Escolha de Sofia entre Diminuição da Pobreza ou da Desigualdade
por Fernando Nogueira da Costa
A “escolha de Sofia” se refere a uma presa com seus dois filhos pequenos, um menino e uma menina, no campo de concentração de Auschwitz durante a II Guerra. Um sádico oficial nazista dá a ela a opção de salvar apenas uma das crianças da execução, ou ambas morrerão, obrigando-a à terrível decisão.
A esquerda, hegemônica em um governo, deve escolher entre as políticas para diminuir a desigualdade e as políticas para diminuir a pobreza? Ambas têm objetivos relacionados, mas abordagens e focos diferentes.
As políticas para diminuir a pobreza têm foco no alívio imediato. A assistência social direta fornece recursos ou serviços diretamente às pessoas em situação de pobreza, como alimentos, moradia, educação e cuidados de saúde. Entre outros exemplos, há programas de transferência de renda, como o Bolsa Família no Brasil, cupons de alimentação, e subsídios diretos.
A criação de oportunidades é feita por meio de programas de capacitação e qualificação profissional, visando aumentar a empregabilidade dos pobres. Os investimentos em educação básica e saúde melhoram o capital humano, isto é, a capacidade de ganho pessoal.
A redução de vulnerabilidades se obtém por meio de políticas cujo objetivo é reduzir a exposição a riscos. Entre outras, existe o seguro-desemprego e os programas de segurança alimentar.
Por sua vez, políticas para diminuir a desigualdade focaliza a redistribuição de renda e riqueza. Focam na redistribuição de recursos econômicos para reduzir a disparidade entre ricos e pobres. Incluem políticas fiscais progressivas, como impostos mais altos sobre rendas mais elevadas e sobre a riqueza.
A busca de igualdade de oportunidades visa assegurar a todos, independentemente de sua origem socioeconômica, terem acesso igual a oportunidades, como educação de qualidade e saúde. As políticas de ação afirmativa e cotas étnicas e/ou sociais em Universidades públicas são exemplares.
Bem-intencionados planejadores pretenderam a adoção de políticas reguladoras dos mercados, para garantir salários e condições de trabalho serem justos. Porém, deveriam permitir os preços relativos serem indicativos de boa alocação de capital.
Cabe sim evitar monopólios e incentivar a inclusão social de minorias e grupos marginalizados. Junta-se ao fortalecimento de instituições promotoras da igualdade, como sistemas de justiça acessíveis e igualitários, e mecanismos de participação democrática.
As diferenças chave entre essas políticas contra a pobreza e contra a desigualdade se iniciam na temporalidade e alvo de cada qual. As primeiras, geralmente, têm um foco mais imediato e específico, visando aliviar a condição atual dos pobres. As segundas são mais estruturais e de longo prazo, visando modificar as condições capazes de perpetuar a disparidade econômica e social.
Quanto ao âmbito, as políticas anti pobreza geralmente têm um escopo mais restrito, focando diretamente nos indivíduos ou grupos pobres. As políticas anti desigualdade têm um escopo mais amplo, abordando a distribuição geral de recursos e oportunidades em toda a sociedade.
O sucesso das políticas de combate à pobreza é medido pela redução do número de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza. Por sua vez, o sucesso das políticas de combate à desigualdade é medido pela redução das disparidades econômicas e sociais, como a diferença entre os 10% mais ricos e os demais mais pobres.
Portanto, enquanto as políticas para diminuir a pobreza buscam principalmente melhorar a situação dos mais desfavorecidos, de maneira direta e imediata, as políticas para diminuir a desigualdade buscam modificar a estrutura socioeconômica para criar uma distribuição mais equitativa de recursos e oportunidades. O problema é as experiências com socialismo real terem privilegiado o combate à desigualdade… e acabaram aumentando a pobreza!
Essas experiências ocorreram, especialmente, durante o século XX no bloco da União Soviética, China e outros Estados asiáticos, foram marcadas por um foco significativo na redução da desigualdade. No entanto, os complexos resultados dessas políticas variaram entre os contextos históricos e geográficos específicos.
