O casamento homossexual e a família, por Luiz Claudio Tonchis

Em uma decisão histórica, a Suprema Corte americana legalizou na última sexta (26/06) o casamento gay em todas as 50 unidades que compõem os Estados Unidos e deixou o mundo mais “colorido”. Entre os países que, também, já haviam legalizado o casamento gay estão a Irlanda, Finlândia, Luxemburgo, Nova Zelândia, Uruguai, Reino Unido (Inglaterra, Escócia e País de Gales), França, Brasil, Dinamarca, Argentina, Islândia, Portugal, Suécia, Noruega, África do Sul, Canadá, Espanha, Bélgica e Holanda.

É natural que um país democrático legalize, civilmente e juridicamente, a união de casais homossexuais que decidam assumir oficialmente seu relacionamento. A democracia, em sua versão contemporânea, é um regime sócio-político no qual a vontade da maioria tem um peso decisivo nos negócios do Estado. No entanto, o Estado, ao mesmo tempo, deve tomar medidas para que as minorias tenham seus direitos respeitados, como por exemplo, o direito de existência, expressão, representação, e outros.

O casamento civil é um contrato entre duas pessoas, reconhecido pelo Estado, com o objetivo de constituir uma família. Aqui, a definição exata de “família” variou historicamente e entre as culturas, mas até a pouco tempo, na maioria dos países, era uma união socialmente sancionada entre um homem e uma mulher (com ou sem filhos), confirmada pela convivência e comunhão de bens. Atualmente, com a tendência de um mundo mais pluralista, com um comportamento social mais diversificado, que inclui o respeito às diferenças, a união entre os casais homossexuais, consequentemente, entra em pauta.

O conceito de cidadania moderna, ao qual os países que já legalizaram o casamento gay são signatários, geralmente, inclui a consideração a quatro tipos de direitos fundamentais que são:

 Direitos Civis: Dizem respeito à liberdade dos indivíduos, e se baseiam na existência da justiça e das leis. Referem-se à garantia de ir e vir, de escolher o trabalho, de se manifestar, de se organizar, de ter respeitada a inviolabilidade do lar e da correspondência, de não ser preso e não sofrer punição a não ser pela autoridade competente e de acordo com a legislação vigente.

Direitos Políticos: Referem-se à participação do cidadão no governo 

da sociedade e consistem no direito de fazer manifestações políticas, de se organizarem partidos, sindicatos, movimentos sociais, associações, de votar e ser votado.

Direitos Sociais: Dizem respeito ao atendimento das necessidades básicas do ser humano, como alimentação, habitação, saúde, educação, trabalho, salário justo, aposentadoria, e outros.

Direitos Humanos: Englobam todos os demais e expandem a dimensão dos direitos para uma perspectiva mais ampla, pois tratam dos direitos fundamentais da pessoa humana. Sem eles, o indivíduo não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver, de participar plenamente da vida. São eles: o direito à vida, à liberdade, à igualdade de direitos e oportunidades e o direito de ser reconhecido e tratado como pessoa humana, independentemente de gênero, idade, origem social, cor da pele, etnia, faculdades físicas ou mentais, doenças ou qualquer outra característica.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o argumento do juiz Anthony Kennedy que afirmou na decisão que o interesse na dignidade pessoal é fundamental para a cláusula do devido processo da 14ª Emenda da Constituição americana, que diz que nenhum estado deve “privar qualquer pessoa da vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal. As liberdades fundamentais protegidas por esta cláusula incluem a maior parte dos direitos enumerados na Declaração de Direitos”.

Desta forma, o casamento gay vem oficializar uma realidade, à luz da legislação e do pensamento democrático atual que priorizam a igualdade e, inclusive, com certo repúdio a qualquer tipo de discriminação.  Assim, à luz das leis mais democráticas, não deve ser discriminado o casamento homossexual, se comparado ao casamento heterossexual, devendo ser inclusive respeitado o direito à pensão ou herança com a eventual morte do companheiro ou da companheira, inclusão do companheiro em convênios médicos, direito a adoção, enfim todos têm agora reconhecido o direito de constituir uma família, ainda que fora dos moldes tradicionais, independentemente de seu gênero e opção sexual.

No entanto, não é a sanção oficial do Estado que vai amenizar as tensões sociais. Nenhum decreto altera uma realidade social, pelo menos, a curto prazo. No Brasil, o casamento é regulamentado pelo Código Civil. O casamento homoafetivo foi legalizado em 2013, e é necessariamente monogâmico. No entanto, as uniões homoafetivas não são plenamente aceitas pela sociedade e ainda esbarram no preconceito, principalmente, quando se trata de adoção de crianças por casais homossexuais. A principal dúvida é sobre como será o desenvolvimento psico-emocional dessa criança. Se o casal for do sexo masculino, fará falta a referência à figura materna? Se for do sexo feminino, a figura paterna? Será que essa criança crescerá confusa?

