O que está por trás da briga de Elon Musk pela “liberdade” que prega no X/Twitter

Nas mãos de Musk, o X se tornou ferramenta de comunicação que impõe a narrativa da extrema direita no Brasil

Por Sergio Quintanilha*

No Jornal da USP

Adisputa de poder entre Elon Musk, dono do X (ex-Twitter), e Alexandre de Moraes, ministro do STF, aumentou como nunca a temperatura das discussões sobre o papel das grandes empresas de tecnologia de comunicação na sociedade atual. Há tempos o poder das chamadas big techs vem sendo debatido no meio acadêmico e na esfera pública como um perigo para as democracias. O caso mais notório foi o da participação indireta do Facebook na eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, em 2016. Durante a corrida eleitoral, a Cambridge Analytica utilizou dados de 70 milhões de usuários do Facebook naquele país para favorecer Trump. Mas o caso Musk-Moraes eleva o problema para um novo patamar. Até então, plataformas como X/Twitter e Facebook eram vistas como relativamente “neutras”, nas quais o engajamento a favor deste ou daquele tema dependia mais da participação dos próprios usuários do que das plataformas em si.
Ainda havia alguma ilusão de que os algoritmos podiam ser domesticados, dependendo da forma como as postagens eram feitas e de alguns parâmetros – autor, horário, palavras-chave, curtidas, compartilhamento etc. Embora a participação de robôs, notadamente na eleição de Jair Bolsonaro em 2018, tenha tido papel importante, pairava sobre as big techs o benefício da dúvida.

Teoricamente, cabia aos usuários a iniciativa de denunciar discursos de ódio, às plataformas a rápida identificação desses discursos, bem como a proteção dos dados, e ao poder público as ações para que certas postagens fossem barradas, seja pela exclusão do conteúdo publicado ou pelo banimento do autor. Mas Elon Musk decidiu participar ativamente do jogo, e tudo mudou.

Não queremos comentar aqui os detalhes da disputa de poder entre Musk e Moraes, pois eles estão na cobertura da mídia. Nosso foco é o movimento do dono do X, que muda o status da plataforma para transformá-la numa espécie de panfleto político digital.

Porém, não são centenas de panfletos impressos e distribuídos a mão, como se fazia antigamente, mas sim uma poderosa mídia com meio bilhão de usuários, que não apenas tem enorme poder de massificação, mas também de calar o outro lado. É isso que muda o jogo. Nas mãos de Musk, agora sem máscara, o X se tornou uma ferramenta de comunicação que endossa, reforça e impõe a narrativa da extrema direita no Brasil.

Elon Musk se notabilizou como empresário visionário ao transformar a Tesla na montadora de carros mais valorizada do mundo. Com uma estratégia inteligente, que considerou inicialmente a infraestrutura necessária para o carregamento dos carros elétricos, o empresário sul-africano apostou todas as fichas na Tesla e, de alguma forma, obrigou as montadoras tradicionais a correrem atrás dela, em busca de uma mobilidade mais limpa.

Num ambiente de superaquecimento global, os carros da Tesla não emitem CO2 durante a utilização por serem totalmente elétricos. O dano colateral causado pelas baterias de íons de lítio é uma discussão que ainda está sendo feita, mas é menor do que o dano provocado pelos carros com motor a combustão interna.

Musk também deu passos importantes em outras áreas, como a de satélites de comunicação, com sua empresa Starlink, e com os voos espaciais com foguetes que retornam e pousam em pé, com a Space-X. Faltava, entretanto, uma empresa de comunicação global que fechasse o ciclo.

O Twitter era a plataforma perfeita para os planos de Elon Musk. Embora não fosse tão popular como Facebook, Instagram e TikTok, o Twitter era a rede social preferida dos intelectuais, muito usada por políticos e por jornalistas, portanto com enorme capacidade de formar opinião. Trump e Bolsonaro, em seus mandatos, não precisavam convocar entrevistas coletivas ou rede nacional para se comunicar com frequência – diziam o que queriam em mensagens de até 280 caracteres no Twitter.

O Twitter, aliás, era considerado a rede social mais engajada na detecção e banimento dos discursos de ódio e de outros crimes realizados a partir das plataformas digitais. Tanto que Trump foi banido do Twitter, em 2021, por incitar a violência no episódio de invasão do Capitólio. Musk pagou 44 bilhões de dólares pelo Twitter e já chegou cortando as cabeças dos líderes. Tudo seria mudado.

Em 2022, Musk fez uma enquete em seu Twitter e, pelo resultado (51,8% contra 48,2%), decidiu reativar a conta de Trump. E tuitou: “O povo falou. Trump será reintegrado. A voz do povo é a voz de Deus”, escreveu, em latim: “Vox Populi, Vox Dei”. O que ele não disse é que tem o controle do algoritmo a seu dispor.

