Bom jornalismo também aderiu à greve do dia 28, admite ombudsman da Folha

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Foto: Reprodução/Acervo Folha
 
Jornal GGN – A cobertura que a grande mídia fez sobre a greve geral do dia 28 de abril não fez jus aos fatos e tampouco se prestou a aprofundar a discussão sobre a pauta dos trabalhadores que paralisaram diversos setores da economia: as reformas do governo Temer para a Previdência e legislação trabalhista.
 
Paula Cesarino Costa, ombudsman da Folha, publicou artigo criticando a imprensa por não tem feito o mínimo que se espera do “bom jornalismo”: apontar o tamanho da greve e discutir os motivos que levaram à adesão de 40 milhões de pessoas, segundo os organizadores.
 
Ao invés disso, a mídia se apegou a vandalismos pontuais e aos problemas enfrentados por quem queria trabalhar. “Na sexta-feira, o bom jornalismo aderiu à greve geral. Não compareceu para trabalhar”, disse.
 
 
Por Paula Cesarino Costa
 
Na Folha
 
A imprensa e a greve geral
 
Assim como a de milhões de brasileiros, minha rotina diária foi alterada pela greve geral da sexta-feira, 28. Lojas de que precisei estavam fechadas; no supermercado, o gerente disse que apenas um terço dos funcionários comparecera; a experiência nos aeroportos de amigos e familiares que viajaram foi sofrida, apesar de a Folha ter dito que os aeroportos funcionaram normalmente. Pode não ter sido um caos, mas normal não foi.
 
De modo geral, esse foi o problema da cobertura da greve geral convocada contra as reformas da Previdência e das leis trabalhistas. Focou a alteração da rotina das cidades, de modo previsível, sem inventividade nem relatos ricos.
 
Em suma, os jornais se concentraram no impacto sobre as árvores e deixaram de abordar a situação da floresta. A velha imagem é eficiente por condensar a mensagem de modo tão claro.
 
Um parágrafo do editorial da Folha trazia o resumo do que pretendo dizer quando cobro abordagem mais ampla: “Em nenhum país do mundo, propostas de redução de direitos relativos à aposentadoria contarão com apoio popular. Governantes, em geral, só as apresentam quando as finanças públicas já estão em trajetória insustentável. Este é, sem dúvida, o caso do Brasil”.
 
Essa é a visão da floresta que deveria ser discutida nos jornais. É preciso acrescentar que a discussão sobre a reforma trabalhista é também uma discussão sobre perda de direitos, contraposta à possibilidade de dinamização e crescimento do mercado do trabalho –promessa de comprovação difícil. Esses são os dois lados da moeda.
 
Pode-se até afirmar que essa discussão está presente no jornal. Não com a clareza do dilema exposto pelo editorial da Folha: está em jogo a perda de direitos em nome do ajuste fiscal. Jornais estrangeiros assim enquadraram a manifestação. A imprensa brasileira abriu mão da discussão sobre a floresta.
 
A greve geral convocada por centrais sindicais e movimentos de esquerda mostrou que a mídia precisa se qualificar para esse tipo de cobertura, complexa e de altíssimo interesse do público leitor.
 
Quase em uníssono, os três principais jornais destacaram nas manchetes de suas edições impressas o efeito no transporte e a violência com que terminaram manifestações em São Paulo e no Rio.
 
Será que o vandalismo em pontos isolados do Rio e de São Paulo era notícia a destacar em enunciado de manchete, se a própria Folha escreveu que a calmaria reinou durante quase todo o dia? Por que valorizar as cenas de confronto, em vez de imagens que pudessem, por exemplo, mostrar o que diziam as faixas levadas às manifestações.
 
A greve paralisou, segundo o noticiário da Folha, parcialmente as atividades nas principais capitais do país e em ao menos 130 municípios, em todos os Estados e no Distrito Federal. Os organizadores classificam como a maior greve da história do país: cerca de 40 milhões paralisaram suas atividades.
 