Privilegiando a igualdade, planejaram fazer redistribuição de renda por meio da estatização das forças produtivas. O socialismo real implementou a coletivização da propriedade e a redistribuição de recursos na tentativa de eliminar as grandes disparidades econômicas. Isso envolveu a nacionalização de indústrias, a reforma agrária e a eliminação da propriedade privada dos meios de produção.
A economia centralmente planejada visava distribuir recursos e serviços de acordo com as pressupostas necessidades coletivas, em vez de deixar a alocação ao mercado, isto é, por meio de espontâneas compras e vendas dos agentes privados. A garantia de emprego, mesmo para trabalhadores incapazes, não deveria ser confundida com a garantia de habitação, educação e saúde para todos.
As políticas buscavam não apenas igualdade de oportunidades – todos partirem das mesmas condições iniciais –, mas também igualdade de resultados – igualação a posteriori dos perdedores em uma competição existente em mercado de trabalho –, tentando minimizar as diferenças de renda e status entre os cidadãos.
Contraditoriamente ao desejado, entre as consequências houve o aumento da pobreza. A centralização econômica levou a ineficiências produtivas, falta de incentivos para inovação e produtividade, e má alocação de recursos. Isso resultou em economias com recursos escassos e incapacidade de satisfazer plenamente as necessidades e aspirações da população.
Muitos países ditos “socialistas”, onde pressupostamente reinaria a abundância, enfrentaram problemas de escassez de bens e serviços essenciais, ou seja, pobreza. O racionamento tornou-se comum, e a qualidade de vida diminuiu, exacerbando a pobreza material.
A ausência de mercados livres e a repressão de empreendimentos privados limitaram a criação de riqueza e a mobilidade social. Sem mecanismos de mercado para incentivar a eficiência e a inovação, as economias com pretensões socialistas ficaram para trás em termos de desenvolvimento econômico.
Pior aconteceu quando os regimes socialistas passaram a manter seu partido único no poder através da repressão política, limitando liberdades individuais e políticas. A falta de pluralismo e democracia eleitoral resultou em governos sem responder adequadamente às necessidades e demandas de suas populações.
Embora o combate à desigualdade tenha sido uma prioridade, isso se deu à custa da eficiência econômica. A redistribuição sem um sistema de incentivos eficaz levou a uma economia menos dinâmica e menos capaz de gerar riqueza.
Reconhecidamente, as políticas socialistas melhoraram o acesso à educação, saúde e emprego para vastas parcelas da população anteriormente marginalizadas. No entanto, o modelo econômico não conseguiu sustentar o crescimento necessário para melhorar o padrão de vida de forma contínua.
A combinação de ineficiências econômicas, escassez e falta de incentivos para o progresso pessoal e econômico resultou em pobreza generalizada, mesmo em uma sociedade onde a desigualdade era menor em termos relativos. Portanto, o foco na redução da desigualdade, ocorrido nas experiências de socialismo real, levou a um aumento da pobreza, devido à falta de incentivos para inovação e produtividade dos agentes econômicos, além de políticas repressivas de modo a limitarem as liberdades econômicas e políticas para alternância de poder.
Os termos “eficiência” e “eficácia” são relacionados e usados juntos, mas não são sinônimos e descrevem aspectos diferentes do desempenho e do sucesso de atividades econômicas e sociais. A eficiência coloca o foco na otimização de recursos, enquanto a eficácia focaliza a obtenção de resultados. Idealmente, processos e ações devem ser tanto eficientes quanto eficazes, alcançando os objetivos desejados com o menor uso possível de recursos.
Quase todo o socialismo real, infelizmente, não obteve nem eficiência nem eficácia, fracassando no intento de privilegiar o combate à desigualdade em lugar de solucionar a pobreza. Nivelou a população por baixo – e a nomenclatura de maneira hierárquica por cima. Nós, companheiros de esquerda, devemos rever nossos conceitos e práticas em um debate plural e franco.
Fernando Nogueira da Costa – Professor Titular do IE-UNICAMP. Obras (Quase) Completas em livros digitais para download em http://fernandonogueiracosta.wordpress.com/). E-mail: [email protected].
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