Caso Vicentin: expropriação “comunista” ou embargo liberal?, por Camila Koenigstein

La grieta (divisão) é a expressão que melhor define a atual situação do presidente da Argentina, Alberto Fernández, dentro do próprio partido

Alberto Fernández, presidente da Argentina. Foto: Reprodução/Wikipedia

Caso Vicentin: expropriação “comunista” ou embargo liberal?

Por Camila Koenigstein*

 

La grieta, que em português significa divisão, é a exata expressão para a atual situação do presidente argentino Alberto Fernández dentro do próprio partido, que seria nada mais do que um conflito sobre suas recentes decisões. As razões são diversas, mas, somadas, geram um cenário pouco favorável e bastante complexo para o país.

A Argentina já ocupa o posto de nação com a maior quarentena do mundo, que caminha para quase 100 dias desde seu início. Há a possibilidade de extensão da medida até o fim do inverno, período de maior contágio por gripes. O aumento de casos de COVID-19 nas últimas semanas auxilia no prolongamento do período de isolamento como maneira de evitar a superlotação de leitos nos hospitais públicos.

A incerteza sobre a flexibilização promove cada vez mais preocupação em diversos setores, principalmente para quem sempre trabalhou de maneira informal. Os vendedores ambulantes são o claro exemplo das inúmeras dificuldades que o momento gera.

Moradores de regiões carentes enfrentam graves problemas, que vão desde falta de emprego até truculência policial, que cresceu de maneira considerável.

Juntamente com a pandemia, a situação econômica, que já não era favorável, se agravou com o fechamento dos estabelecimentos comerciais nos mais variados ramos.

No dia 8 de maio passado, Fernandez fez um pronunciamento sobre a expropriação da Vicentin, a empresa agropecuária mais importante da Argentina e uma das maiores do planeta. O discurso caiu como uma bomba para parte da população oriunda de classes abastadas e conservadoras, assim como vinculadas aos setores da agricultura e pecuária.

Desde então o caso Vicentin não deixou de aparecer constantemente nos meios de comunicação, sobretudo depois que manifestantes saíram no último fim de semana para protestar a favor da propriedade privada em diversas províncias e na capital.

O comunicado gerou uma série de fake news sobre um possível plano “comunista” que possibilitaria uma sequência de outras expropriações, o que levaria a Argentina à ruína e a um cenário similar ao de Cuba e Venezuela.

O intervencionismo do setor público no privado também foi visto com temor no mercado internacional, que provocou alta do risco-país.

O grupo Vicentin foi fundado em 1929, na província de Santa Fé. Durante os mais variados governos, incluindo o período da ditadura, a empresa se expandiu através de empréstimos feitos pelo Banco de La Nación Argentina e Banco da Província, instituições públicas. A dívida atual da companhia com ambos é de 300 milhões de dólares.

Em novembro de 2019 houve o pagamento de 25% do valor total. Naquele momento, no entanto, o então presidente Mauricio Macri, que sempre teve o apoio da empresa, já sabia que não seguiria no cargo e, portanto, não conseguiria protelar a dívida. Além do déficit com os bancos, a Vicentin tem 2638 credores, que esperam o pagamento de 1350 milhões de dólares.

 

Vicentín procuró antes de la situación actual acuerdos extrajudiciales. El 24 de enero anunció que había propuesto a los acreedores a quienes les debía más de 30.000 dólares, un pago inmediato del 20% de lo adeudado y el resto a saldar en 8 años. La mayoría rechazó la propuesta. “No encontré ningún miembro que diga que le haya parecido buena la propuesta”, consignó entonces Nicolás Galli, designado como vocero del grupo que rechazó la oferta. Días después, una decena de “estafados” acudieron a la Justicia para exigir el cobro de lo adeudado. Incluso uno de esos acreedores la empresa Gagliardo Agrícola Ganadera Sociedad Anónima, pidió la quiebra de Vicentín y la liquidación de sus bienes. Eso dinamitó la vía extrajudicial y obligó a la compañía a pedir la convocatoria de acreedores el 10 de febrero de 2020. (Marcelo Brignoni).

 

Durante a campanha de reeleição de Macri, o grupo se posicionou claramente a favor do então presidente, com um discurso proselitista pronunciado por dirigentes, o que expôs a relação turva entre a Vicentin e o governo que presidiu a nação.

