Identitarismo é de esquerda?, por Vitor Fernandes

Mas a direita não é boba. Ela percebeu a força desses movimentos e viu neles uma forma de enfraquecer mais ainda o marxismo e seu discurso classista e resolveu trazer os movimentos identitários para si.

Identitarismo é de esquerda?

por Vitor Fernandes

Lembro de quando passava o documentário “the mask you live in” e um aluno conservador reclamou que queria assistir um documentário “de direita”, pois aquele seria “de esquerda”.

Nos últimos anos, o identitarismo tem sido visto como sinônimo de “esquerda” pela população.

A própria esquerda tem grande responsabilidade nisso. Ela foi abandonando cada vez mais o discurso de classe e substituindo pelo discurso identitário. Falas como “eu mulher, negra”, “eu mulher trans” ou “eu negro, lgbt”, foram crescentemente sendo enfatizadas e o discurso de classe tem se esvaziado. O próprio discurso de boa parte dos candidatos à esquerda nas últimas eleições foi muito mais identitário que classista.

Historicamente, esses movimentos têm origem claramente esquerdista. O feminismo sufragista surge no seio do movimento operário. O movimento negro historicamente foi associado à esquerda, com razão. O movimento LGBT ganhou força também no interior da esquerda. Figuras ilustres do feminismo e do movimento LGBT, como Simone Beauvoir e Focault, eram do partido comunista francês, só para dar uns exemplos. Então, naturalmente, esses movimentos são vistos como “esquerdistas”, pelas pessoas.

Mas a direita não é boba. Ela percebeu a força desses movimentos e viu neles uma forma de enfraquecer mais ainda o marxismo e seu discurso classista e resolveu trazer os movimentos identitários para si.

Os movimentos identitários liberais têm crescido exponencialmente nos últimos anos. E não é à toa. Eles são patrocinados pelas elites dominantes. A fundação Ford, a “open Society” de George Soros (bilionário chamado de esquerdista pelos olavistas), são só algumas das entidades de elite que apoiam causas identitárias.

Além destas temos as organizações globo e diversas empresas como “o boticário”, etc. que perceberam a onda e resolveram surfar nela, “apoiando” a causa da “representatividade”.

Legítimos representantes das elites como Armínio Fraga, chegam a bancar candidaturas negras, para fortalecer o “empoderamento”. E por que as elites fazem isso? Será que as elites que se beneficiaram do racismo estrutural desde sempre e ainda se beneficiam, resolveram se preocupar de fato com os negros? Quanta ingenuidade!

O fato é o seguinte: o identitarismo liberal está esfacelando a esquerda por dentro, sem que percebamos.

Armínio Fraga, “doou” R$30.000 reais para a campanha de um candidato à vereador da esquerda em Duque de Caxias, importante município do estado do Rio de Janeiro. Com isso, o candidato teria mais dinheiro para a campanha que a candidata à prefeita do partido no município. Isso é proibido pelo estatuto do partido e é princípio para qualquer organização socialista não receber dinheiro da burguesia. O que aconteceu então? O partido resolveu ignorar seu estatuto e o candidato não devolveu o dinheiro, e ficou por isso mesmo. Ficou com medo de ter fama de “racista”, pois o candidato e outros setores do movimento negro acusaram o partido de “racista”, quando ensaiou uma punição ao candidato.

Então, se o candidato for negro, mulher ou LGBT, fica isento de cumprir o estatuto e defender um princípio básico do socialismo: não ser bancado pelas elites.

O maior nome hoje do “empoderamento negro” é a filósofa Djamila Ribeiro que fez propaganda para a empresa 99 taxis no contexto de uma grande greve nacional dos aplicativos anunciada, para combater a exploração do trabalho dos motoristas, que em grande proporção são negros.

E muita gente acreditou que, por ser uma mulher negra fazendo uma propaganda em uma grande empresa, significa “empoderamento negro” ou da “mulher negra”, que no caso está trabalhando para melhorar a imagem de uma empresa que explora os trabalhadores. Muitos deles negros. Mas como Djamila é uma mulher negra, tem “licença” para defender as elites no contexto de uma greve e ainda ser vista como “de esquerda”.

Aqui no Rio de Janeiro, Eduardo Paes, eleito prefeito do Rio novamente, escolheu para o cargo de Secretária de Ações Comunitárias na prefeitura, uma mulher negra, Marlí Peçanha, e foi visto como um “aceno à esquerda”. Pergunto: o governo de Paes se tornará menos direitista por ter escolhido uma mulher negra para ocupar uma Secretaria (e de pouca importância)?

O governo dos EUA eleito, terá como vice-presidenta uma mulher negra Kamala Harris. Binden nomeou Shawn Skelly, uma militar veterana transexual, para integrar a sua equipe de transição que avaliará o Departamento de Defesa. Ela é ex-comandante da Marinha americana. Isso torna o governo dos EUA menos direitista? Invadirá menos países, inclusive africanos, como a Líbia, invadida e destruída por Obama?

O que quis mostrar acima é como o identitarismo, particularmente em sua versão liberal, que fala em empoderamento das minorias, pode ser uma cilada, se abandonarmos a luta de classes. A direita está sabendo jogar muito bem esse jogo e está vencendo a batalha.

O identitarismo não é de esquerda. Pode ser, mas não é essencialmente. Tanto que os movimentos identitários liberais, impulsionados pelas elites financeiras e midiáticas, ganham cada vez mais força e se passam por “esquerdista”. E ai de você criticar, como faço aqui, será chamado de “homem”, “branco”, “hétero” e “cis”, como se isso fosse ofensa.

Claro que uma grande parte dos movimentos identitários não abdicam da luta contra a exploração de classes e é claro que a luta contra as opressões de gênero, “raça” e sexualidade são fundamentais e não se opõem intrinsecamente ao marxismo. Eles representam uma luta que não pode ser negligenciada, e as opressões não se limitam às classes sociais, mas a diversos aspectos.

No entanto, a direita está utilizando as pautas identitárias para si e para esfacelar a esquerda, como já está acontecendo.

Ou criamos coragem para fazer esse debate sem medo de “cancelamento” ou daqui a pouco, perderemos mais essa batalha de ideias para a direita.

2 Comentários

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  1. Identitarismo talvez seja um bom carro-chefe para a esquerda em países remediados, não onde o básico está por se fazer e com uma população extremamente conservadora e religiosa. Aqui, a ênfase que a esquerda vem dando ao assunto (caindo como um patinho na armadilha que lhe armaram), que deveria ser UMA das pautas, não A pauta, mostra uma perda de rumo e completa falta de estratégia.

    A direita liberal tradicional, que é mestra nisso, claramente já instrumentaliza a questão para se diferenciar de Bolsonaro – afinal, o que lhes importa é a pauta econômica, não a de costumes. Já a extrema-direita se vale do fato para criar espantalhos e manter sua base unida, enquanto comunga do mesmo ideário neoliberal. Pobres com os radicais, classe média e ricos com os liberais.

    Ficamos assim: direita liberal e extrema-direita criam uma falsa polarização, que pauta o debate público, enquanto mantêm o consenso naquilo que interessa ao poder de fato, a bufunfa. E a esquerda fica com jeito de cachorro que caiu de caminhão de mudança, completamente desnorteada, ou pior, correndo atrás da jamanta da direita liberal.

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