Pois bem, supõe-se que os pais gays tendam a ser mais motivados, talvez até mais comprometidos com a paternidade do que os heterossexuais, porque escolheram ser pais. Eles não correm o risco de serem pais por acidente, dentro de uma união homossexual, o que é óbvio, exceção feita aos casos de bissexualidade, o que contrapõe-se ao grande número de casos de gravidez acidental e indesejada.

Também supõe-se que crianças adotadas por pais homossexuais possam ter a vantagem de desenvolver uma mente mais aberta, tolerante, tendendo a seguir a modelos de comportamento mais predispostos a relações igualitárias. Além disso, uma boa educação independe de como esses pais são sexualmente constituídos. O maior problema para essa criança não será os pais serem homossexuais, mas a reação preconceituosa da sociedade. Aliás, o preconceito existe não somente com os homossexuais, mas sempre que o indivíduo diferencia-se de um padrão geral.

Na verdade, tanto pais heterossexuais quanto os pais homossexuais podem ser bons ou maus pais. Mais importante do que a orientação sexual são os valores, o caráter, a honestidade, as relações e os modelos positivos que os pais podem oferecer à criança. Além disso, os pais homossexuais devem estar bem estruturados emocionalmente, pois os desafios e exigências sociais serão maiores do que são para os pais heterossexuais.

A discriminação contra os homossexuais é mais explicitada quando estes decidem ter uma vida em comum, quando adotam crianças e, também, com a oficialização de seu casamento. Está diretamente relacionada aos valores morais que a sociedade adota como certo ou errado, o permitido e o proibido.

O grande paradigma moral e ético da sociedade contemporânea é a aceitação do direito a igualdade de todos os seres humanos. Isso não significa que não haja diferenças individuais entre as pessoas. Cada pessoa tem seu jeito de ser, sua maneira de pensar, agir e perceber as coisas. Também existem diferenças físicas, intelectuais e psicológicas que, no entanto, não podem interferir no direito à vida. Não há nada mais valioso do que a pessoa humana e este ser, com todas as suas características, que o distinguem de outro ser humano, deve ser considerado com toda a dignidade. O respeito pela dignidade da pessoa humana deve existir sempre, em qualquer lugar, em qualquer circunstância. Essa é a base fundamental da concepção de direito humano, inclusive o direito de ser gay, e sendo, respeitar e ser respeitado, o direito de constituir uma família, independentemente de suas opões sexuais, o direito de oficializar essa união como os demais casais ditos “normais”, assim como o direito à adoção, seguindo os mesmos critérios estabelecidos para os casais heterossexuais.

A questão ética que está em jogo não é o indivíduo estar a favor ou contra a opção sexual de cada um e de como serão as interações amorosas entres os casais gays. Em uma democracia, a liberdade de expressão é uma de suas prerrogativas. Cada um tem o direito de não concordar, de não apoiar, inclusive, também, deve ter esse direito resguardado pelo próprio Estado. Não concordar com a decisão do outro não significa que pode discriminá-lo ou ofendê-lo.

Contudo, se a tolerância pudesse existir sem limites, se fosse uma virtude universal, onde todos fossem plenamente respeitados e respeitadores das diferenças humanas, provavelmente o mundo seria melhor de se viver.

 

Luiz Claudio Tonchis é Educador e Gestor Escolar, trabalha na Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, é bacharel e licenciado em Filosofia, com pós-graduação em Ética pela UNESP e em Gestão Escolar pela UNIARARAS. Atualmente é acadêmico em Pós Graduação (MBA) pela Universidade Federal Fluminense. Escreve regularmente para blogs, jornais e revistas, contribuindo com artigos em que discute questões ligadas à Política, Educação e Filosofia.

Contato:

[email protected]

Redação

16 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Adoção

    Nos debates sobre a possibilidade de casais homoafetivos adotarem uma criança ou um adolescente. Os argumentos mais freqüentes sobre o tema é que os mesmos influenciariam a orientação sexual da criança e adolescente, existindo uma tendência dos menores optarem pela homossexualidade. Além disso, os mesmos seriam vistos pela sociedade com a figura de dois pais ou de duas mães havendo possibilidade da criança sofrer severas discriminações. Quanto a discriminação da sociedade tenho minhas dúvidas, elas poderão acontecer ou não. Depende. Agora dizer que essa criança será homossexual porque terão os pais como exemplos é pura hipocresia.

    1. Concordo

      Concordo plenamente,  não há base lógica nenhuma para dizer que a sexualidade dos pais influenciaria a sexualidade dos filhos.

