O lobby da “concorrência” matou a Gurgel?, por Paulo Gala e Rodrigo Martins

A Gurgel começou a incomodar as grandes. Primeiramente foi a Volks, quando essa perdeu mercado para Gurgel X12 no Caribe.

O lobby da “concorrência” matou a Gurgel?

por Paulo Gala e Rodrigo Martins

do blog de Paulo Gala

Enquanto a Gurgel atuou na produção de veículos para nichos de mercado ela não era vista como ameaça e atuava de forma lucrativa. No momento que resolveu criar um veículo urbano popular as coisas mudaram. O carrinho teve tamanha aceitação que tinha fila de espera de mais de 1 ano e era vendido com ágio de mais de 100%. Esse sucesso repentino contribuiu para sua morte. Para poder atender a demanda era necessário a construção de uma nova fábrica voltada exclusivamente para esse veículo, deixando a fábrica existente para o restante da linha. Aprovado o financiamento pelo BNDES como de praxe em empreendimentos desse tipo no Brasil a Gurgel comprou o terreno e iniciou a construção de sua fábrica no ceara. Então ocorreram os seguintes acontecimentos simultaneamente. i)Lobby das montadoras conseguiu a isenção de impostos para carros de até 1.0 l ou com motor refrigerado a ar para incluir a VW. Fazendo com que as 4 montadoras tivessem veículos de sua linha para atender a demanda de carro urbano popular encontrada pela Gurgel, de forma a abastecer toda a demanda reprimida antes que a Gurgel tivesse sua fábrica pronta, ii)pressão das montadoras sobre fornecedores de auto-peças, proibindo a venda de peças criadas para uma marca e compartilhada com a Gurgel. A Gurgel aproveitava muitas peças de outros veículos e isso nunca tinha sido problema. Com a proibição de compartilhamento de muitas peças teve que desenvolver seus próprios projetos dessas peças para poder continuar produzindo seus veículos, iii) BNDES atrasou sistematicamente a liberação dos recursos que haviam sido aprovados para a construção da fábrica nova. A soma desses fatores levou a Gurgel a falência.

A Gurgel começou a incomodar as grandes. Primeiramente foi a Volks, quando essa perdeu mercado para Gurgel X12 no Caribe. A Volks encerrou a linha (VW181). Logo ela incomodou todas as outras quando conseguiu o IPI a 5%. Ali ela já deixava de ser uma marca nascente e começava a preocupar pelo motivo simples que era: o carro vendia bem pra uma iniciante. Quando o governo abre a isenção para os 1.0 e corta todo e qualquer tipo de financiamento para a Gurgel inovar, começa a derrocada. Quando eles reduzem a alíquota, a Fiat espertamente pega o motor Fiasa que era do antigo FIAT 147 e do dia pra noite fazem uma gambiarra para enquadrar o motor como 1.0 e abocanharem a redução tributária. A FIAT não era essa grande montadora que é hoje. Ela foi muito apoiada pelo regime, a relação entre Italia-Brasil era muito forte na época. Não mudou muita coisa pra 1990

A Gurgel teve seus pontos positivos que a fizeram crescer e teve suas falhas que a fizeram quebrar. A parte principal de um projeto automobilístico é a plataforma, essa era projeto original da Gurgel e por sinal ponto forte do veículo, usando um sistema patenteado muito eficiente para produzir seus monoblocos “indestrutíveis” , o famoso “Plasteel” que unia propriedades de resistência a deformação da fibra de vidro com a resistência ao tracionamento do aço. Hoje uma versão aprimorada desse sistema é utilizado pela Porsche, Ferrari, Bugatti e outras montadoras de veículos de auto desempenho. No caso a evolução substituiu o plástico reforçado com fibra de vidro pelo plástico reforçado com fibra de carbono revestindo uma estrutura metálica. É também criação da Gurgel o sistema “selectration”, um sistema simples porém eficiente que permitia aos jipinhos da Gurgel com tração em apenas 2 rodas conseguir superar obstáculos em condições de competir em desempenho fora de estrada com os 4×4 da época com um custo e manutenção muito melhores. Os veículos faziam sucesso porque atendiam muito bem ao que se propunham. Outras criações da Gurgel foram desastrosas como o TTS dos Carajás, que como conceito parecia sensacional, mas na prática era péssimo de funcionamento, mas de qualquer forma desenvolvimento da engenharia os erros também fazem parte. O motor 2 cilindros do BR800 também envolve um projeto bastante oneroso de engenharia, assim como o sistema de suspensão criado para o mesmo veiculo. Tinham uma série de outros problemas, como acabamento, ruído, o próprio design rustico, mas que não eram prioridade para o público que se destinava. A Gurgel foi a grande montadora de veículos especiais nos anos 70 e 80, mas sem capital e parceiros estratégicos não iria longe. A Puma tinha maior lucratividade já que seus carros eram mais sofisticados e caros, assim como a Santa Matilde que tinha carros ainda mais caros, mais sofisticados e sinergia com a linha ferroviária. Todos esses empresários foram heróis.

