Futebol: o louvor ao mau-caratismo, por Daniel Gorte-Dalmoro

Futebol: o louvor ao mau-caratismo, por Daniel Gorte-Dalmoro

Lembro de quando tinha meus dez anos, ouvir conversa dos adúltolos, que repetiam o que a mídia apregoava, que artes e esportes eram formas eficientes de manter jovens longe das drogas. Adúltolos porque duvido que eles ali – início da década de 1990 numa cidadezinha de fim de mundo do Paraná – tivessem a mínima noção das complexidades da questão das drogas e defendiam abstinência como prática “correta”, ignorando que drogas são várias – as legais, que matam no trânsito, no bar, em casa, e as do mal, que… que deixam as pessoas louconas, ou que matam por overdose, apenas, não por overdose como por abstinência -, assim como a forma de se relacionar com elas – do uso recreativo ao abuso -; e ignorando que o meio artístico é um local privilegiado de drogas – tanto o uso quanto o abuso, entre artistas, técnicos e produtores. Não compreendiam que o que de fato tira jovens das drogas nas artes é que a vida ganha novas possibilidades, outros significados, maior diversidade de prazeres – possibilidades que o mundo do trabalho não costuma oferecer -, deixando menos espaço para ser ocupado pelo abuso de drogas (ou de religiões embotadoras da vida e da alegria).

Nos esportes, menos explícito e louvado, as drogas – uso e abuso – não deixam de estar presentes, tanto entre profissionais, na exigência de alto rendimento subhumano (subhumano porque não acho que o homem-máquina seja sobrehumano, antes o contrário, sua degeneração, o abdicar de parte da humanidade em prol de números), quanto de amadores, na tentativa de imitar ídolos, alcançar padrões estéticos sugeridos pela mídia, quanto pela frustração em seguir humanos – sem recordes, com gorduras.

Acompanhando algumas partidas da copa do mundo (acompanhei quase todos os jogos da primeira rodada, um saco, jogos parecidos e modorrentos, muita tática e pouco jogo, ficam entre jogos de futebol do Mega-Drive 16 bits e uma uma quase versão para bola redonda de futebol americano), desconfio que, pior do que ouvia na infância, esportes não apenas não deixam jovens fora das drogas, como ajudam a forjar uma ideia gloriosa do mau-caratismo. Mau caráter que não se restringe ao seu expoente-mor, o perverso mimado que se supera dentro e fora das quatro linhas, o “menino Neymar” (conforme ouvi na narração radiofônica, visto que tenho um mínimo de amor próprio para não me rebaixar a ouvir Galvão Bueno, o locutor do fascio nacional, em sua sabedoria plena, universal, de grande pai do falo gigante).

Não lembro de quem li (acho que foi o Dráuzio Varela ou o Mino Carta), da primeira vez que foi a um estádio de futebol, década de 1950, assistir a uma partida de futebol, e saiu estarrecido com o cinismo em campo – jogadores simulando faltas para tentar enganar o juiz e levar a melhor. Imagino qual não seria o horror ao ver uma partida hoje. Pior: qual não seria o horror daquele menino ao ver o cai-cai, a simulação, o fingimento, o engodo louvados em alto e bom som para todo o território nacional como sinais de esperteza, comportamentos positivos, heróicos, ensinados às crianças desde a seus primeiros passos, conquanto que seja a favor de “nós” – qualquer semelhança com processos jurídicos e/ou políticos fraudulentos, mas louvador como divinos por alguns (que ostentavam a camisa canarinho, por sinal) porque a favor deles não parece ser mera coincidência. Agora se o resultado for contra o “nós”, independente que seja parte do jogo ou malandragem, resta indignação e clamar por justiça – aquela recusada aos outros. O gol da Suíça foi roubado, dizem, e é grande a ira por conta disso num certo país tropical – mas ninguém fala em devolver o pentacampeonato, nem se envergonha de ter ganho aquela copa com um gol irregular na primeira partida (por mais que isso pouco alterasse o resultado final do grupo). Neymar, o pai dos espertos, se irrita quando é feito de bobo, passa a se achar cheio da razão – a mesma razão que o autorizava a enganar.

