Conspiração 1: O Escritório do Crime, por Gustavo Gollo

Poderão os meios de comunicação se unir em torno de uma mentira? Não terá tal hipótese um caráter conspiratório, lançando dúvidas inverossímeis?

Conspiração 1: O Escritório do Crime
por Gustavo Gollo

“Conspiração” refere-se a qualquer explicação alternativa às veiculadas pelos grandes meios de comunicação. O rótulo desabonador costuma ser lançado mais frequentemente às narrativas que denunciam ações dos poderosos, donos, aliás, dos meios cujas informações são negadas.

A designação se refere, também, a um conjunto de invencionices tresloucadas inventadas por espíritos de porcos, uns deles puros e simples, outros, mau intencionados e imbuídos do propósito de confundir e desacreditar denúncias legítimas – assunção que pode ser acusada de conspiratória. A tendência a filiações radicais, especialmente em voga atualmente, permite a definição e segregação entre os grupos de conspiracionistas e não-conspiracionistas, e a consequente atribuição, em bloco, da pletora de absurdos englobados pelo rótulo a quem se atreva a admitir qualquer das denúncias.

O radicalismo consequente da admissão “tudo ou nada” resulta, por um lado, na aceitação subserviente de qualquer determinação veiculada pelos meios de comunicação, e por outro, na pecha de lunático, por, supostamente, admitir os disparatas gritantes englobados pelo conjunto das conspirações. O círculo difamatório se fecha ao se notar que a própria tentativa de esclarecimento do significado da expressão e de seu uso enquanto instrumento de invalidação de denúncias, pode ser tratado como uma conspiração, imunizando, assim, a difamação através do rótulo “conspiração”.

Como o rótulo pode ser aplicado às críticas sobre uso do próprio rótulo, a denúncia do uso da expressão “conspiração” como instrumento de validação de mentiras veiculadas pelos grandes meios de comunicação tende a ser vista, ela também, como conspiratória. O resultado dessa dinâmica é a impossibilidade de crítica de qualquer mentira que venha a ser veiculada pelos grandes meios de comunicação.

Mas, poderão os meios de comunicação se unir em torno de uma mentira? Não terá tal hipótese um caráter conspiratório, lançando dúvidas inverossímeis?

Analisemos um caso.

Conspiração 1: O Escritório do Crime

Em 19 de agosto de 2018, O Globo publicou um estupendo furo de reportagem esclarecendo em detalhes nada menos que o assassinato de Marielle Franco, tragédia que havia atingido, meses antes, o maior acesso das pesquisas do google mundial.

De acordo com a reportagem bombástica, a execução de Marielle teria sido cometida pelo Escritório do Crime, um bando de matadores profissionais altamente treinados – a morte do motorista teria sido um efeito colateral. Revelando uma intimidade inusitada com os assassinos, a reportagem especificou não só o preço cobrado originalmente pelo serviço, R$ 200 mil, como informou que esse valor teria sido acrescido, posteriormente, de um ágio, em decorrência da inesperada repercussão do fato.

A surpresa causada pela revelação bombástica só foi superada pela constatação de que nenhum dos grandes meios de comunicação ecoou a notícia! NADA FOI DIVULGADO SOBRE O ASSUNTO NOS GRANDES JORNAIS BRASILEIROS nos dias seguintes (digite “escritório do crime” no google e confirmará a informação). A única “exceção”, na TV, consistiu em reportagens da Globo, no mesmo dia.

Nas semanas seguintes, estupefato com o mutismo geral, perguntei em sucessivas publicações, aqui no ggn, sobre a razão de tal silêncio. Teria sido a notícia uma mentira de O Globo para aterrorizar seus leitores? Ou a existência dos profissionalíssimos Matadores de Aluguel, descritos tão detalhada e intimamente pelo Globo, consistia em notícia tão banal que não merecia comentários?

Quem está protegendo os assassinos de Marielle?, por Gustavo Gollo

Marielle Franco e o Escritório do Crime, por Gustavo Gollo

Recapitulemos:

O maior jornal do país publica uma notícia bomba esclarecendo um crime de repercussão mundial, e revelando a existência de uma organização de matizes hollywoodianos: um bando de assassinos altamente treinados executando serviços sob encomenda por todo o país.

Nos dias seguintes, nenhum outro grande meio de comunicação do país se refere ao fato!

Posteriormente, o próprio jornal veiculador da notícia, O Globo, se esquece da ocorrência e não volta mais se referir a ela! Como explicar a estranha amnésia do jornal, e o contágio do esquecimento a todos os grandes meios de comunicação do país?

Terá havido uma conspiração entre os grandes jornais do país estabelecendo um pacto de silêncio sobre o Escritório do Crime? Por que todos se calaram?

Reconheço que o conjunto de fatos descrito acima parece inverossímil, não é possível uma cadeia de fatos tão disparatada tenha ocorrido! Por essa razão, insisto: digite ‘Escritório do Crime’ e tente encontrar notícias sobre o assunto em grandes jornais em data logo posterior à notícia.

Escritório do Crime: o retorno

Parcas referências ao sindicato dos criminosos só retornaram à baila mais de um mês depois, e de maneira um tanto oblíqua, na forma extravagante de uma denúncia oferecida por um dos suspeitos pelo mando do crime. Apenas em 22 de setembro, mais de um mês após a notícia original, o Metro Jornal volta a se referir ao Escritório do Crime, dessa vez tomando como fonte denúncias de um presidiário encarcerado havia mais de um ano, e que, obviamente, repassava informação de segunda mão.

