Cúmplices dos assassinos de João Alberto permanecem ilesos, por Hédio Silva Jr. e Ellen de Lima Souza

Se a resposta ao massacre de João Alberto e milhares de outros jovens negros, uma constante histórica, for tratada como efeméride, há lições resultantes de efemérides recentes e outras nem tanto, que merecem atenção.

Cúmplices dos assassinos de João Alberto permanecem ilesos

por Hédio Silva Jr. e Ellen de Lima Souza

O indiciamento e prisão dos autores imediatos do homicídio de João Alberto, nas dependências do Carrefour de Porto Alegre, em 19 de novembro, sob nenhum pretexto pode ensejar a divinização dos autores mediatos.

Há uma cadeia de responsabilidades que enlaça o próprio Carrefour, a Polícia Federal, a Prefeitura de Porto Alegre, a Receita Federal, e, no limite, o Estado brasileiro.

Ao contrário do que supõem alguns, o racismo brasileiro é exercido por agentes perfeitamente identificáveis, orquestrados pelo Estado, sociedade,  corporações e indivíduos.

A ideia da terceirização de responsabilidades pode ser moralmente confortável e render venda de livros e algumas moedas mas mantém intacta a engenhosa máquina antinegro.

A Polícia Federal, por exemplo, responsável pela normatização e  fiscalização das empresas de segurança privada, embora tenha se prestado a rapidamente sair em defesa da empresa terceirizada, faz vistas grossas à grade curricular da formação de vigilantes que deveria tratar de práticas discriminatórias e do racismo.

Não há registros de iniciativas da Receita Federal para investigar a tributação do pagamento, “por fora”, do PM que massacrou um pai de família a socos e pontapés.

Do mesmo modo, chama atenção o silêncio do próprio governo estadual a respeito dos serviços “extras” prestados por seu servidor e ainda da prefeitura do município, que ignorou por completo normativa da Lei Orgânica que determina a cassação do alvará de funcionamento de empresas acusadas de racismo.

Já o Carrefour terceirizou sua responsabilidade para um comitê redentor e fugaz, sem se preocupar em anunciar sequer as eventuais medidas tomadas em relação ao gerente da loja e demais funcionários que, por ação ou omissão, colaboraram para a imolação de João Alberto.

Se a resposta ao massacre de João Alberto e milhares de outros jovens negros, uma constante histórica, for tratada como efeméride, há lições resultantes de efemérides recentes e outras nem tanto, que merecem atenção.

Em 1951, o Congresso Nacional, por unanimidade, aprovou a revogada Lei Afonso Arinos, que considerava o racismo mera contravenção penal.

Em 1988, a Constituição Federal tornou o racismo crime imprescritível e inafiançável.

Mas o fato é que mudanças tangíveis emergiram com o sistema de ações afirmativas no acesso ao ensino superior, ao serviço público federal, aos concursos da magistratura, do Ministério Público, da Defensoria Pública e, mais recentemente, aos cargos de direção das instâncias da OAB.

A moral da história, portanto, é que se as corporações pretendem alcançar mudanças significativas na superação do racismo, devem adotar medidas de efeito duradouro, que envolvam seus altos dirigentes e colaboradores mais humildes, orgânicos ou terceirizados, mudando o sistema de valores, implementando políticas cotidianas, consistentes, qualitativas e quantitativas.

O resto, diria o velho ditado popular, é política “prá inglês ver”!!!

E a atroz morte de João Alberto, tal como a de seus ancestrais lançados ao mar, terá servido unicamente para manter tudo exatamente como está. Assim, passado quase 90 dias as “campanhas” contra a desigualdade racial giram em torno de reality show! Permanecemos aguardando a responsabilização dos assassinos de João Alberto.

Prof. Dr. Hédio Silva Jr – Coordenador Executivo do IDAFRO – Instituto de Defesa das Religiões Afro-Brasileiras

Profa. Dra. Ellen de Lima Souza – EFLCH-UNIFESP

Redação

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