Como sabido, a reeleição de Macri não aconteceu, o que criou uma configuração até então inédita na história da empresa, que desde 2007, com a crise econômica desencadeada nos Estados Unidos, tenta se manter no mercado financeiro.

A saída para seguir com suas atividades foi priorizar a exportação de produtos e entrar para o mercado especulativo, utilizando os chamados “commodities”, mecanismo que privilegia  mais o modelo de exportação que o de abastecimento do mercado interno.

O aumento na produção para “alimentar o mundo” internacionalizou os preços e provocou nos países produtores como Argentina uma crise inédita. Altos níveis de insegurança alimentar, apesar de produzir alimentos para uma população de consumidores estimada em 300 milhões de pessoas, mas com os preços internacionalizados e fora do poder aquisitivo dos 47 milhões de habitantes da República Argentina.

O caso, que está nas mãos do juiz Fabián Lorenzini, já conta com uma lista de mais de 71 páginas de irregularidades, que expõe a complexidade da Vicentin e os negócios pouco aclarados sobre sua movimentação no mercado nacional e internacional e os diversos processos que a empresa carrega por sonegação de impostos, evasão de divisas, falsificação do preço de vendas, problemas que desde 2002 aparecem no histórico do grupo.

Com o aumento dos commodities, houve uma precarização dos pequenos agricultores, principalmente pelo uso de pesticidas, que possibilitam alta produtividade das grandes empresas, comprometendo os pequenos agricultores, que não podem concorrer em um mercado que produz em grande escala, mas especialmente a saúde dos cidadãos que se alimentam com produtos alterados, problema de enorme complexidade na Argentina, que ainda usa glifosato, substância causadora de diversas enfermidades e casos de malformação de fetos.

Os territórios onde os monocultivos destinados à exportação chegam a tomar quase todas as áreas cultiváveis recebem inversão de corporações transnacionais, o que asfixia os pequenos produtores retirando seus habitats l, diminuindo também as superfícies destinadas ao cultivo de hortaliças e verduras para o consumo humano, e os espaços rurais dedicados à criação de gado e animais de granja para o mesmo fim. A combinação desse modelo com o uso extensivo de agrotóxicos prejudica completamente o ecossistema.

O pronunciamento de expropriação gerou esperança de pequenos agricultores na regiões de Santa Fé, Córdoba, Chaco, Entre Rios e Jujuy. O movimento popular La Dignidad realizou uma manifestação na sede da sociedade rural de Palermo a favor da expropriação de Vicentin, mostrando que o controle estatal seria seria a única maneira de evitar a destruição da empresa pelo mercado financeiro.

A conjuntura argentina nos últimos 15 dias é um exemplo da discrepância de realidades dentro do mesmo território. De um lado, um povo que tenta sobreviver no contexto caótico da pandemia; do outro, uma corporação que já teve a negativa por parte das empresas que ainda não receberam o pagamento da Vicentin e já não querem seguir protelando tal situação.

Até o momento o caso não foi solucionado. A pressão popular e empresarial fez com que o presidente recuasse, buscando um segundo plano, que seria uma espécie de “intervenção mista” de autoridades nacionais e locais, credores, acionistas e mudança administrativa, mas alertando sobre uma possível estatização se não houver transparência da companhia a partir das imposições feitas.

Se realmente fosse expropriada, o governo de Alberto Fernandez conseguiria garantir postos de trabalho, mas principalmente uma limpeza dentro da sujeira que circula nas grandes corporações. Estatizar a Vicentin seria uma forma de desenvolvimento de um modelo de transparência com maior controle fiscal de exportação, evitando as commodities e o mercado especulativo que favorece somente ao grande capital.

Infelizmente ainda há incertezas sobre o futuro da empresa, mas já ficou claro que na América Latina quem manda são os donos do poder, e os governos obedecem, isso quando não agradecem.

 

Fontes:

 

* Camila Koenigstein. Graduada em História, pela Pontifícia Universidade Católica – SP e pós graduada em Sociopsicologia pela Fundação de Sociologia e Política – SP. Atualmente faz Mestrado em Ciências Sociais, com ênfase em América Latina y Caribe pela Universidade de Buenos Aires (UBA).

Redação

3 Comentários

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  1. ALBERTO não titubiou vendo a MAior Empresa Nacional indo a bancarrota por pÉssima Gestão….A Empresa tem função econômica e social…ypf TAMBÉM foi reestatizada pelso peronistas

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