O Gurgel Supermil (foto) era mais um projeto voltado ao perímetro urbano, baseado no Supermini, mas com o seguinte diferencial: motor de 1000cc desenvolvido pela própria Gurgel. A marca chegou a investir 5 milhões de Dólares na Tecprom, um centro de pesquisas e de desenvolvimento tecnológico para desenvolver o novo motor e adaptar os veículos ao mercado. Foi um dos últimos suspiros. O Supermil não chegou a ser produzido em série. a medida adotada pela Gurgel em desenvolver um motor de 1000cc não foi estratégica, e sim pela falta de garantias da Volkswagen em fornecer motores a Diesel da Kombi e os 1600 a ar. para a montadora alemã não interessava mais fabricar esse tipo de motor, fornecer peças de reposição e manutenção. Por conta disto, a Gurgel encerrou a produção do X-15 e do Carajás.

Fontes: Quatro Rodas nº 415 de fevereiro de 1993 (postada na página “Gurgel 800”) / Jornal do Brasil, 05/02/1992 caderno “Carro e Moto”, do acervo de Maximiliam Luppe.

https://quatrorodas.abril.com.br/noticias/grandes-brasileiros-gurgel-motomachine/

https://motor1.uol.com.br/news/118862/carros-para-sempre-santa-matilde-era-o-fora-de-serie-mais-caro-do-brasil/

Redação

12 Comentários

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  1. Governo entreguista dos milicos não poderia ser controverso e criar sua indústria automobilística
    Olhe para o mundo e me diga qual país que tem indústria automotiva nacional e que está mal das pernas?

    1. since 1500. [ “Irineu Evangelista de Sousa (o Barão de Mauá)…alvo de sabotagens criminosas, seus negócios foram abalados pela legislação que reduziu as taxas sobre as importações de máquinas, ferramentas e ferragens (tarifa Silva Ferraz, 1860)… sendo obrigado a vender a maioria de suas empresas a capitalistas estrangeiros e ainda os seus bens pessoais para liquidar as dívidas’ ] sem falar no Delmiro Gouveia (da ‘Linhas Corrente’). ou da Villares; ou…

    2. AntiCapitalismo de Estado, que já dura 90 anos desde o Golpe Civil Militar de 1930 entre os párias GV e Eugênio Gudin, até os dias de hoje. ‘ Um Povo que não conhece sua história….Primeiro como tragédia, depois como farsa ‘. Não estava entendendo a parte da liberação dos Financiamentos gerados por BNDES. A espetacular, fantástica GURGEL, Obra Genial de seu Presidente foi sabotada pelo AntiCapitalismo de Estado das Privatarias do canalha FHC e seu Ministro Ciro Gomes. O pária exigiu a transferência da Fábrica para o Ceará, seu estado de origem política. Então ficou segurando os financiamentos do BNDES, que havia prometido, assim como juntamente com o Presidente da República FHC, segurou a Lei de Isenção de IPI para Automóveis de 1.000 cilindradas ou menos. Segurou a GURGEL até à beira da falência e venda para a VolksWagen. Assim que encerrada as atividades da Fábrica Brasileira, Ciro e FHC liberaram os financiamentos do BNDES (agora para VW) e redução de impostos para os famosos Carros Populares MIL. Poucos meses depois do encerramento da Fábrica. Pobre país rico. Este sim o lobby que aniquila a Industrialização Brasileira. Mas de muito fácil explicação.

      1. É Zé, com esse conhecimento de história suas opiniões não podem ser muito diferentes do que são.
        Opinião tem como principal elemento (há outros) a informação e o conhecimento e você se confunde com desinformação, até mesmo em história recente. Vejamos:
        De cara, Ciro Gomes nunca foi ministro da Fazenda de FHC (cujo governo talvez vc acredite que foi o lançador e não surfista do Plano Real). O nome é Itamar.
        A Gurgel não foi vendida para a Volkswagen, quebrou (sim, infelizmente) e um esperto inútil comprou a marca.
        2/3 do seu comentário se baseia nessas falsas premissas.
        Mas de resto, você está correto, repetindo o que está no post.
        Parabéns por isso.

        1. Bo Sahl : Argumentos finalmente !!! Mesmo que os ‘Oficiais’ repetidos pela doutrinação. Realmente Ciro Gomes do Governo Itamar, quem começa a desgraça das Privatarias e projeto do Governo FHC que depois continuará o AntiCapitalismo de Estado. Corrente contínua Itamar-Ciro-FHC-Malan. Esperar o que de tanta mediocridade? A VW que já fazia certa parceria com Gurgel e onde eram revendidos seus Automóveis fica com a Empresa, apenas para fechá-la, já com a falência garantida pela quadrilha acima citada. A Marca e alguns penduricalhos restantes foram arrematados anos depois por outro Empresário. A culpa, esta, deve ser dos outros. Como acreditam os Doutrinados, que delegam ao Golpe Civil Militar Ditatorial Fascista, uma grande evolução deste país. Parabéns !!

  2. Sei não…Levaram um monte de dinheiro do governo e os carros eram ruins de dar dó…. Pode ser que eu esteja enganado, mas acho q não iriam resistir de qq maneira.

    1. Monte de dinheiro? Dá pra entender o Brasil a partir de seus Doutrinados. Tenho um Gurgel (BR 800) até hoje. O carro ‘inquebrável’, que faz mais de 25 Km/l e com isenção de IPI dos ‘carros mil’, custaria na faixa de 4 mil dólares (20 mil reais. Existe carro brasileiro a este preço?). Já na década de 70/80 projetava carros elétricos, quando isto não era nem moda. Fora isto, assim como os Planos de Expansão da Telesp, você ficava ‘proprietário acionista ‘ da Empresa. Uma Nação levado ao coma por 90 anos, oferta gratuitamente colossal Mercado sem levar nada em troca. Fora carroças preços extorsivos. Pobre país rico. Um neurônio que funcione !! Apenas um !! Mas de muito fácil explicação.

  3. Meu avô comprou algumas ações da Gurgel nos anos 80, quando eles abriram o capital da empresa na bolsa para construir a fábrica no Ceará. Ele tinha um Gurgel X12. Ele também recebia cartas da Gurgel relatando as sabotagens e acidentes na linha de montagem, e a debandada dos fornecedores de peças.
    Se a Gurgel estivesse viva na época do Lula, teria recebido grana do BNDES para exportar carros em toda
    américa latina. Mas ser industrial no Brasil é um crime hediondo, principalmente se qualquer fabriqueta estrangeira já estiver instalada por aqui com produtos semelhantes. Generais e ultraliberais vão sempre favorecer estrangeiros em detrimento do própio país, porque esta porra é um mercado cativo para empresas que dão prejuízo em seus países de origem, mas que aqui dão lucros astronômicos. Este será sempre o papel do Brasil no capetalismo internacional enquanto formos colônia. Já estou de saco muito cheio de ver a história se repetir na mão destes milicos sanguessugas.

