Liberdade Preta!, por Gustavo Roberto Costa

Liberdade Preta. É a luta de enfrentamento. É Dandara. É Mahín. É Benguela. É Marielle. É Djamila. É Preta. É a recusa do descanso. São as origens. As antepassadas. Uma história de injustiças graves.

Liberdade Preta!

por Gustavo Roberto Costa

Liberdade Preta. É a justiça sendo feita. É a presunção correta (da inocência). É o processo devido. São os direitos humanos florescendo. São pequenas batalhas sendo ganhas. É a coragem de jovens advogados aparecendo – e ficando para a história. É o pouco conquistado (a legalidade), mas que não podemos perder. São os irmãos sul-americanos se rebelando – e a máscara da traição caindo.

Liberdade Preta. É o respeito à luta diária. À luta de vida inteira. À luta que não para jamais – quilombos, balaiada, sabinada, cabanada, malês e alfaiates. Marighella. “Quando as leis são injustas, nosso dever é desrespeitá-las”, disse alguém. É a Revolução: Haiti, México, Guatemala, Cuba, Nicarágua. É a luta que mora no continente. São as mortes e torturas que, incrivelmente, não causam medo.

Liberdade Preta. É a luta de enfrentamento. É Dandara. É Mahín. É Benguela. É Marielle. É Djamila. É Preta. É a recusa do descanso. São as origens. As antepassadas. Uma história de injustiças graves. Todas praticadas “em nome da lei”. Uma história de choros contidos. Da espera angustiante pelo grito de liberdade (que muitas vezes nunca veio) – e como é bom o cheiro da liberdade, deve ser ainda melhor quando liberto de um longo sufoco.

Liberdade Preta. É a democracia plena. É a cidadania. É a tolerância. É o fim do egoísmo. É o fim do rentismo. O fim da exploração. O fim do roubo institucionalizado – “são violentos os que causam a desigualdade social e não os que lutam contra ela”, disse um indígena equatoriano. Injustos são os que tiram dos pobres aposentados para dar aos bancos. Injusto é não se ter terra, trabalho e pão. É a resistência. É Bolivar. É José Martí.

Liberdade Preta. É o poder para o povo preto. É o poder para quem conhece de perto e sabe o significado da palavra “justiça” sem nunca ter lido um código. É a comemoração pela liberdade – como pode a comemoração da prisão e da morte ser normal e a da liberdade oprimida? Eu comemoro a liberdade sem pudor (estou com a caixa de rojões preparada). A quem regozija com a prisão alheia só resta a dó (estão presos e não sabem).

Liberdade Preta. É a música. A arte. A poesia. Neruda. Galeano. García Márquez. Victor Jara. Mercedez Sosa. Beth Carvalho. Mano Brown. É a favela. A comunidade. A quebrada. A ocupação. O samba. A parceria. A ausência de preconceito. A ausência do medo. A ausência de competição. É a cordialidade, a cooperação, a solidariedade. Outra vez a liberdade. Sempre a liberdade.

Liberdade Preta. É a falência de um sistema. É a liberdade para os injustamente presos, muitos dos quais pretos; todos pobres. É o fim da guerra às drogas. É o fim da guerra aos pobres. É o fim dos tiroteios, das crianças mortas, de todos os mortos. É o fim da prisão – cuja história se confunde com a história da luta por sua extinção. É a educação. É a instrução. É a leitura, a teoria e a prática.

Liberdade Preta. É a superação. A superação da exclusão. A superação do preconceito, da discriminação. É o olho no olho e o dente por dente. É o fogo no patriarcado. É a paz – consentida e não imposta. É a voz. É o debate. É a implosão do império. É o fim das amarras. É o pertencimento. É a raiz. A pátria verdadeiramente livre. O fim de uma era. O fim da era em que existiram a homofobia, o racismo e o machismo.

É o último respiro do reacionarismo.

Gustavo Roberto Costa – Promotor de Justiça em São Paulo. Membro fundador do Coletivo Transforma MP e da ABJD – Associação Brasileira de Juristas pela Democracia. Associado do IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

Redação

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  1. Tereza de Benguela
    Por Jarid Arraes
    Na história do Brasil
    Nas escolas ensinada
    Aprendemos a mentira
    Que nos é sempre contada
    Sobre o povo negro e índio
    Sobre a gente escravizada.

    Nos contaram que escravos
    Não lutavam nem tentavam
    Conquistar a liberdade
    Que eles tanto almejavam
    E por isso só passivos
    Os escravos se ficavam.

