
Bruno P. W. Reis, via Facebook
A esta altura da conversa, a proposição de que as instituições funcionam tem de se cercar defensivamente de tantas postulações ad hoc, que eu confesso que já tenho dificuldade de enxergar quando é que as instituições NÃO funcionam.
Pois, no mundo real, sempre há instituições balizando a ação e produzindo efeitos. Mesmo quando em Paris as guilhotinas funcionavam a todo vapor, com a praça afundada em sangue, Robespierre presidia a Convenção e tomava decisões formais determinando as decapitações. E uma multidão ia assistir, em larga medida para celebrar as execuções.
Nesse enquadramento, instituições funcionam, por definição. Sua ausência, como sabemos, é apenas um experimento mental abstrato, que Hobbes delineou em seu “estado de natureza” para ilustrar o summum malum a ser evitado pela política. Talvez nem mesmo o seu análogo em Locke possa mais ser descrito como ausência plena de instituições nesse mesmo sentido – pois ali há partilhamento de valores.
Tomada assim, “instituições funcionam” é uma proposição axiomática. Como qualquer axioma, podemos muito bem refletir a partir dele – mas não serve para diagnóstico. Pois se torna um truísmo: como tenho dito por aí, instituições, se existem, funcionam, no sentido de balizarem condutas e produzirem efeitos. A questão analítica relevante passa a ser em que medida elas cumprem os propósitos para os quais foram manifestamente criadas e publicamente justificadas. Em que medida elas concretizam valores e objetivos coletivos em rotinas públicas.
No caso empírico específico do Brasil de hoje, o país enfrenta o que é possivelmente a pior catástrofe humanitária de sua história desde as guerras civis da Regência, ressalvada a catástrofe humanitária que o país impingiu ao Paraguai. E os números da atual catástrofe foram sabidamente multiplicados por ações e omissões do governo do país, fartamente documentadas. Se ainda assim o sistema é incapaz de sancionar a conduta do governo, e preferimos partir do axioma de que as instituições estão funcionando porque sempre funcionam, então o funcionamento ou não das instituições é irrelevante para um diagnóstico operacional do sistema político.
Se a ciência política é incapaz de ir além disso, pior para a ciência política.
* Bruno P.W.Reis é Professor da UFMG, e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política/ Fafich/UFMG

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