      No máximo imagina-se que filhos de casais homosexuais não serão doutrinados para ter preconceito contra homosexuais, o que não deveria ocorrer em família alguma.

      A rejeição à adoção de crianças por casais homosexuais é mais uma fronteira da discriminação.

  2.  
    Veja essa Luiz Claudio

     

    Veja essa Luiz Claudio Tonchis

    Malafaia critica “otários” e sugere: “aqui não é EUA”

    “Dois anos depois de elogiar os Estados Unidos e classificá-los como “maior democracia do mundo” e “baseada em princípios cristãos”, o pastor Silas Malafaia veio a público nesta sexta-feira afirmar que o país vive uma “decadência moral”. As críticas do pastor, líder da igreja evangélica Assembleia de Deus, tiveram como alvo a aprovação, pela Suprema Corte americana, do casamento entre pessoas do mesmo sexo. A decisão, considerada histórica, foi tomada ontem por cinco votos a quatro e vale para todos os 50 Estados americanos”.

    1. Tô dizendo…

      Depois eu falo que a coxinhada brasileira tá estrebuchando por causa dessa decisão da Suprema Corte dos EUA, e coxinha me vem com argumento-espantalho de que “na verdade estão comemorando”. Faltou dizer “junto com o Malafaia e a Marina Silva”…

      1. Cochinhas

        Os cochinhas tendem a serem tradicionais, geralmente, são a favor da família modelo “Doriana” (papai, mamãe, filhos e os cachorros).  É lógico que toda regra possue “exceção”, veja bem, digo que uma tendência.

  3. Muito bom o texto, o autor se

    Muito bom o texto, o autor se posiciona de forma neutra, respeitando a opnião de todos. O texto agrada gregos e troianos. Só não vai conseguir agradar o Malafaia e seus seguidores.

  4. preconceitos

    Sobre casais gay, adoção e preconceito (de todos os tipos): vale a pena ver o filme sueco “Patrik 1.5”

    Um casal gay resolve adotar uma criança de 1.5 anos e recebe um adolescente de 15, homofóbico e com passagem pela polícia.

     

     

     

  5. (e agora é fácil se manifestar, mas…)

    “Viva  A Passeata Gay – SP ” – foi um post que coloquei há uma semana, postei dois dias seguidos, e recebi… 3 estrelinhas (não é questão de estrelinhas, embora as mencione): ninguém se manifestou, ninguém apoiando. Não se trata de tomar partido, e sim de solidariedade com ampliação de direitos humanos, o que deve, ou deveria, ser ação de todos nós. Agora é fácil, tem aprovação do grande irmão do norte, agora é moda (como diz uma música de Rita Lee). Tem um vídeo hoje no Multimídia do Dia.

  6. Há algum estudo consolidado

    Há algum estudo consolidado ou pelo menos projeto de pesquisa tendo por objetivo aferir as injunções de cunho psicológico e sociológico nas crianças adotadas por casais gay?

    Acho ainda muito cedo para aferir se a experiência é boa, ruim ou neutra. Não é uma questão simples como querem fazer crer alguns. Pelo aspecto sentimental, fraternal, amoroso tudo bem. Mas não somos só sentimentos. Há os aspectos puramente biológicos e antropológicos. 

    Sinceramente, não é nada fácil apreender isso como algo normal no sentido de ser apenas um passo além na evolução parental. Há muitos paradoxos e situações absolutamente indiscerníveis. 

     

  7. Liberdade, Igualdade e Fraternidade

    A homossexualidade e a família é uma temática de suma importância nas discussões de todos profissionais envolvidos com a Educação, Saúde e ONGs. Penso ser impossível não se posicionar em relação as situações corriqueiras no que diz respeito ahomofobia ou discriminalização. 

    Concordo com você quandi diz sobre a adoção, o que vemos é uma crescente desestrutura familiar principalmente no Ocidente, desigualdade social e falta de apoio da sociedade civil. No decorrer de uma trajédia em que as famílias se apoiam, subsistem em uma sociedade capitalista, egoísta, ocorre grandes disputas de poder, seja ele no campo político, religioso e o que poucos percebem é o quanto distantes estão de um comportamento mais humanizado, afetivo assim dizendo.

    Desde os primórdios dos Direitos Humanos é claro as questões sobre a liberdade, igualdade e fraternidade, não sei o porque ficar discutindo, a lei existe para quem acredita, seja divina ou terrestre cada um deveria assegurar e seguir sem julgar , não apenas para que haja ordem e sim  o amor, o acolhimento, o respeito como a única pauta em discussão.

    Enfim, não penso que a educação e os valores morais sejam oriundos de casais A ou B, mas estão na essência do ser humano e não de fazer humano.

     

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador