Jorge Alexandre Neves
Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.
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Brejo ou abismo? O fato é que está contratado!, por Jorge Alexandre Neves

Ora, a reforma da previdência, em qualquer de suas versões, levará a uma redução do consumo, seja dos mais pobres (se mantida a atual proposta que atinge o BPC, a aposentadoria rural e outras maldades) seja dos assalariados de maior renda

Brejo ou abismo? O fato é que está contratado!

por Jorge Alexandre Barbosa Neves

Este final de semana, Luis Nassif e Fernando Brito publicaram excelentes artigos sobre a inevitabilidade do aprofundamento de nossa atual crise econômica e as inevitáveis consequências políticas e sociais que isso terá. A diferença entre eles está na força das metáforas: brejo (como também preferi usar em uma coluna anterior) ou abismo? Vamos afundar lentamente em um lamaçal do qual teremos enorme dificuldade de sair ou vamos despencar de um abismo que vai nos fazer espatifar em múltiplos pedaços? Tendo a preferir a metáfora do brejo – acho mais provável –, porém o mais importante é que o aprofundamento da crise está, para usar o jargão dos economistas, contratado.

Em contraste com os artigos de Nassif e Brito – que, entre outras qualidades, têm os méritos da parcimônia e da clareza – assisti ao programa Globo News Painel deste final de semana e fiquei, mais uma vez, bestificado (quando vou parar com isso?) com o posicionamento de dois dos convidados, em particular de um assessor legislativo do Senado chamado Marcos Mendes. Essas pessoas não conseguem pensar em qualquer alternativa de política econômica que não seja recessiva.

Havia um terceiro participante, José Francisco Gonçalves, que pensa diferente, mas não se arriscou muito a levantar opções. Apenas falou o básico, se (e esse “se” é deveras importante; lembremos como a reforma trabalhista geraria empregos aos milhões) a reforma da previdência vier a gerar crescimento econômico será a muito longo prazo, e que se algo não for feito para impulsionar a economia no curto prazo, o aprofundamento da crise política pode deixar o governo de Jair Bolsonaro em péssimos lençóis. Os outros dois participantes parecem viver em uma dimensão paralela.

A economia brasileira é reconhecidamente fechada. Visto que o consumo das famílias está em queda, não se conseguirá retomar o crescimento econômico em um prazo razoável (digamos um a dois anos) sem se buscar desde já uma recuperação dessa capacidade de consumir das famílias. Ora, a reforma da previdência, em qualquer de suas versões, levará a uma redução do consumo, seja dos mais pobres (se mantida a atual proposta que atinge o BPC, a aposentadoria rural e outras maldades) seja dos assalariados de maior renda (que seria a reforma da previdência mais benigna, ou seja, aquela que só atingiria assalariados com maiores rendimentos). Portanto, ela não trará o crescimento econômico e a redução do desemprego este ano ou mesmo no próximo. Ocorre que, as pessoas estão desesperadas por melhorias econômicas e no seu padrão de vida em geral. Daí a plausibilidade da metáfora de Nassif: caminhamos para despencar de um abismo?

Esses debates entre economistas neoliberais brasileiros me fazem lembrar uma entrevista que assisti, no início da década de 1990, com o economista neoliberal (pelo menos era, na época, pois ouvi em algum lugar que mudou um pouco de posição) Jeffrey Sachs, na PBS, a rede de TV pública dos EUA. Discutiam a situação econômica da Rússia de Iéltsin, da qual Sachs era consultor. Os entrevistadores confrontaram Sachs com dados que mostravam a completa destruição da economia russa. A resposta de Sachs: “quanto mais rápido a Rússia chegasse ao fundo do poço, mais rápido iria emergir com um novo padrão econômico focado na dinâmica do mercado”. Acreditem, essas pessoas realmente pensam assim. Obviamente, um dos entrevistadores perguntou a Sachs: “e qual é o fundo do poço?”. Na maior cara dura, ele respondeu: “não temos como saber”. Como podem brincar tranquilamente com a vida de milhões de pessoas sofridas?

Achei ótima a lembrança que Nassif fez em seu artigo da Argentina do período de Domingo Cavallo. Estamos, em muitos aspectos, em uma situação parecida. Da mesma forma, nos vemos diante de uma extraordinária oportunidade de rápida recuperação. Ocorre que ela não será feita por gente como Paulo Guedes e Jair Bolsonaro.