Sob tal roupagem, a notícia dava início a uma velhacaria que viria a ser consolidada mais de um mês depois, quando a Procuradoria Geral da República resolveu acossar os investigadores do caso, instaurando uma ameaçadora investigação das investigações, na virada outubro/novembro.

Um dos propósitos alegados para o estabelecimento de tal ingerência era a suspeita da existência de grupos organizados com o intuito de atrapalhar as investigações, embora tal ação pudesse dar a impressão de ter exatamente essa intenção.

A armação picaresca tinha ares decididamente sarcásticos, garantida pela confiança absoluta nos padrinhos dos assassinos. Note que, assim como o próprio assassinato de Marielle, o escárnio com que o fato era tratado tanto pelos meios de comunicação, quanto pelas altas esferas governamentais, não deixava margem de dúvidas sobre o poder da rede de proteção dos assassinos.

Eis uma sinopse da comédia:

O principal acusado de mandante do crime, de acordo com os jornais – um presidiário detido quase um ano antes do crime –, apresenta uma estranha denúncia sobre a existência de um grupo de matadores de aluguel conhecido como Escritório do Crime. (Os jornais parecem não saber, mas a denúncia corresponde à oferecida meses antes pel’O Globo).

A macabra acusação, exteriorizada pelo criminoso no interior de um presídio em Mossoró, no RN, chega aos ouvidos da Procuradora Geral da República, que decide se inteirar do fato.

Com base no depoimento do presidiário, colhido em seguida, e do depoimento de um policial referido pelos meios de comunicação e polícia como “testemunha chave do crime”, a PGR organiza uma ação para investigar os investigadores do assassinato.

A “testemunha chave”, um policial/miliciano, dava cobertura aos chefes de sua milícia quando, durante um almoço em um restaurante movimentado, ouviu de seus patrões uma ameaça a uma mulher que os estaria atrapalhando. O fato teria ocorrido aproximadamente um ano antes do crime. A mulher referida teria sido Marielle, uma desconhecida, na época.

Note que, se o depoimento oferecido pelo policial é absolutamente irrelevante com respeito ao assassinato (você se lembraria do nome de uma desconhecida pronunciado um ano antes? Não estaria o policial ressentido com os ex-patrões? Um ano depois de apresentada em um local público, a ameaça genérica viria a ser realizada?), a confissão de participação na quadrilha de milicianos tem absoluta credibilidade, além de revelar a confiança absoluta nos padrinhos dos criminosos e de justificá-la, ao se constatar que o criminoso confesso continuou, com absoluta naturalidade – sem estranhezas por parte da polícia, nem da imprensa, nem do Ministério Público estadual, nem da Procuradoria Geral da República –, fazendo parte dos quadros policiais. Posso apostar que Hollywood teria “corrigido” essa falha, ou adicionado algo que justificasse a incredibilidade de tal roteiro.

O depoimento do policial/miliciano é exatamente a fonte das suspeitas do assassinato sobre o presidiário no RN que ressuscitou as denúncias sobre o Escritório do Crime!

Desse modo surpreendente, a sinuosidade da trama garantiu que os depoimentos dos criminosos conferissem ao Escritório do Crime a credibilidade que o maior veículo de comunicação do país não lhe havia conseguido atribuir!

E foi assim que os saltimbancos que urdiram a velhacaria induziram a PGR a investigar os investigadores do assassinato, e pressioná-los, sob o pretexto de estarem, eles, atrapalhando as investigações.

Sem compartilhar do mesmo senso de humor dos pícaros, a procuradora geral não achou a menor graça na trama, na qual havia sido envolvida, e em 21 de fevereiro mandou agentes da Polícia Federal cumprirem 8 mandados de busca e apreensão supostamente para apurar possíveis ações que estariam sendo praticadas para obstruir as investigações do assassinato de Marielle. Entre os alvos estavam os articuladores da velhacaria, incluindo o policial/miliciano delator e o delegado da PF que teria colhido os depoimentos do presidiário, no RN.

Desse modo, a irada procuradora lançou sobre os histriões a acusação inventada por eles próprios, demonstrando um senso de humor cáustico ao encerrar a burla rindo por último – se esse é mesmo o final da comédia.

Mas já me estendo demasiadamente sobre o caso, razão pela qual retorno ao tema original para concluir com uma pergunta a ser respondida pelos que negam a possibilidade de conspirações:

Por que todos os grandes meios de comunicação se calaram sobre o Escritório do Crime, quando denunciado pelo maior meio de comunicação do país?

Redação

2 Comentários

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  1. Quem sabe, o interesseiro jogo com os poderes, telhados de vidros e interesses políticos/financeiros? Poderá estar aí, com indícios flagrantemente comprovados, a razão da total falta de credibilidade que a população nutre pela grande mídia brasileira. Talvez alguns dos motivos possam ser: a parcialização, a falta de isenção, a falta da liberdade, a ausência de transparência, a omissão, a seletividade, o partidarismo, a falta de ética, a conivência, a covardia e a indigna denominação de que a imprensa é livre.
    Imagino que se sintam livre para morder e assoprar, para jogar nos dois lados, para serem inconstantes e inconfiáveis, para trair seus leitores e a nação.

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