É preciso ressaltar, ainda que Neymar seja o rei da velhacaria ludopédica (ele xingando o jogador costa riquenho é de uma finura exemplar), isso não é privilégio brasileiro: é o que há de mais corriqueiro nesta copa – mais que gols, mais que futebol. Nesta e em outras: vale lembrar que o México foi eliminado pela Holanda, em 2014, numa simulação vergonhosa de Robben. De volta à Rússia, no jogo entre Senegal e Polônia, por mais que eu estivesse torcendo para os africanos, deu vergonha o fingimento de Niang, que não apenas parou a partida para ser atendido de uma lesão de mentirinha, como ainda teve a sorte de ao entrar sobrar-lhe a bola para marcar o segundo gol. Desnecessário me alongar nos exemplos, há aos borbotões em cada jogo desse que é considerado o maior espetáculo esportivo do planeta. Se o uso do árbitro de vídeo tem ajudado os espertos a não se darem bem, ainda falta a Fifa decidir que de fato que se dêem mal – o cartão por simulação está aí, e toda partida acabaria por falta de jogadores em campo, se fosse aplicado. Menos drástico, bastaria estabelecer que jogador que seja atendido cumpra cinco minutos de espera antes de voltar a campo – afinal, diante das caretas feitas, é bom se certificar que não houve mesmo nenhuma vértebra quebrada ou uma hemorragia interna. Até lá, já seria de grande ajuda se o esporte pudesse ser usado como exemplo de ética – ou de falta de, já que os atletas servem antes de contra exemplo. Duro que os porta-vozes que a mídia nos impõe são tão anti-éticos quanto Neymar e seu cupinchas.

 

PS: uma dúvida se me abate desde o início da copa: com os jogadores jogando há muitos anos na Europa e alhures, o treino da seleção e a instruções são em qual idioma?

PS2: ainda que eu seja de longa data torcedor da escrete argentina, não dá para esquecer o “que vengan los macacos” de um jornal local em alguma final olímpica contra a Nígéria. Que vuelvan más temprano los hermanos (e que junto los acompañen Neymar e cia).

22 de junho de 2018

 

Conforme um amigo, Neymar, preocupado com a saúde do costariquenho, sugere ao adversário “tomar caju, suco da fruta”.

Redação

5 Comentários

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  1. A era do simulacro
    Já não importa mais “ser”. Nem mesmo, “ter”. O importante agora é “parecer” – e isso também se manifesta no esporte.

    Tipo o Neymarketing, que é apresentado como se craque fosse, mas que sempre “pipoca” nos momentos decisivos. Ainda assim, essa (infundada) imagem proporciona altos lucros aos patrocinadores.

  2. QUE IDIOTICE ESSE ARTIGO…

    QUE IDIOTICE ESSE ARTIGO… REALMENTE A DITA ESQUERDA QUER PUNIR O NEYMAR PORQUE ELE É ÍDOLO MUNDIAL, RICO E MUITO BEM SUCEDIDO.. AS CUSTAS DELE.   

    É UMA REPETIÇÃO DO FIZERAM JORNALISTAS COM PELÉ E OUTROS COM PAULO CESAR CAJU..

    DE FATO O BRASILEIRO E PRINCIPALMENTE JORNALISTAS TEM DESPREZO PELO SUCESSO DE BRASILEIROS..

    A INVEJA É UMA MERDA

     

  3. O herói midiático

    [video:https://youtu.be/079qeV0Vfdg align:center]

    Para mim, herói é o Caminhoneiro, que ousou enfrentar Temer para baixar o preço do combustível, o Professor que ganha merreca para formar cidadãos, o Trabalhador que rala durante o dia e tem de arrumar tempo para estudar se quiser melhorar de vida, etc. Não esse franguinho marketeiro.

  4. Neymar devia se naturalizar.
    Neymar devia se naturalizar. Todas as torcidas do mundo gostariam de ter ele nas suas seleções, menos a brasileira.

  5. Don’t touch

    Certa vez, um historiador da antiguidade ensinou que, para identificar os povos latinos que lutavam, bastaria ver os que se abraçavam no campo de batalha.

    Neymar foi flagrado pelas câmeras vituperando contra o juiz que apitou o jogo com a Costa Rica e tocou em seu ombro amistosamente enquanto lhe passava uma reprimenda merecida, sonoros “don’t touch”, assim como o Galvão Bueno contra um trabalhador russo.

    Os “don’t touch” de ambos rastaqueras são a prova mais cabal de que estamos completamente de quatro diante da “superioridade” anglo-saxã e que abdicamos de nosso país.

    PS: quando pinta coxinha gritando na área é sinal de que a matéria é boa, a exemplo do teorema do Brizola sobre a rede golpe de televisão.

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