De 1999 a 2002, a Argentina teve as seguintes taxas de crescimento do PIB: -3,4%; -0,8%, -4,4%; -10,9%. Em 2003, Néstor Kirchner assume a presidência em um cenário que, segundo a revista Exame, era o seguinte:

“Sem reservas monetárias, dívidas no valor de US$ 180 bilhões, um tecido produtivo destruído, uma taxa de desemprego de 24% e um nível de pobreza que chegou a 57%, Kirchner tomou as rédeas, segundo suas próprias palavras, de um país a caminho do “inferno” para, pelo menos, devolver-lhe ao ‘purgatório’”.

Dez anos depois, na mesma reportagem, a Exame fazia o seguinte diagnóstico:

“Hoje o cenário social é muito diferente: o país acumula dez anos consecutivos de crescimento, algo inédito em sua história, a pobreza se reduziu a 5,4% e a taxa de desemprego é de 7,9%”.

Durante os quatro anos de governo de Néstor Kirchner, essas foram as taxas de crescimento do PIB: 8,8%; 9,0%, 8,9%; 8,0%. É óbvio que o boom das commodities permitiu o prolongamento do crescimento econômico da Argentina dos Kirchner. Todavia, para a retomada inicial, foi fundamental o fato de que a economia argentina contava com uma enorme capacidade ociosa. O mesmo ocorre no Brasil de hoje. Porém, temos condições ainda melhores para fazer a economia retomar o crescimento rapidamente, pois estamos com uma inflação bastante baixa, enquanto a Argentina tinha experimentado uma inflação de 40% em 2002, ainda temos enormes reservas cambiais (que foram acumuladas durante os governos dos presidentes petistas), bem como uma dívida externa totalmente controlada. Com o atual cenário econômico, é relativamente fácil fazer o Brasil viver um novo boom de crescimento do consumo familiar sem gerar maiores pressões inflacionárias, com elevação da arrecadação e a consequente melhora da situação fiscal (*). Mas, não é isso que irá fazer a dupla Guedes e Bolsonaro. Entre a Argentina de Néstor Kirchner e a Rússia de Boris Iéltsin, estão apostando todas as fichas na segunda.

(*) Obviamente, seria necessário fazer ajustes ao longo do caminho para que o crescimento se prolongasse. Algo, aliás, que faltou ser feito por Cristina Kirchner. O perigo do tipo de receita seguida pelos Kirchner é ficar preso a uma estratégia de sucesso que não dura para sempre. Em menor grau, o mesmo ocorreu com os governos petistas, em particular de Dilma Rousseff.

Jorge Alexandre Barbosa Neves – Ph.D, University of Wisconsin – Madison, 1997.  Pesquisador PQ do CNPq. Pesquisador Visitante University of Texas – Austin. Professor Titular do Departamento de Sociologia – UFMG

Jorge Alexandre Neves

Jorge Alexandre Barbosa Neves professor Titular de Sociologia da UFMG, Ph.D. pela Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA. Professor Visitante da Universidade do Texas-Austin, também nos EUA, e da Universidad del Norte, na Colômbia.

1 Comentário

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  1. Uma coisa boa da alternativa Rússia de Yeltsin é que o povo Russo tem verdadeiro horror ao liberalismo. Tanto que a oposição lá não vinga de jeito nenhum. Os americanos tentam fazer revoluções coloridas lá frequentemente, mas não funciona nunca.

    Os entrevistadores confrontaram Sachs com dados que mostravam a completa destruição da economia russa. A resposta de Sachs: “quanto mais rápido a Rússia chegasse ao fundo do poço, mais rápido iria emergir com um novo padrão econômico focado na dinâmica do mercado”.

    Deu maiiis ou menos certo o que o sujeito planejou. A era Yeltsin foi tão destrutiva para a Rússia que esse tipo de teoria que domina COMPLETAMENTE o Mainstream econômico Brasileiro é profundamente rechaçada por lá

    Vão brincar com a vida de milhões de pessoas, matarão de fome milhares, talvez milhões, mas possivelmente uma consciência profundamente anti-liberal no país. E convenhamos ??? O Brasileiro brincou com a própria Vida ao eleger Bolsonaro. Quase nenhum eleitor pensou no bem do país ao votar nele. Apenas pensou que ele destruiria e faria mal as pessoas de grupos sociais que eles não gostavam.

    O Brasil é um grande experimento daquela frase do Pulitzer

    “Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela mesma”

    O Brasileiro é exatamente isso. Cínico, Mercenário, Demagógico e corrupto.

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