“Só crise econômica não explica ascensão da extrema-direita na Europa”

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Por Patrícia Dichtchekenian

Do OperaMundi

De volta ao Brasil para relançar livro, sociólogo radicado em Paris analisa as origens e o impacto de onda ultraconservadora no continente europeu
 
Sociólogo assina livros após palestra na USP

“Acho que é a primeira vez desde os anos 1930 que há uma ascensão espetacular da extrema-direita na Europa, em quase todos os países do continente”, afirma o sociólogo marxista Michael Löwy, em entrevista a Opera Mundi. “E qual é a explicação? Geralmente, se fala na crise econômica. Isso, sem dúvida, é um fator importante, mas a crise não explica tudo”.

Um dos maiores pesquisadores das obras de intelectuais como Karl Marx, Leon Trotski, Rosa Luxemburgo e György Lukács, o especialista brasileiro radicado na França passou por São Paulo na última semana para promover a reedição do livro Revolta e melancolia: o romantismo na contracorrente da modernidade (Ed. Boitempo, R$ 57, 288 págs), escrito em coautoria com o professor norte-americano Robert Sayre.

Na obra, Löwy parte de uma análise marxista do romantismo, não como escola literária, mas como visão de mundo contra a civilização moderna e industrial, reivindicando o resgate de valores do passado que se perderam com o progresso capitalista. Embora tenha sido escrito há 20 anos e faça referências desde Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) até Walter Benjamin (1892-1940), o livro permanece atual por tematizar novas alternativas de pensamento à era pós-capitalista.

“O fascismo tem raízes profundas na Europa. A globalização capitalista cria uma homogeneização econômica cultural que gera fenômenos de pânico identitários sobre questões nacionais, étnicas, religiosas que vão ao sentido da extrema-direita”, argumenta. “Mas não há uma só explicação. É um fenômeno complexo, que tem características diferentes em cada país”, completa o sociólogo.

Ademais, Löwy considera que o que agravou o cenário foi a adoção do que chama de “receituário de políticas neoliberais”, como a austeridade, por parte de partidos que representavam sindicatos de trabalhadores e setores da social-democracia europeia. “Isso então provocou um estado de ânimo de amargura, de desespero em setores culturais, mas que tem sido capitalizado pela extrema-direita, não pela esquerda”, acredita.

Grécia, Espanha e Portugal x Suíça e Áustria

Para o especialista brasileiro, outro motivo sustenta que a crise econômica não explica por si a ascensão da extrema-direita no continente europeu: o fato de que as nações mais atingidas pela crise — isto é, Grécia, Espanha e Portugal – são os três lugares onde a extrema-direita não conseguiu se instalar totalmente.

Pelo contrário: desde janeiro de 2015, o partido de esquerda Syriza está à frente do poder em Atenas. Por sua vez, o movimento progressista Podemos ganha cada vez mais espaço em Madri, desenvolvendo inclusive uma filial lusitana em Lisboa.

Na outra direção, Löwy destaca que países menos atingidos pela crise financeira — como Suíça e Áustria — são focos em que a extrema-direita ganhou mais espaço comparativamente. Nesses casos, parlamentares de legendas como do Partido Popular Suíço e do Partido da Liberdade da Áustria fazem declarações racistas e xenófobas cotidianamente dentro da agenda oficial desses governos.

Mas a crise não explica tudo. Há outros fatores históricos, como o colonialismo e o preconceito com povos como os ciganos, que ajudam a entender a expansão ultraconservadora. “A França é um país em que a mentalidade colonial ainda é muito forte. Passou por guerras coloniais violentíssimas, brutais e nunca conseguiu superar essa mentalidade”, aponta.

Aos olhos do sociólogo, contudo, essa onda de extrema-direita não é homogênea, mas apresenta pelo menos três modelos partidários diferentes: os que se proclamam diretamente neo-nazistas ou neo-fascistas (como o partido grego Aurora); os que possuem uma matriz fascista, mas que tentam modernizar um pouco seu discurso, deixando de fazer referência direta ao nazismo, mas mantendo o mesmo fundo intolerante (como o Frente Nacional, da família Le Pen, na França); além de partidos novos que têm caráter racista, xenofóbico e islamofóbico, mas sem raiz fascista (como o Ukip, no Reino Unido).

Para além dessas categorizações, Michael Löwy está interessado em reivindicar o que chama de romantismo revolucionário. Apesar do projeto marxista de emancipação pela via racional ter fracassado em diversos aspectos ao longo do último século, o sentimento de melancolia descrito em sua obra não deve ser entendido como uma resignação. “O pessimista não é um resignado”, diz o socólogo. “Já disse Benjamin em um texto de 1929: ‘O revolucionário é um pessimista. Ser revolucionário é organizar o pessimismo’”.

