Izaias Almada
Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.
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O Brasil não conhece o Brasil…, por Izaías Almada

O Brasil não conhece o Brasil…

por Izaías Almada

Como se dizia há alguns bons anos, “há algo estranho no ar além dos aviões de carreira”.

A vertiginosa mudança na política brasileira com o golpe de 2016 e a eleição do capitão Jair trouxe à tona o verdadeiro Brasil: o país que é de um jeito, mas que insiste em se mostrar de outro.

Arrisco dizer: o país que desde 1889 sempre foi falso e hipócrita no exercício da democracia e da justiça social, escondia tal pecadilho para si mesmo e para o mundo à sua volta. A proclamação da república não acabou com a escravidão, mesmo depois da Lei Áurea. Pelo contrário, o espírito da Casa Grande, escravocrata, diluiu-se pelos 8.500 mil metros quadrados do nosso território, mas a monarquia absolutista continuou sendo o sonho de muitos.

O Brasil não conhece o Brasil.

Se colocarmos o Brasil de hoje no divã de um psicanalista ficaremos chocados com os traumas e os distúrbios que o país apresenta, nessa que é a sua fase adolescente, digamos assim, perante as nações mais antigas.

Adolescente sim, pois vamos completar em abril próximo 519 anos de existência, enquanto países como a India, China, França, Inglaterra, Rússia e tantos outros já ultrapassaram há tempos a casa dos dois, três ou cinco mil anos.

O Brasil não conhece o Brasil.

Após a derrota militar do nazi/fascismo em 1945 e o esfarelar do comunismo na década de 80, o capitalismo caboclo brasileiro – vendo-se sozinho no meio do salão – começou a dançar para uma nova plateia formada por pessoas indiferentes à política, liberais arrependidos, empresários alienados e cidadãos aculturados…  A clássica figura do Tio Sam apontando o dedo indicador para o mundo (I want you) tornou-se uma obsessão.

Os 18 do Forte de Copacabana, a longa marcha de Prestes, a Revolução de 1924, a Revolução de 1930, o Estado Novo, A Intentona Comunista, o suicídio de Vargas, JK, Jacareacanga e Aragarças, a ilusão fascista de Janio Quadros, o golpe contra João Goulart em 64, o AI-5… E por aí afora.

A democracia e o autoritarismo a brincarem de gato e rato… Sem falar, é claro, nos sempre e novos candidatos a aniquilar a esquerda (qualquer que seja ela) e, pelo visto agora, com um grupo de saudosos das ideias de Hitler, Mussolini, Franco e Salazar…

O novo cenário da geopolítica mundial configura-se ou, melhor dizendo, tenta se desenhar em meio a uma crise econômica que começa a ameaçar a paz, entremeada pela falência ou pela confusão ideológica de vários matizes e – sobretudo – pela avassaladora revolução tecnológica das comunicações, ainda não de todo avaliada, com bilhões de pessoas ajoelhadas e dependentes de smartfones, ipads, laptops e seus Twiters, Whatsapps, Instagrans e redes sociais.

A violência e o medo, salpicados de preconceitos e ódios, parecem renovar com vigor o seu sentido em um mundo que – mesmo que se diga o contrário – perdeu a sua identidade religiosa qualquer que ela seja, substituindo muitos dos valores humanistas de união e congraçamento entre raças e povos, pelo fundamentalismo agressivo e intolerante que, em casos extremos, usa a força militar e o terrorismo. Tudo em nome de liberdades, no mais das vezes em causa própria… E de um monoteísmo, paradoxalmente, de vários deuses.

A grade de programação das redes abertas e fechadas de televisão, bem como os novos meios digitais de exibição cinematográfica, via internet e computadores, está recheada de filmes e séries que exaltam do primeiro ao último segundo de suas imagens a violência – da mais bizarra à mais bestial – e o incentivo ao crime, organizado ou não, embora fingindo combatê-lo..

E pior: a fazer apologia, ainda que de modo sutil, da já inegável e mal intencionada distinção entre as várias formas de corrupção, algumas delas supostamente aceitáveis quando são feitas em nome de algum tipo de segurança que se possa dar ao cidadão comum e à sua família, edulcorando até mesmo a tortura como forma de se fazer justiça. E há público para isso, se há…

A comunicação social, em sua maior parte sob o comando de grupos conservadores, em nível planetário, procura no dia a dia engessar mentes e corações através da monocórdica defesa da democracia representativa burguesa, de mão única, enaltecendo os valores de um capitalismo cada vez mais selvagem e usando a mentira e o boato como armas para, de um lado defender os seus interesses empresariais (ou de seus anunciantes, o que vem a dar no mesmo) e de outro desmoralizar e aniquilar as cada vez mais tênues arremetidas dos que ainda encontram forças para lutar contra a hydra consumista e seus exércitos de inocentes úteis espalhados pelos cinco continentes.

Contudo, crises econômicas, políticas, sociais, programadas ou não, atropelam a paz e criam o pânico diário nos vários cantos do mundo, sugerindo já sem qualquer sutileza, que as mazelas da sociedade contemporânea, quando não são provocadas pela violência dos subdesenvolvidos (leia-se imigrantes) ou emergentes, se originam naqueles que ainda têm a ousadia de levantar dúvidas sobre as maravilhas de um sistema econômico apodrecido, cujos pilares são sustentados pela exploração do trabalho, pela repressão policial, pela mentira e pela corrupção. Sem esses quatro pilares o capitalismo implode. A ganância não tem limites. Entre nós, a Vale e os municípios de Mariana e Brumadinho estão aí para comprovar.

