõe a equipe do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos do Governo Federal.

Publicado originalmente em Brasil de Fato.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN.

LEIA TAMBÉM:

Tania Maria de Oliveira

Tânia M. S. Oliveira é advogada, historiadora, pesquisadora e membra da ABJD. Secretaria-executiva adjunta da Secretaria Geral da Presidência da República.

Tania Maria de Oliveira

Tânia M. S. Oliveira é advogada, historiadora, pesquisadora e membra da ABJD. Secretaria-executiva adjunta da Secretaria Geral da Presidência da República.

View Comments

  • É um erro colocar Bolsonaro e os generais golpistas em celas dentro de quartéis onde, em contato com militares da ativa, eles poderão continuar conspirando. Eles ter que ser enjaulados na Papuda ou num presídio comum.

Recent Posts

Copom reduz ritmo de corte e baixa Selic para 10,50% ao ano

Decisão foi tomada com voto de desempate de Roberto Campos Neto; tragédia no RS pode…

7 horas ago

AGU aciona influencer por disseminar fake news sobre RS

A Advocacia-Geral da União (AGU) entrou com ação judicial pedindo direito de resposta por conta…

9 horas ago

Assembleia Legislativa de SP celebra Dia da Vitória contra o nazismo, por Valdir Bezerra

Para a Rússia trata-se de uma data em que os russos homenageiam os mais de…

10 horas ago

Diálogo com o Congresso não impede cobertura negativa do governo pela mídia, diz cientista

Para criador do Manchetômetro, mídia hegemônica se mostra sistematicamente contrária ou favorável à agenda fiscalista

10 horas ago

Tarso Genro aponta desafios e caminhos para a esquerda nas eleições municipais

O Fórum21 comemorou o seu segundo ano de existência no dia 1⁰ de Maio e,…

10 horas ago

Desmatamento na Amazônia cai 21,8% e no Pantanal 9,2%

A redução no desmatamento ocorreu entre agosto de 2022 e julho de 2023, em comparação…

10 horas ago