Denúncia traz relações inéditas de Temer, por Fernando Limongi

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
[email protected]


Foto: Carolina Antunes/PR
 
Jornal GGN – Que o presidente Michel Temer seria absolvido pela Câmara dos Deputados pela segunda vez, ao engavetar a denúncia por obstrução à Justiça e organização criminosa, não era novidade. Mas o noticiário e a opinião pública vêm favorecendo a discrição e o silêncio das acusações, trocando os papéis: Procuradoria-Geral da República vira investigado e cúpula do governo Temer julgador. 
 
Para o professor do departamento de Ciência Política da USP e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), Fernando Limongi, a peça é forte: “vê-se que Janot veio carregado de novidades pinçadas da delação de Lúcio Funaro. Não por acaso, no final da semana, o Planalto soltou nota de ataque ao caráter do doleiro”.
 
Segundo ele, as informações de Funaro, que já caiu em más interpretações após as públicas ameaças e intimidações do delator, trazem informações inéditas que não devem ser ignoradas: o tripé da aproximidade entre Funaro e o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e Michel Temer. Episódios de “ciumeira” teria apimentado conflitos nesta relação.
 
Ainda, outros delatores trazidos pela denúncia da PGR reconstituem como a relação de Temer se deu no avanço dos possíveis crimes cometidos pela cúpula do PMDB.
 
Assine
 
Por Fernando Limongi
Professor do DCP/USP e pesquisador do Cebrap. Escreve às segundas-feiras
 
 
Do Valor
 
A última flechada de Rodrigo Janot não comoveu ninguém. Depois da ameaça de borrasca, o teor da segunda e última denúncia do procurador da República contra Temer passou em brancas nuvens. O noticiário privilegiou questões miúdas, pondo de lado o fulcro da peça. O debate público acabou dominado por suspeitas sobre a atuação da equipe de Janot. Os papéis se inverteram e o acusador foi empurrado para o banco dos réus. 
 
A certeza da absolvição do presidente, de que o conteúdo das denúncias pouco conta para definir o voto dos parlamentares, contribuiu para a recepção fria. Some-se a interpretação dominante de que faltou a Janot juntar elementos novos e decisivos, que requentou a denúncia e e que perdeu gás seu carro-chefe, as delações da JBS, já suspeitas de obtidas ao largo da legalidade. 
 
Olhando com mais cuidado, contudo, vê-se que Janot veio carregado de novidades pinçadas da delação de Lúcio Funaro. Não por acaso, no final da semana, o Planalto soltou nota de ataque ao caráter do doleiro. Rememoraram-se alguns dos pontos altos de sua biografia, caso da ameaça de morte a um idoso e a da intenção de incendiar casa de adversário, com seus filhos dentro.
 
Para se safar, o Planalto uma vez mais deixa de lado a substância, preferindo desancar o acusador. Nem assim, contudo, consegue ocultar a proximidade entre Funaro e Cunha e do ex-presidente da Câmara com o atual condutor da República. Não será mero acidente profissional que o advogado e conselheiro do presidente já tenha defendido Funaro, hoje tido por indefensável.
 
Ninguém contesta que Temer e Cunha tenham operado juntos na política e em outros campos. A incerteza que persiste diz respeito à cadeia de comando e se a ascensão de Cunha teria gerado mal-estar na relação, uma “ciumeira”, como definiu Funaro.
 
A nova denúncia de Janot permite reconstituir a história desta relação. O ponto de partida é a delação de Márcio Faria, executivo da Odebrecht, que narra reunião em 2010 para acerto de propinas. Faria conta que então perguntou a Temer se previa dificuldades com Dilma, já que a candidata a presidente era sabidamente “complicada”. Apontando para Henrique Eduardo Alves e Eduardo Cunha, Temer respondeu: “Não, se acontecer qualquer coisa aí, esses dois, esses rapazes aqui… Não, pode deixar que ela vem e fica aqui [sinalizando para o colo]; esses jovens, esses rapazes, resolvem pra mim lá, não estou preocupado”.
 
Em 2010, quando se armava a coligação eleitoral entre PT e PMDB, Alves e Cunha eram os “rapazes” a quem Temer poderia confiar tarefas difíceis, seus lugares-tenentes. A reunião solicitada por Márcio Faria ao presidente do partido era para assegurar que Alves e Cunha estavam autorizados a falar em nome do PMDB.
 
O depoimento de Faria, como outros tantos, esclarece que quem paga propinas precisa de garantias. O repasse de dinheiro requer o aval de líderes para ser contabilizado como contribuição ao partido, instituição que garante a continuidade e a segurança da operação. Márcio Faria precisava saber que Alves e Cunha não eram franco-atiradores, que entregariam o que prometiam. Como presidente do PMDB, cabia a Temer chancelar a negociação.
 
Mas quem acabou no colo dos dois “rapazes” não foi Dilma. Com o tempo, as posições se inverteram no interior do PMDB. Eduardo Cunha e Henrique Eduardo Alves ascenderam no partido e ganharam autonomia para representá-lo. Protegidos seus obtiveram postos antes ocupados por indicados de Temer, como Moreira Franco (Caixa Econômica) e Wagner Rossi (Ministro da Agricultura). Ainda que não tenha demonstrado força para manter seus correligionários, para Temer, a perda não foi absoluta, pois Cunha demonstrou capacidade inigualável de drenar recursos para o partido, beneficiando diretamente candidatos apoiados pelo então vice-presidente, como Chalita à prefeitura e Skaf ao governo de São Paulo. Os ganhos superaram as perdas. Houve acomodação sem desconforto.
 
O caso paradigmático é do FI-FGTS, definido pelos operadores como um mini-BNDES. Moreira Franco, segue a denúncia, teria ali identificado uma “oportunidade para fazer dinheiro”. A descoberta e o padrinho forte não lhe garantiram o cargo. Não foi páreo para Fabio Cleto, que ganhou o posto graças ao apoio da dupla Alves-Cunha, para a qual passou a operar.
 
O esquema montado na Caixa deslanchou com a adesão de novo aliado, nomeado para posto-chave no banco. Tratava-se de Geddel Vieira Lima, ex-desafeto de Cunha.
 
O mini-BNDES alimentou a J&F, garantindo que a empresa obtivesse empréstimos generosos, cruciais para seu crescimento. Vinculou-se aí o sucesso da empresa à proteção e ajuda com que contava no banco. Assim, formou-se uma sociedade entre a J&F e a cúpula do PMDB.
 
Funaro observou que as relações entre Cunha e Temer nem sempre foram amistosas. Os dois se reaproximaram à época do impeachment, premidos pelas ameaças contra os esquemas de que dependiam. Desde então “confabulavam diariamente, tramando a aprovação do processo e, consequentemente, a nomeação de Temer como presidente”.
 
A J&F, como se sabe pelas declarações de Joesley Batista, não permaneceu alheia às confabulações, engajou-se ativamente na trama. A conversa no estacionamento do Jaburu decorreu das adaptações feitas para tentar salvar o esquema. Foi o que colocou a J&F e os “rapazes” no mesmo barco. E a maior parte deles na prisão.
 

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

1 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. não se deixem enganar…

    a prisão de Cunha foi a vacina para evitar “corruptite” em três partidos, PMDB que governa,

    PSDB que apoia e DEM no banco de reservas

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador