O arruaceiro Bannon e as redes de ódio, por Arnaldo Cardoso

Mas além dos holofotes, as consequências desse processo contra Bannon são incertas, especialmente quanto aos impactos sobre sua já controvertida imagem.

O arruaceiro Bannon e as redes de ódio

por Arnaldo Cardoso

A detenção de Stephen Bannon, ex-assessor de Donald Trump, por fraude na campanha “Nós construímos o muro” (We Build the Wall) é mais um episódio na trajetória dessa personagem que desde 2016 passou a ostentar o rótulo de arquiteto e estrategista que levou Donald Trump à presidência dos Estados Unidos.

A apropriação ilegal de recursos por Bannon e seus parceiros, de campanha (crowdfunding) para financiamento de construção de muro na fronteira entre os EUA e o México para impedir o fluxo de migrantes – que arrecadou doações de mais de US$ 25 milhões – foi realizada através de um conjunto de ações fraudulentas envolvendo transferências entre contas de organizações sem fins lucrativos e empresa de fachada, notas frias, pagamentos de salários indevidos e de despesas pessoais de Bannon de mais de US$ 1 milhão.

Bannon foi solto após pagar fiança e aguardará seu julgamento em liberdade com restrições. Não poderá deixar o país, nem se deslocar para além dos territórios dos distritos de Nova York, Connecticut e Washington.

Mas além dos holofotes, as consequências desse processo contra Bannon são incertas, especialmente quanto aos impactos sobre sua já controvertida imagem.

Desde seu rompimento com o presidente Donald Trump e sua saída da Casa Branca, Bannon empreendeu um conjunto de ações para a internacionalização de seus serviços, com novo foco dirigido ao outro lado do Atlântico. Valorizando além do propalado feito nas eleições norte-americanas e a passagem pela Casa Branca, passou a exibir seu currículo com passagens pelo mercado financeiro, Goldman Sachs, direção do site de extrema direita Breitbart News –  marcadamente racista e anti-semita –  para, se credenciar como novo  articulador e estrategista da extrema-direita europeia, posto para o qual escolheu a emblemática cidade de Roma como seu quartel general.

Intentando aglutinar representantes da direita tradicional, da nova extrema-direita, de neofascistas, de fundamentalistas religiosos, de extremistas étnicos, nacionalistas, soberanistas, anti-imigração, antieuropeístas, entre outros, Bannon passou a organizar encontros, conferências, seminários e aproximou-se de lideranças políticas como Matteo Salvini – líder do partido da extrema-direita italiana Liga, Viktor Orban –  governante ultraconservador da Hungria, Marine Le Pen – representante da extrema-direita francesa e do político britânico Nigel Farage, entre outros,

No segundo semestre de 2018 as ações de Bannon foram focadas nas eleições para a renovação do Parlamento Europeu que ocorreu em maio de 2019. Com a promessa de pôr em curso uma revolução política que levaria a extrema direita para o comando da mais importante instituição política do bloco europeu, tinha como propósito destruir a União Europeia por dentro. (Embora o resultado da eleição tenha confirmado um crescimento da extrema direita e dos eurocéticos no Parlamento Europeu, os partidos de centro e centro-esquerda pró-Europa continuaram a ser maioria, e o Partido Verde Europeu aumentou sua representação no órgão. A revolução propagandeada por Bannon não aconteceu).

Em todas essas investidas, Bannon promoveu seu think tank, batizado como “The Movement”. A chegada da extrema direita ao poder na Itália em 2018 animou-o e lhe deu novo palco. Mas afinal o que de novo propôs Bannon para a política europeia?

Nada!

Como bem avaliou Andrea Mammone, historiador, professor e pesquisador do Royal Holloway, University of London, em ótimo artigo de setembro de 2018 para o The Washington Post “Quando se trata de unificar a Europa sob essa ideia fascista, os americanos geralmente não têm sido os favoritos. Bannon não é o primeiro viajante de extrema direita dos EUA ao velho continente tentando promover uma ideologia extremista internacional. Laços de direita e de nacionalismo branco entre a Europa e a América existem desde as décadas de 1920 e 1930”.

O que Bannon vende como estratégia é a propagação do ódio em rede, servindo-se de algoritimos e plataformas digitais. Explora insatisfações, frustrações, medos e ignorância. Diante de icertezas entrega respostas simplistas, customizadas. Sua aposta é no estímulo ao confronto, na violência, no ódio e na dissolução. Aposta no engajamento permanente.

O que de mais inquietante pode ser destacado das recentes ações de Bannon está em sua aproximação com personalidades do conservadorismo cristão, destacadamente o católico. Desde 2018 Bannon persegue o projeto para a criação de uma Academia política cristã de extrema-direita, chamada por ele de “escola de gladiadores”. Benjamin Harnwell, político britânico engajado na “revitalização dos princípios cristãos originários” é o diretor do Dignitatis Humanae Institute, organização que tem Bannon entre seus fundadores e que dirigirá a Academia.

Depois de uma disputa judicial em torno do uso de um mosteiro do século 13, localizado em Trisulti, nos arredores de Roma, para a instalação da Academia, Bannon comemorou recente vitória contra o Ministério da Cultura italiano. Nas palavras de Harnwell, citadas em outro artigo de Mammone, publicado em junho em site da CNN, sua intenção é “moldar a visão de mundo de futuros líderes populistas”.

Inicialmente a Academia oferecerá cursos de Política, Filosofia e Economia por meio de aulas on-line ministradas por professores norte-americanos.

Entre os alvos dos ideólogos da Academia está o Papa Francisco pela sua incisiva defesa da dignidade e de direitos humanos, especialmente de populações vulneráveis como os imigrantes.

A justa preocupação com a expansão e fortalecimento eleitoral – como o visto recentemente na Polônia – de partidos e grupos políticos de extrema direita na Europa e em outras partes do mundo, como no Brasil,  concomitante à percepção de que hábeis operadores das avançadas tecnologias de informação e comunicação detém extraordinário poder de manipulação, tem servido para a promoção e superdimensionamento da influência de personagens como Stephen Bannon e tantos outros vulgares propagadores de ideias extremistas, alimentadas por ressentimentos, ódios e muito oportunismo.

Bannon talvez seja o mais emblemático representante dessa categoria de arruaceiros digitais, que constroem falsas realidades e ameaças e faturam com isso. Se assemelham aos psicopatas, destacadamente pela falta de empatia, pela incapacidade de sentir culpa e de respeitar as leis.

Mas são a descrença de diferentes grupos sociais com a política, o desalento do cidadão, a mercantilização da vida, a banalização do sofrimento do outro, a falta de empatia, a extrema desigualdade econômica, a falta de educação voltada para a compreensão da realidade, a falta de responsabilidade social e a falta de horizontes que produzem o ambiente em que se multiplicam as ações de deploráveis  sujeitos como Bannon.

Ele e outros arruaceiros digitais são nocivos e devem ser impedidos, mas não podem desviar nossa atenção sobre os reais problemas a serem enfrentados.

Arnaldo Cardoso, cientista político

Redação

3 Comentários

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  1. Bannon deve entrar para o futuro como um dos homens mais perigosos da história da humanidade…
    nem todas as barbáries já foram cometidas, falta principalmente o ataque ao Papa, mas, pela sua participação e influência nos Estados Unidos e no Brasil, já podemos concluir e resumir com a seguinte frase: Bannon assim quis. Quis golpe. Quis Bolsonaro. Quis Lava Jato. E só falta querer guerra.

    tão perigoso que nem quem olhar para trás, do futuro ou da história, vai poder entender como foi possível usar o poder da sugestão hipnótica com tanta facilidade para despertar o ódio em tantos seres humanos, construindo-os assim como os alicerces sobre os quais será apoiada a sua própria destruição

      1. bem lembrado, valeu pelo toque!
        sorte nossa é que todo algoritmo precisa ter início e fim, mas com comandos ou tarefas, ou intenções, bem definidas também do início até o fim

        na rede pode funcionar muito bem via criações mentais…………………………
        bolaram uma superestrutura mas com um erro matemático devastador contra eles mesmos, pela base inicial ter sido falsa, condição que, no mundo real, digamos assim, fica sujeita a outros tipos de controle, às burocracias comerciais e financeiras, por exemplo. E o objetivo deles é sempre o financeiro.
        Seguem muito vivos enquanto aqui na rede, mas assim que botam a cabeça de fora, no mundo real, a simples prisão de um deles pode desencadear um efeito dominó que a todos há de chegar com a verdade. Matematicamente é a verdade que sempre prevalece por todo tempo, não a falsidade ou fake news.
        Algoritmo muito bom, mas que não funciona plenamente para tomada de decisões no mundo real. E o mundo deles é o real. Não podem roubar aqui dentro, na rede

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