Não há reportagem ou quadro na edição que diga qual era exatamente o objetivo da greve ou, se fosse o caso, a análise de seu impacto nos objetivos do movimento.
 
Há dois pontos básicos a que o jornal, na minha avaliação deveria ter respondido:
 
Qual foi o tamanho da paralisação? Era preciso encontrar parâmetros que permitissem ao leitor entender o que foi o movimento de agora em comparação com convocações anteriores.
 
Quais as possíveis consequências da greve? Terá algum efeito em seu objetivo principal de parar a tramitação das reformas trabalhista e da Previdência, obrigando Executivo e Legislativo a negociar com a sociedade e os sindicatos?
 
Eram desafios difíceis, mas a imprensa não conseguiu nem chegar perto de enfrentá-los.
 
À exceção dos colunistas André Singer e Demétrio Magnoli, não houve tentativa de interpretação do que aconteceu. Cientistas políticos, sociólogos e analistas não estão nas páginas da Folha ajudando a entender o que aconteceu e o que pode vir a acontecer.
 
Deputados e senadores não se manifestaram de forma a sinalizar se o protesto pode vir a ter algum efeito objetivo nos projetos em discussão. Apenas o governo federal fala, expressando a óbvia e obrigatória avaliação de que adesão foi pequena, fracassou.
 
Ainda há muito a aprender e a ser desenvolvido em cobertura de casos dessa magnitude.
 
Na sexta-feira, o bom jornalismo aderiu à greve geral. Não compareceu para trabalhar.
Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

12 Comentários

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    1. Exatamente, o bom jornalismo

      Exatamente, o bom jornalismo fez greve na sexta, na quinta, na quarta, terça, segunda, domingo e sábado. Da semana passada, retrasada, e etc.

      Na verdade o “jornalismo”, bom ou mais ou menos já foi demitido das redações da grande imprensa brasileira faz muito tempo.

       

  1. “Quais as possíveis

    “Quais as possíveis consequências da greve? Terá algum efeito em seu objetivo principal de parar a tramitação das reformas trabalhista e da Previdência, obrigando Executivo e Legislativo a negociar com a sociedade e os sindicatos?”

    Essa é a questão. A Folha, como de resto todo o pig, tenta distorcer a realidade na esperança de que os parlamentares se convençam de que o que houve não houve e votem de acordo com o mercado

  2. Ombudsman, pra quê?

    De há muito a Folha atirou no lixo qualquer resquício de decência e ética e com elas se foi o jornalismo. Nem vale a pena discorrer sobre os como e porquês,  assunto batido e debatido à exaustão.

    Na redação da Folha as críticas da Onbudsman tem o mesmo destino dado ao jornalismo, são descartadas e ignoradas.

    Restam duas perguntas: 1) por que a Folha mantém o cargo de ombudsman se a função não é exercida, ao menos ante os resultados visiveis ao leitor; 2) por que a ombudsman aceita ser desprestigiada dessa forma pelo próprio jornal, ignorada solenemente e a cada evento que destaca a sua reputação se esvai com a do jornal?

    De minha memória guardo 2 momentos e aprendi sobre um terceiro. Do primeiro quando assinava a Folha e a lia diariamente por ser uma das raras fontes confiáveis de notíicia na ditadura. Do segundo quando a Folha “PSDBou” no governo Fernando Henrique e pouco a pouco virou órgão de divulgação do partido. A terceira que conheço dos registros históricos, onde a foto da van emprestada à Oban confere todo o seu simbolimsmo, mostra que o momento atual não é um desvio na linha editorial, mas uma volta às origens.

    Esse panfleto, contra as evidências, até poderá sobreviver, mas se depender de mim foi para a lata de lixo faz tempo. Está tão anacrônica e imprópria quanto a função que se lhe destinavam em outras épocas a jornais diários da mesma categoria, embrulhar peixe.