No Brasil que não conhece o Brasil, país abençoado por Deus, se é que algum dia o foi, a massa, “ignara e belicosa”, como dizia um amigo, com tantos meios e oportunidades de procurar alternativas para adquirir ou aumentar o conhecimento sobre sua própria história, sobre a caminhada política do seu povo, ainda sucumbe aos encantos e charmes – perdoem-me a boa vontade – de programas televisivos de duvidosa qualidade, de extensos e saturantes campeonatos de futebol (com jogos quase que diários), das colunas e matérias jornalísticas de vaidades e – o que vem a ser mais grave – usando da mentira, agora chamada modernamente de “fake news” e do mais puro deboche contra a democracia, transformando o Congresso Nacional, por exemplo, num circo que ignora a plateia para os seus inúmeros malabarismos em causa própria.

Que tal a eleição das mesas diretoras do Senado e da Camara Federal para ficarmos no exemplo mais recente?

Aberta a porta do manicômio institucional, começa a ficar difícil localizar e distinguir os cidadãos honrados dos sociopatas, os que querem um Brasil pujante, desenvolvido, menos injusto, daqueles que querem ver o circo pegar fogo e tirarem as castanhas com mão de gato.

Malabaristas, equilibristas, mágicos, palhaços, traidores e vendilhões da pátria, completam o “show” neste início de 2019, um ano que promete ser um dos mais “divertidos”, com variados números para uma plateia que não sabe exatamente qual será o grande final da temporada, com os olhos postos nas jaulas dos animais.

O Brasil não conhece o Brasil.

Nada nos garante que um psicopata, passando-se por domador ou coisa parecida, não solte os leões sobre o público e um dos palhaços ponha fogo nas lonas, pois como diz o surrado adágio popular: a alegria do palhaço é ver o circo pegar fogo.

 

Izaias Almada

Izaías Almada é romancista, dramaturgo e roteirista brasileiro nascido em BH. Em 1963 mudou-se para a cidade de São Paulo, onde trabalhou em teatro, jornalismo, publicidade na TV e roteiro. Entre os anos de 1969 e 1971, foi prisioneiro político do golpe militar no Brasil que ocorreu em 1964.

9 Comentários

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  1. Mais um grande texto de Izaias Almada… Certa vez perguntaram qual era a cozinha brasileira e a colega paulistana se apressou em responder que comiamos macarrão, lasanha, canelone, batata frita e bife. Você tem razão: o brasileiro, por vez, mal conhece a propria cidade, quem dera o seu Pais.

    Espero que a configuração do novo blog não fique assim, sobretudo a caixa de comentarios esta horrivel.

  2. Pois eu acho que existe, sim, uma orientação política a nível planetário no sentido de se exterminar contingentes consideráveis da população do planeta. O Brasil, como sempre, é um mero laboratório.
    E tudo isto acintosamente escancarado. De tão escancarado que ninguém ousa se levantar contra…

  3. É a síndrome de país colonizado pelos europeus. Os EUA, por exemplo, também sofrem dessa síndrome: imitam outras culturas, acabam fingindo não ver que há, sim, uma cultura em constante e natural evolução em seu próprio território em curso à revelia das imitações. Países menos inseguros, menos arrogantes não sofrem tanto, algo como “talvez não sejamos o mais mais do mundo mas somos nós mesmos.” Se se reparar, esses outros países têm bem mais a cara das culturas originais de seus territórios do que esse que tentam imitar os outros. O que mata é o sentimento de inferioridade que leva à necessidade de posar do que não é.

    Acho que tem muito do que faz a Inglaterra há uns poucos séculos aí: toma a si mesma como modelo e propagandeia que os outros têm que ser como ela para serem civilizados, tenta impor um padrão. Justo a Inglaterra, uma das mais bárbaras, primitivas e incivilizadas culturas do mundo…

  4. O capitalismo desmorona velozmente. Poderia ser mais lentamente, se o império do ocidente aceitasse a ascensão do império do oriente. Em face desse cenário, o Brasil foi transformado em colônia e seu povo em cobaia.

  5. O “brasil” conhece muito bem o “brasil”! São várias Nações submetidas a uma mesma bandeira, um mesmo hino, uma mesma legislação e uma mesma força repressora: As “forças armadas(?)”. E enquanto isso se mantiver, “ESSA PORRA” continuará como é: Os povos do sul/sudeste, se julgam do primeiro mundo. Afinal, o sobrenome que ostentam são no mínimo, europeus(os Moros, os Lewandowsky, os Bolsonaros,etc,etc); Julgam que os que estão acima do trópico de capricórnio, especialmente a região nordeste, não passam de uns pobres coitados, vivendo à custa do suor deles, do sul/sudeste. Então, por que não assumimos essa realidade? Por que cada povo não vai cuidar de seu destino, criando suas próprias leis, gerenciando seu próprio território? Assumindo suas próprias deficiências(e, eventualmente, suas riquezas)? No meu caso específico, como nordestino, tenho vergonha em fazer parte dessa federação. Tenho vergonha dessa bandeira e desse hino.

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