Armando Coelho Neto
Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.
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Michel Iscariotes na democracia do cão encoleirado, por Armando Coelho Neto

Michel Iscariotes na democracia do cão encoleirado

Por Armando Rodrigues Coelho Neto

No dia 26 de julho de 2005, teve início a Ação Penal 470, popularmente conhecida como “Mensalão”. Uma estranha história cheia de subterfúgios, que teria começado pelo nome de “CPI dos Correios”, mas que apesar dos protestos transformou-se em “CPI do fim do mundo”. O que deveria ser específico tornou-se amplo, geral e irrestrito, ao ponto de mais tarde mudar seu nome para “CPI do Mensalão”. Anos depois, quando foi aberta a “CPI da Petrobrás”, voltou a regra antiga: tinha que ser específica – em fato, pessoa, partido e tempo. De tão restrita, mal teve cobertura da imprensa.

A Ação Penal 470 tinha acabado de inaugurar o “tribunal de exceção”. Houve quem dissesse não ser de exceção, pois não fora adrede criado para aquilo. Não faltou jurista cínico de renome para defender tal tese, desconsiderando o óbvio. Um tribunal em si não foi criado, mas o julgamento tinha contornos de exceção, que desaguou no “domínio do fato”. Quando da AP 470, o cidadão José Dirceu já havia renunciado ao cargo de ministro e mesmo depois de cassado e não mais gozando de foro privilegiado, foi julgado e condenado pelo mesmo tribunal.

No dia 12 de setembro, o até então deputado Eduardo Cunha foi cassado e, diferentemente de José Dirceu, seu caso está sendo transferido para o juízo singular do novo tribunal de exceções (Curitiba/PR). Um destino  semelhante do “Mensalão Tucano”, cujo personagem central, Eduardo Azeredo, renunciou ao mandato e o caso seguiu para a primeira instância, em Minas Gerais.  Desse modo, ao sabor das conveniências, tão bem fundamentadas quanto o parecer de “Janaina 45 dinheiros”, a competência para julgamento se desloca conforme conveniência do script de um golpe sem data de nascimento.

O golpe consolidado em 31 de agosto último teve seu cinismo contemplado com o selo do Supremo Tribunal Federal, que de sua parte, de acordo com as conveniências, seguiu ou não seguiu a harmonia e independência dos Três Poderes, conforme previsto na Constituição Federal rasgada. Servem de exemplos os controversos casos de Eduardo Cunha e Delcídio Amaral, a suspensão da nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a rapidez ou lentidão como um ou outro caso é decidido. Sempre em harmonia com os interesses do golpe.

Foi nesse chafurdar de lama que nasceu a figura jurídica do “convite coercitivo” dirigido a Lula; deu margem ao protagonismo das cenas de faroeste moral por membros do Ministério Público. Se não bastasse  o proselitismo promovido por um barnabé do MP/SP, o brasileiro assistiu a recente “Opereta do Power Point”, em Curitiba/PR – ao que tudo indica patrocinado por um fanático, ainda que eu não tenha provas e me sobrem convicções.

A pretensa ação moralizadora de Curitiba teria como referência a “Operação Mãos Limpas” (Itália), que terminou, entre outras cenas, com a literal explosão de um juiz e a ascensão ao poder do mafioso Silvio Berlusconi. Qualquer coincidência com o impostor “Michel Iscariotes” não é mera coincidência e o pior vem depois. Tragédias descartadas, sabe-se que na Itália, quando faltaram provas, apelou-se para o clamor popular e para a tal “convicção”. Os apelos políticos e “religiosos” de Sérgio Moro e do MP/PR, respectivamente, sugerem não ser preciso perguntar: entendeu ou quer que desenhe?

Os programas eleitorais invadem os lares com as mesmas farsas, truques e engodos, sem que a essência da questão seja tocada: o modelo político/ econômico corrupto. Tema tabu, quem ousa debatê-lo tem como cínico e burro recado um “vai pra Cuba”. O modelo não é discutido, o que nos remete ao fato de que a “Operação Mãos Limpas” não deixou a Itália menos corrupta. A Farsa Jato segue o mesmo caminho e piorado, quando é descarada e aviltante a imunidade dos bandidos de estimação da classe dominante.

A democracia, sobretudo no Brasil, como dizia José Saramago, aí está como santa no altar – de quem já não se espera milagres. E, ao contrário do que dizia o falecido escritor, sequer já nos serve de referência, por ser mera concessão das elites, conforme sua conveniência. Segue o caminho revelado por um militar mineiro que apoiou a ditadura: democracia é um cão encoleirado que só vai até onde o dono permite.

Armando Coelho Neto

Armando Rodrigues Coelho Neto é jornalista, delegado aposentado da Polícia Federal e ex-representante da Interpol em São Paulo.