  3. Viva o trabalhador!

    A verdade sobre essa “greve” da Folha e congêneres é que a Greve foi um SUCESSO!  A adesão foi geral e por essa, a Globo, Estadão e até a Folha não esperavam. Durmam com um barulho desses!

  4. O tal “bom jornalismo” não

    O tal “bom jornalismo” não existe mais na grande imprensa. Com raríssimas exceções transformou-se em quadrilha organizada para ludibriar incautos e tolos com a finalidade de avançar sobre a grana governamental. Dona Judite já nos avisava que a velha imprensa virou partido político, portanto, precisa de doações e financiamento público para eleger seus financiadores.

  5. A frase da Folha não é uma análise

    Não há insustentabilidade das contas publicas num país que libera um banco como Itau de sua divida fiscal  de mais de 20 bilhões. Nenhum jornalista ou ombudsmam falou que o Itau esta com problemas fiscais irrecuperáveis.  Isto tudo é uma grande palhaçada, e não consigo sequer ver, mesmo quando um Ombudsmam critica os seus, um apego a verdade. Fazem a crítica sempre fortalecendo a idéia e imagem dos que deram o golpe. O que há neste país é uma profunda traição e todos aqui sabemos, que a reforma da previdência tem como unico objetivo, agradar ao mercado e quem sabe , como dizem: realizarem lucros em cima da especulação. O que mais querem neste momento, é passar reformas, não que acreditem que isto não vá ser revertido mais adiante, mas os espertos de plantão querem apenas criar um momento na bolsa, quando ações serão valorizadas  e outras desvalorizadas, e os de sempre realizarão seus lucros. Da qualquer forma  os golpistas  reformistas já tem cumprido seu papel. Num momento onde a saude privada desaba, pois não existe plano privado de saude sem clientes e sem SUS,  os bancos lucram desavergonhadamente com seus planos de previdência privada. Mesmo que não dê certo o golpe, o momento de realização de lucros já está acontecendo. Da mesma forma o fgts, que foram bilhões apenas para o setor financeiro. Como dizem para pagar os juros das dividas.  Não basta o país pagar estes juros, agora deram dinheiro para o cidadão pagar o juros.  E neste meio tempo imprensa e seus ombudsmans ficam o tempo inteiro criando uma cortina de fumaça. Quem jamais vai esperar algo de minimamente jornalístico ( com respeito aos fatos) desta nossa imprensa. 

     

  6. Eis a questão

    Neutralidade, imparcialidade, apartidarismo seriam requisitivos imprescindíveis ao bom jornalismo? Se assim for não tivemos, não temos e não teremos bom jornalismo.

  7. Gostariamos de saber de você,

    Gostariamos de saber de você, paula cesarino costa, qual o seu parecer com relação a participação dos seus patrões assassinos, portando seu, no transporte de manifestantes para serem conduzidos a locais de torturas e até mortes, bem como no transporte dos corpos dos asssassinados para locais de “desova”, sendo que muitos desses restos mortais dos assassinados continuam sendo procurados até hoje pelos familiares, para por um ponto final no sofrimento absurdo que carregam há mais que 40 anos. Entre os milhares assassinados, o jornalista Vlad tornou-se símbolo da luta contra os assassinos.

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  8. Regulacao da mídia?
    O que Lula eleito poderá fazer com a mídia podre e golpista? Nassif aceitaria o cargo de Ali Kamel e afastaria Bonner? PHA assumiria a direção de jornalismo da Record? Mino Carta resgataria sua função na Veja?

    Rodrigo Vianna e outros jornalistas sérios poderiam assumir a FSP, estadão e IstoÉ, com liberdade editorial para o bom jornalismo?

    A imprensa e a TV cumpririam os preceitos constitucionais de prestigiar e respeitar os valores e a cultura brasileiros?

    Sera que o povo elege um congresso melhor que o atual para ajudar o Presidente nessa empreitada hercúlea?

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