Em vez de ceticismo e resignação diante de contexto adverso, por Arnaldo Cardoso

Evento “Bioeconomia na Amazônia a caminho da COP30” reuniu acadêmicos, pesquisadores, diplomatas e agências de fomento à pesquisa

Em vez de ceticismo e resignação diante de contexto adverso

por Arnaldo Cardoso

Em contexto marcado por abalos diários provocados por declarações e ações emanadas de Washington, sob o segundo mandato de Donald Trump na presidência dos Estados Unidos da América, nações de todo o mundo no último mês viram-se tomadas pela estupefação, incerteza e temor.

Interpretar as declarações e decidir quanto a melhor forma de reagir às ações passaram a demandar esforços de estrategistas e líderes mundiais.

Mostrando que seu ímpeto não se limitava à campanha eleitoral, nem a um discurso de posse voluntarista, autoritário, disruptivo e violento, na tradição dos tiranos, seus primeiros atos misturaram taxação de produtos importados, retirada do país de tratados internacionais e de agências multilaterais, ameaças de anexações de territórios, deportações e perseguições de minorias, demissões repentinas de contingentes de funcionários públicos, entre outras ações de similar truculência, desprezando processos e direitos e pondo em xeque as próprias instituições daquela que já foi tida como a mais estável democracia do mundo.

O silêncio das ruas nos Estados Unidos, diferente do que se viu no início do primeiro mandato, tem evidenciado a falta de estratégia e certa resignação de forças políticas e sociais, para o combate e resistência às arbitrariedades de Trump.

Mesmo com o ano de 2024 batendo novo recorde de temperatura e registrando uma série de eventos climáticos extremos em várias partes do mundo, como as chuvas e enchentes no Rio Grande do Sul e os tenebrosos incêndios na Califórnia, Trump cumpriu sua ameaça de tirar os Estados Unidos do Acordo do Clima de Paris, cancelar contribuições financeiras em programas ambientais multilaterais, eliminar subsídios e incentivos para programas de transição energética do país e declarou como um dos slogans de seu governo “perfure, baby, perfure” em alusão à indústria do petróleo.

Para cientistas, pesquisadores, empresários, lideranças políticas e sociais, organizações internacionais, bem como setores de governos, que nas últimas décadas empreenderam esforços para o desenvolvimento de soluções ambientalmente sustentáveis e da promoção de uma nova cultura comprometida com o futuro da vida na Terra, a leviandade das declarações de Trump, mesclando ignorância e deliberado negacionismo, e a irresponsabilidade de seus atos, já produziram estragos de difícil mensuração.

Para o Brasil, que neste ano sediará em novembro a Cop30 em Belém e a Cúpula dos BRICS em julho no Rio de Janeiro, os desafios que já eram grandes, se tornaram ainda maiores. O governo e a diplomacia brasileira têm evitado confrontos diretos com o governo americano e invocado o princípio da reciprocidade como parâmetro para as ações que se fizerem necessárias.

Testadas durante o governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), as instituições do Estado e da sociedade brasileira se mostraram resilientes e seu aprendizado deve servir para o enfrentamento de novo período de turbulências.

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Bioeconomia na Amazônia a caminho da COP30

Um bom exemplo disto pôde ser visto na semana passada, no evento “Bioeconomia na Amazônia a caminho da COP30” realizado no auditório da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), reunindo acadêmicos, pesquisadores, diplomatas, funcionários de ministérios e de agências de fomento à pesquisa como CNPq, FAPESP e outras. 

O evento organizado pelo Projeto Bioeconomia/FAPESP/CNPq cujos docentes responsáveis são os professores doutores Jacques Marcovitch e Maria Sylvia M. Saes, teve na parte da tarde da segunda-feira (10) uma mesa abordando resultados de pesquisas e reflexões sobre as “transformações no mundo e o lugar do Brasil” (Rubens Barbosa); “Amazônia: desafios e perspectiva” (Carlos Lazary – OTCA) e “Dinâmica agrária e desenvolvimento sustentável na Amazônia” (Danilo Araújo Fernandes -UFPA).

A exposição do experiente embaixador Carlos Lazary trouxe aos presentes importantes questões à luz do Tratado de Cooperação Amazônica como a necessária reativação das comissões especiais, a importância do Observatório Regional Amazônico para a produção e gestão da informação científica para apoio aos gestores de políticas públicas em nesse mesmo sentido, aões para o fortalecimento da UNAMAZ (Associação de Universidades Amazônicas).

Outro ponto alto do evento foi a exposição dos resultados de germinadora pesquisa do professor Danilo Araújo Fernandes da Universidade Federal do Pará que põe em discussão a substituição do paradigma da biotecnologia e do biorecurso (escala industrial) pelo paradigma da economia da sociobiodiversidade, valorizando dinâmicas de mercados locais.

A riqueza das exposições suscitou uma intensa participação dos presentes através de perguntas, respostas e outras contribuições para o debate. Foi importante constatar que o reconhecimento do contexto adverso não tem resultado em ceticismo e desmobilização, até mesmo o contrário, reforçando a máxima socrática do “é preciso bem conhecer para bem agir”.

A presença de pesquisadores provenientes de várias universidades do país deu mostras da força das universidades públicas brasileiras em seu importante papel no desenvolvimento da sociedade brasileira, rejeitando a passiva adaptação às contingências e submissão aos ventos do mercado, produzindo sim, conhecimentos emanados da diversa e complexa realidade brasileira, necessários para a superação de seus problemas e para uma interação altiva e soberana do país na comunidade internacional de nações.

A geração de energias renováveis e o desenvolvimento de sistemas agroflorestais para a produção de diferentes culturas sob um novo paradigma de desenvolvimento, são algumas das frentes que tem lançado luzes sobre nosso presente e futuro.

Ao final desse evento o professor doutor Pedro B. de Abreu Dallari, diretor do Instituto de Relações Internacionais da USP e coordenador da Cátedra José Bonifácio, projeto de apoio à pesquisa sobre assuntos ibero-americanos, compartilhou com os presentes parte de estudo realizado pelo acadêmico e que consubstancia recente artigo escrito para a publicação de obra coletiva da Universidade de Salamanca – Espanha, sobre os sistemas legais incidentes sobre a Amazônia brasileira.   

Atento aos desafios de governança da Amazônia brasileira, o estudo desenvolveu análise de marcos normativos nacionais e internacionais, oferecendo um quadro de pluralidade normativa para a região, importante para o enfrentamento dos desafios impostos à região.

Como já foi dito que são as tempestades e mares revoltos que fazem o bom navegador, realizações como a descrita reforçam a confiança de que o Brasil reúne recursos para enfrentar as adversidades e prover os alicerces de um futuro mais justo e próspero para todos.

Arnaldo Francisco Cardoso, cientista político (PUC-SP), escritor e professor universitário.

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