3 Comentários

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  1. Michel Iscariotes e a democracia das elites

    Nada a contrapor, talvez algo a justapor.

    A incapacidade de governos populares em atuar segundo suas bandeiras é gritante.

    As tentaticas mais ousadas foram brecadas pelo forçado suicídio de Vargas e derrubada de Jango em golpes militares. Com Dilma, com a elite já vergastada por anos de governos popularres e exitosos.

    Mas mesmo todos eles de Vargas a Dilma, nunca avançaram na reestruturação do Estado Brasileiro em moldes verdadeiramente democráticos.

    Legislação, instituições e poderes sempre funcionaram a manter o “status quo” e suas iniquidades. Várias reformas poderiam ter sido implementadas por legislação ou por estrangulamento financeiro.

    E não se diga que não é repúblicano. A guerra surda, às vezes nem tanto, tem ações para todo o gosto mormente por parte das classes dominantes detentoras do poder.

    Usupador e seus sequazes atestam isso. As teatrais jogadas do MPF, STF, PGR e PF com seu japonês incônico – melhor não achariam – não se pejam em atuar ao sabor dos apetites de quem se farta nos recursos públicos desde 1500. O marco legal é trabalhado segundo as conveniências como bem demonstra Coelho Neto.

    E essa gosma não se tira com sabonetes perfumados.

    1. Murilo, me permita um

      Murilo, me permita um reparo.

      Se Lula ou Dilma tivessem emprendido uma reforma substantiva da lei e imprensa hoje a grande maioria estaria atribuindo o golpe a esse fato.

      Se Lula não tivesse feito um acordão quando se elegeu, o que foi feito com Chaves seira fichinha perto do que seria feito aqui.

      Na minha opinião, depois de engolir a raiva cada vez que ouço qualquer coisa desses quinta coluna claro, é que o avanco dessa vez foi substancial. Sempre ao longo da minha vida eu tinha visto como inevitavel o problema da pobreza e todas a suas mazelas, a classe dominante sempre teve a capacidade de incutir na cabeca do povo que a situação ruim era inevitavel, sempre vendeu com sucesso que as pessoas que mandavam eram excepcionais e que por isso nao tinha como ser melhor, mesmo o PROER eu acabei acreditando no tal risco sistemico que foi a desculpa usada para carrear mais de 100 bi para os bancos. Agora depois que um operario, tido por semi-analfabeto, munido apenas do seu talento e boa vontade e do raio de Zeus a lhe assistir na hora de decidir (intuição a meu ver e atributo da fe e boa vontade) dando para o povo alguns por cento do que no governo anterior foi dado aos bancos, mostrar pra todo mundo o que pode ser feito, inclusive sem excluir ou expropriar ninguem é pra desmoralizar tudo que ja foi dito nesse pais de que nossa situação é irremediavel, e eu acredito que dessa vez a semente foi espalhada mais longe,aquela manifestação na Paulista logo apos a tentativa de prisão do Lula com gente de todas a classes foi uma amostra de quanto a semente foi longe.

      Claro que as vezes a noite a gente acorda em agonia pensando em que uns caras desses vao entregar a riqueza do pais novamente. Dessa vez porem eles nao tem como transferir a responsabilidade pelo golpe e por todas a safadezas que vem a reboque desse golpe.

      Como a situacão agora e como o Nassif falou, preso por ter cão e preso por nao ter cão, na proxima volta do pendulo nao tem mais anistia, e enquadramento da midia dentro de moldes civilizados desde o primeiro dia de governo.

      Quanto ao artigo do Sr. Armando, assino embaixo de todos os artigos que ja li dele aqui.

      Abraço

       

      1. Os governos Lula e Dilma

        Olá OMEG,

        Tanto Lula como Dilma tiveram alguns erros de condução do governo e isso faz parte do jogo. Ninguem acerta todas.

        Mas a meu ver a grande  bobeira foi a abdicação de comandar o BACEN, o MPF e a PF.

        Ainda se poderia ter uma certa reserva quanto ao primeiro governo Lula dada as condições de entrada de uma nova visão de governo e de país.

        Mas depois foi bobeira mesmo. essa conversa de republicanismo foi, na realidade, leniência e capitulação ante o conservadorismo. Ambos foram eleitos para cumprir as promessas eleitorais e não fazer como vimos recentemente, ajustes levyanos. Entende-se que numa democracia não se pode tudo mas abrir de comandar instituições essenciais ao governo federal foi um erro crasso.

        Claro que o período de governos populares foi muito superior aos anteriores. O desenvolvimento de ações em diversas áreas foi notório e elevou o país interna e externamente.

        O segundo governo Dilma foi um cerco constante da tigrada que, por incrível que possa parecer, não teve o contraditório.

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