Marielle, a facção das milícias, e umas lembranças, por Gustavo Gollo

A mais poderosa e ameaçadora facção criminosa do país tem relações estreitas com o Estado, capaz de gerar um projeto de lei cuja possível aprovação resultará no abono de assassinatos

Em abril de 2005, oito agentes do 15º Batalhão de Duque de Caxias foram captados por uma câmera desovando um par de corpos degolados. O flagrante gerou indignação e uma tentativa de moralização da polícia resultante na imputação de sanções por má conduta sobre mais de 60 PMs, ação que revoltou violentamente um bando de policiais, instigando-os a sair caçando e matando jovens pobres e escuros pela Baixada Fluminense.

29 deles foram assassinados como demonstração de desagrado pelas sanções.

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No dia 14 de maio de 2018, a TV Globo iniciou uma série de reportagens nas quais denunciava o crescimento da mais poderosa fação criminosa do país, a facção das milícias. A série, denominada “Franquia do Crime”, expunha as íntimas relações entre a facção criminosa e o estado, denunciando a participação de policiais, juízes, políticos e agentes do estado, em geral, como copartícipes da facção criminosa apresentada, frequentemente, sob um véu de benignidade.

No mesmo dia, 4 policiais foram presos por envolvimentos com a facção das milícias.

No início da noite, Marielle Franco, vereadora que vinha denunciando assassinatos cometidos por policiais, foi executada.

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Quando os policiais chegaram ao local do crime, reconheceram, de imediato a assinatura da execução, tratando de liberar as testemunhas que se apresentaram, desnecessárias em casos como aquele – a facção das milícias possui amplo apoio entre a polícia. (Um mês depois, algumas testemunhas foram encontradas por um jornal e convocadas para participar da reconstrução do crime, efetuada em decorrência da estrondosa repercussão que o assassinato recebeu, no mundo todo).

No local do crime, a repercussão imediata da execução obrigou a tomada de certas providências, como o recolhimento das cápsulas das balas disparadas – que se encontravam ao redor do carro atestando que o motorista assassinado junto a Marielle foi obrigado a estacionar o carro antes de ser alvejado pelo atirador que chegava em outro veículo. A participação dos 2 carros foi amplamente divulgada por todos os meios de comunicação, mas convenientemente esquecida por todos eles, após a prisão de 2 suspeitos, apresentados pela polícia como executores e mentores exclusivos do crime, dando o caso por esclarecido.

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Com o apoio e participação de vasto contingente de policiais, juízes, promotores e políticos, incluindo agora o governador do estado e o presidente da república – que não fazem segredo de suas simpatias pela facção das milícias –, a facção criminosa recebe também a cobertura dos meios de comunicação, fato evidenciado pela deferência e enorme respeito com os quais todos os grandes meios de comunicação tratam os membros dessa facção. Note como, ao contrário de prática firmemente estabelecida nas páginas policiais, os suspeitos pelo assassinato de Marielle são tratados pelo nome, não por apelido, ou como a vida pregressa dos matadores tem permanecido em circunspecto sigilo. O enorme zelo empenhado pelos grandes meios de comunicação do país no estabelecimento de uma boa reputação da facção criminosa se estende também a seus membros.

Honraria ainda mais insigne que a do acusado tem sido atribuída ao suposto chefe do Escritório do Crime – bando de assassinos remunerados –, alçado à condição de intocável, dada a intimidade de suas relações com a famiglia do presidente.

A facção das milícias é, hoje, a mais poderosa e ameaçadora facção criminosa do país dada a estreiteza de suas relações com o estado, capaz de gerar um projeto de lei cuja possível aprovação resultará no abono de assassinatos perpetrados por componentes fardados dessa organização. A possível aprovação de tal lei permitirá que a facção criminosa arreganhe seus dentes, revelando-se e impondo-se a todo o país sem qualquer possibilidade de controle.

Veja também:

https://jornalggn.com.br/justica/conspiracao-1-o-escritorio-do-crime/

https://jornalggn.com.br/noticia/conspiracao-2-a-franquia-do-crime/

https://jornalggn.com.br/opiniao/uma-pedra-sobre-o-assassinato-de-marielle-franco/

Redação

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