SERVIÇO/ LIVRO:
Título: Revolta e melancolia: o romantismo na contracorrente da modernidade
Título original: Révolte et mélancolie: le romantisme à contre-courant de la modernité
Autor: Michael Löwy e Robert Sayre
Tradução: Nair Fonseca
Orelha: Marcelo Ridenti
Páginas: 288
ISBN: 978-85-7559-437-7
Preço: R$57,00

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

6 Comentários

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  1. Leiam ou vejam (Youtube) + de Lowy

    (Não se precisa concordar sempre com ele – p. ex., ele é guru da DS e votou, defendeu Luciana (tudo bem), mas só vê críticas à atual Presidenta. E eu considero muito cedo criticá-la (em conjunto). Ele tem uma exposição (youtube que já postei nalguma seção) sobre leitura superficial de uma frase perdida sobre religião em Marx.

  2. Lá, como também aqui, a

    Lá, como também aqui, a direitona descobriu que com capital suficiente pode  eleger os representantes que forem necessários para preservar seus interesses.  

  3. Um elemento visível é a

    Um elemento visível é a exaltação do uso da força e da vontade como meio de sucesso. Junte isso com as ideias de superioridade étnica e a crise econômica…

    Eu, há muito que chamo atenção para o “papo MBA”, essa onda que chegou por aqui no começo da década de 80 nas escolas de negócios e no meio empresarial e hoje atravessa os meios de comunicação, o ambiente cultural e escolar como um todo; até nas religiões. Chega a ser irracional, contrariando todo o projeto moderno baseado na razão. A convicção mais rasteira basta para o sujeito se entregar ao voluntarismo e à “disposição” pra luta. O que está na moda é a “atitude”, a valentia… Que na maioria das vezes não passa de falta de modos, de educação, de cultura e de espírito científico.

  4. Comentário.

    Engraçado, a extrema-direita sempre esteve por aí, na Europa, pontuada pela questão da imigração, mas, agora, sobre um curioso fenômeno, que a globalização e a Zona do Euro são ameaças às identidades nacionais e à soberania. Pode-se questionar a primeira, mas não a segunda – sobretudo quando, no caso da Grécia, o Estado esteve a vender ilhas para pagar dívidas. No caso da Grécia,  ainda, acho que Lowy se equivoca, pois foi uma coalizão entre a esquerda e a direita que venceu as eleições; para o partido de esquerda grego, a plataforma anti-imigração do partido de direita foi e é a mais delicada pra se trabalhar; além disso, em plena crise, grupos neonazistas tomaram de assalto bairros inteiros. Em tempos de globalização, ainda veremos partidos de centro-esquerda fazendo coalizões com a direita por questões pontuais, e não, evidentemente, por eixos programáticos. A ver.

  5. Gostei das frases, vou guardar umas!

    “O fascismo tem raízes profundas na Europa. A globalização capitalista cria uma homogeneização econômica cultural que gera fenômenos de pânico identitários sobre questões nacionais, étnicas, religiosas que vão ao sentido da extrema-direita”, argumenta. “Mas não há uma só explicação. É um fenômeno complexo, que tem características diferentes em cada país”, completa o sociólogo.

    Olha pode ser que ele seja bom, mas a frase escolhida parece saída de uma máquina de lero-lero, vazia como bolso do trabalhador no fim do mês.

    Vejamos: “O fascismo tem raízes profundas na Europa”, ops eu pensei que tinha sido o Plínio Salgado que inventou o fascismo, por sorte tem a Wikipédia que me alertou que foi no início do século XX na Europa. Frase para uma profunda reflexão.

    “A globalização capitalista cria uma homogeneização econômica cultural que gera fenômenos de pânico identitários sobre questões nacionais, étnicas, religiosas…” A globalização tem um nome novo, mas o processo começou a séculos e não para de crescer, logo de novo uma obviedade que é amplificada para dar sentido a conclusão.

    “gera fenômenos de pânico identitários sobre questões nacionais, étnicas, religiosas que vão ao sentido da extrema-direita” É um axioma? Pânico sobre questões como estas levam exatamente na direção do fascismo? Por que a Grécia, que já até passou do pânico, acha sua identidade na esquerda?

    Por fim “Mas não há uma só explicação. É um fenômeno complexo, que tem características diferentes em cada país”. Se a globalização avançou em todo mundo, por que não há somente uma explicação? Será que perder uma identidade na França, na Itália e na Alemanha é diferente de perder na Grécia e Portugal?

    Pode ser até que ele tenha boas ideias, porém a reportagem não demonstrou isto.

     

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