  4. Um singelo resumo de nossa História industrial e algumas curiosidades (factuais) para “livre pensar” (® Millôr) sobre o braZil rico, atraZado e submisso a que chegamos:
    Desde 1500, só fomos liberados para ter um pouco de civilização por um estrangeiro europeu fugido de Napoleão. Pelo menos podemos dizer que temporariamente fomos sede e tivemos uma capital européia na América do Sul!…Né?
    Mesmo assim não deixamos de ser apenas um “reino unido” ao dos nossos “colonos”. Ou melhor, exploradores incompetentes à época, pois como a Espanha, predaram, exploraram e não ficaram prósperos e ricos (N.B.. Portugal hoje é um bem reputado país).
    Depois disso, nos tornamos “independentes” OFICIALMENTE graças à uma princesa AUSTRÍACA muito mais brasileira que seu “maridão”. Como regente oficial, o fez em 2 (DOIS) de setembro e o resto, entre “gritos” e quadros farsescos, é pura presepada…
    O marido viajante era tão “brasileiro” que preferiu ir embora para (brigar para) ser rei de Portugal.
    Um dos primeiros industriais e magnatas brasileiros, o Barão de Mauá, acabou desistindo de sê-lo e foi encerrar seus dias numa fazendola, desiludido com a falta de empenho do imperador herdeiro … das dívidas com a coroa inglesa.
    Tal império foi “impeached” pelos já “ruralistas” das terras férteis de invasão fácil ou cedidas com títulos de nobreza da corte, inconformados com os prejuízos da abolição e que já tinham mais compromisso com o estrangeiro do que conosco, exportando o que dava e vendendo a raspa do tacho por aqui (até hoje nada mudou, né?).
    Foi tão fácil que um marechal o fez quase que solitariamente. Nem ele entendeu muito bem.
    Tal p(l)utocracia oligárquica foi alijada do poder e de seus trambiques e privilégiso econômicos e eleitorais por um baixinho gaúcho que resolveu “amarrar seu burro” num obelisco do Rio.
    A “avançada” indústria de então (banha, manteiga, açúcar, tijolos e quetais) passou a poder pensar em aço, petróleo, energia, comunicações, automóveis, navios, aviões, tudo então monopólio de importação estrangeira.
    Mas isso foi temporariamente suspenso pelos “aliados” no pós guerra, juntando-nos à absorção das dezenas de países vencedores e derrotados pelo mundo, tanto pelos soviéticos quanto pelos americanos do “Destino Manifesto e da “Doutrina Monroe.
    Como voltou a regra democrática em 1950, o “velhinho voltou”, para desgosto da elite “estrangeirizada” (segundo Cármen Miranda, “voltou americanizada”).
    Então tivemos um tiro no Catete, uma carta testamento e, apesar da insistência dos golpistas, um JK assumiu (surpreendentemente, graças a um General democrata!) e tivemos aí os “50 anos em 5”.
    Talvez este período de 30 a 64 tenha sido o mais prolífico em termos de desenvolvimento do país, seja industrial, intelectual, artístico, arquitetônico, infraestrutural e muito mais.
    Talvez nunca tenha-se criado tantas indústrias e industriais nacionais de pequeno e médio porte em nossa História. Até algumas grandes multinacionais (ex.Brasmotor). Eletrônica, construção, auto-peças, metalúrgicas, militares e tantas outras.
    Aí veio o comunismo! Ah, o comunismo, essa ameaça fantasmagórica que serve pra todo tipo de “providências”, ainda que “preventivas”, para caçar fantasmas em sala de luz acesa.
    Por continuidade INERCIAL da cultura de nação (i.e.nacional) adquirida nas décadas de desenvolvimento, ainda que socialmente destrutiva (o que é nefasto), a ditadura prosseguiu (inercialmente) com alguns avanços materiais.
    Mas como todo sofá sem estofo, ovo de vidro vazio, murchou e se quebrou.
    Ainda no fim da ditadura, os traidores já tinham colocado seus pontos anti-nacionais. Antes mesmo das “diretas já” e com a eleição indireta de Tancredo (contra um ínclito Maluf), que morre (!), dando lugar à um Sarney que não segurou o rojão.
    Mas a recolonização descarada destas terras recomeçou mesmo foi com os Fernandos, e uma suave amainada com Itamar que, se por um lado não era entreguista, por outro não queria marola no seu barco.
    No período FHC a devastação foi única na História, com sua politica econômica neoliberal entreguista, privatarizações, com danos mesmo no setor PRIVADO, onde tradicionais industriais acabaram vendendo seus ativos para a concorrência estrangeira ou mudando para importar o que antes fabricavam. Deixou de valer a pena produzir. Melhor viver de juros!
    Lula suspendeu um pouco essa onda (sem revertê-la), dando foco ao social e aumentando a receita, não só surfando, mas multiplicando e diversificando os parceiros importadores.
    Aí veio Dilma com um razoável primeiro mandato, mas não sabendo enfrentar a sórdida pressão do segundo mandato (diferentemente de Lula). Destruiram-na na marra.
    Tivemos o Temer do “atraso de 20 anos em 2”. Agora “estamos tentando” atrasar 50-100 anos em 4.
    Mas se houvesse uma condenação, FHC seria talvez o maior e mais nefasto entreguista de nossa História.
    Bolsotraste por sua vez, em menos de dois anos, seria um feroz competidor!
    Mas a seu favor, poderia alegar insanidade…

  5. Fui proprietário de um BR800 e acionista da empresa que o produzia.
    A ideia era ótima , mas o R&D da Gurgel era ZERO. Principalmente o D! Quem testava era o comprador…
    Gurgel falava em carro elétrico nos anos 1970….
    Era um visionário, nosso Preston Tucker!
    História parecida , com tres décadas de antecedência foi de Nelson Fernandes da IBAP, com o Democrata.

    https://quatrorodas.abril.com.br/noticias/democrata-a-historia-do-carro-que-virou-ficcao/

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