    Ô mentira catimboza
    Me dá nojo de pensar
    Pois o povo negro tinha
    Muita força exemplar
    E com muita inteligência
    Sempre estavam a lutar.
    Um exemplo muito grande
    É Tereza de Benguela
    A rainha de um quilombo
    Que mantinha uma querela
    Contra o branco opressor
    Sem aceite de tutela.

    No estado Mato Grosso
    Tinha o tal Quariterê
    Um quilombo importante
    Para livre se viver
    Cooperando em coletivo
    Guerreando pra vencer.

    José Piolho era o marido
    Mas chegou a falecer
    Então Tereza de Benguela
    Veio pois rainha a ser
    Liderando com firmeza
    Na certeza de crescer.

    No quilombo liderado
    Era possível encontrar
    Estrutura de política
    Que seria de invejar
    E a administração
    Também era exemplar.
    Tinha armas poderosas
    Pra lutar e resistir
    Com talento pra forjar
    Se botavam a fundir
    Objetos muito úteis
    Para a vida construir.

    As algemas e outros ferros
    Que serviam de prisão
    Lá na forja transformavam
    Pra outra utilização
    E com muita habilidade
    Tinham outra intenção.

    O quilombo tinha armas
    Pela troca ou por resgate
    E com muita resistência
    Suportavam esse embate
    Libertando muita gente
    Pela via do combate.

    O sistema muito rico
    Tinha até um parlamento
    E também um conselheiro
    Pra rainha embasamento
    Que exemplo grandioso
    Era o gerenciamento!
    Além disso ainda tinha
    O plantio de algodão
    E também lá se tecia
    Pra comercialização
    Os tecidos que vendiam
    Fora da quilombação.

    As comidas do quilombo
    Que ali eram plantadas
    Dividas entre todos
    Também comercializadas
    Tudo aquilo que sobrava
    Para venda enviadas.

    Tinha milho e macaxeira
    E também tinha feijão
    Sem esquecer a banana
    Com fins de alimentação
    E as sobras, como disse
    Pra comercialização.

    Foi por isso que Tereza
    Duas décadas reinou
    Com a força do quilombo
    Que com garra liderou
    E por isso pra história
    A rainha então ficou.

    Em 1770
    Quariterê foi atacado
    Por Luiz Pinto de Souza
    o Coutinho era enviado
    Pelo sistema escravista
    O quilombo era acabado.

    A população de negros
    Setenta e nova se contavam
    E a população de índios
    Tinham trinta que restavam
    Foram presos, foram mortos
    Pelos que assassinavam.

    De acordo com o registro
    Tereza foi capturada
    Mas depois de poucos dias
    A rainha adoentada
    Acabou-se falecendo
    Da mazela ali tomada.

    E os brancos matadores
    A cabeça lhe cortaram
    Exibindo em alto poste
    Pra mostrar aos que ficaram
    A maldade desses brancos
    Que do racismo enricaram.

    Na história brasileira
    Ela deve ser lembrada
    Como uma grande heroína
    Para sempre memorada
    Pela sua força e mente
    Sempre homenageada.

    Dia 25 de Julho
    É o dia de lembrar
    De Tereza de Benguela
    Pois rainha exemplar
    Foi durante sua vida
    Sem jamais silenciar.

    Que exemplo inspirador
    Que mulher tão imponente
    Foi Tereza de Benguela
    Uma deusa para a gente
    Que até hoje não desiste
    Dessa luta pertinente.

    Me revolta esse país
    Que não fala na história
    Dos seus feitos grandiosos
    E de toda a sua glória
    O silêncio é explicado
    Pela vil racista escória.

    É por isso que escrevo
    Mulher negra também sou
    E registro de Tereza
    O legado que ficou
    Pois bem poderosamente
    A Tereza aqui reinou.

    Faço humilde reverência
    E saúdo a sua história
    Agradeço pela luta
    Que me foi dedicatória
    Ao racista esquecimento
    Faço uma denegatória.

    Mulher negra de coragem
    E também de inteligência
    Com talento e liderança
    Com imensa sapiência
    Foi Tereza de Benguela
    Fonte de resiliência.

    Que seus feitos importantes
    Não mais sejam esquecidos
    Que o racismo asqueroso
    Não lhes deixe escondidos
    Pois são para o povo negro
    Exemplos fortalecidos.

    Oh Tereza de Benguela!
    Nosso espelho ancestral
    Sua alma ainda vive
    E entre nós é maioral
    Nós honramos sua luta
    Sua força atemporal!

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