Uma de suas primeiras providências foi desativar todas as contas verificadas, marcadas com o famoso selinho azul, que servia para diferenciar veículos de informação reais, como The New York Times e Folha de S. Paulo, por exemplo, de perfis que pudessem se passar por eles. O selo azul de “perfil verificado” também era distribuído para jornalistas, artistas e outras pessoas que poderiam eventualmente ser vítimas de falsificação no uso de seus nomes. Este selo era gratuito.

Musk decretou o fim do selo gratuito e começou a cobrar por seu uso. Portanto, não apenas utilizava a informação dos “criadores de conteúdo”, além de minerar seus dados, mas também passou a receber por eles! Uma situação que antes seria considerada absurda, pois a grande massa de usuários das redes sociais está de fato trabalhando de graça para as plataformas.

O dono da Tesla, da Starlink, da Space-X e do Twitter provou mais uma vez que era um “gênio” do capitalismo, pois muitos jornalistas toparam pagar pelo selo, além de pessoas anônimas que passaram a ser “verificadas”. Em troca, ganharam mais espaço para suas postagens (não mais limitadas em 280 caracteres) e, mais importante, passaram a contar com uma providencial ajuda do algoritmo. Contas verificadas têm mais visualizações, e seus donos ganham mais relevância na mídia digital.

Não demorou para que Mark Zuckerberg adotasse a mesma ideia para o Facebook e o Instagram. Elon Musk ainda mudou o nome da empresa, de Twitter para X, o que também foi um choque para os usuários, que ficaram órfãos do simpático passarinho azul. Mas tudo estava se acomodando até que o dono do X decidiu levantar a bandeira da extrema direita brasileira e passou a chamar o ministro Alexandre de Moraes de “ditador do Brasil”.

Não uma ou duas vezes, mas várias. Por incrível que pareça, num primeiro momento o que Musk fez, ao compartilhar e comentar uma postagem de Moraes no X, era apenas o normal da plataforma, que sempre teve fortes embates, mesmo quando se chamava Twitter. A diferença – gritante e perigosa – é que, no caso, um dos dois era simplesmente o dono do X. E que ameaçava não cumprir as decisões judiciais de um país soberano.

Portanto, Musk mudou o status do X. Ele deixou de ser um espaço de informação ligeira e de debates e passou a ser o Pravda particular do dono da plataforma, que tem interesse na extração de lítio na Argentina (daí sua ótima relação com Javier Milei) e já espera que Trump, se voltar à Presidência dos Estados Unidos, coloque barreiras comerciais para a entrada de carros elétricos chineses no mercado estadunidense, especialmente os da BYD.

Atualmente, a Tesla ocupa o 14º lugar no ranking global de vendas e tem o carro mais vendido do mundo, o Model Y. Mas a BYD já passou para o 9º lugar, está levantando fábricas de carros elétricos no Brasil e no México, e pretende entrar em todos os mercados com veículos elétricos acessíveis, o que não é o caso dos automóveis da Tesla, todos caríssimos.

Musk diz em suas bravatas contra Moraes (e, por extensão, contra o Poder Judiciário do Brasil) que luta pela “liberdade”, palavra esculachada pela extrema direita no mundo inteiro, de tanto que seu significado foi deturpado. Mas, curiosamente, sobre a liberdade de expressão na China, onde tem uma fábrica na Tesla, e onde o X é proibido, Musk nunca disse absolutamente nada.

Com a polêmica entre o X e a Justiça brasileira, muitos usuários abandonaram a plataforma e correram para duas parecidas: o Threads e o Bluesky. O Threads pertence a Zuckerberg e já há algum tempo abriu contas automaticamente para os usuários do Instagram, tanto que os perfis são vinculados. Poucos usavam o Threads, que perdeu 70% de usuários após o impacto inicial; agora volta a ser uma das opções de quem se sentiu traído pela postura do dono do X.

O Bluesky pertence a Jack Dorsey, que foi um dos criadores do Twitter e CEO da empresa até o ano passado. Vários perfis da esquerda brasileira migraram rapidamente para o Bluesky, que tem a promessa de ser mais seguro e transparente para os usuários.

O Bluesky utiliza a tecnologia blockchain, que também é usada em criptomoedas. “Estamos construindo o AT Protocol, uma nova base para redes sociais que gera aos criadores independência de plataformas, aos desenvolvedores a liberdade de construir e aos usuários uma escolha em sua experiência”, afirma o site oficial da Bluesky.

É possível que Musk tenha dado um tiro no pé, jogando milhões de usuários do X no colo de Zuckerberg (Threads) e de Dorsey (Bluesky)? Sob o ponto de vista do X como negócio de comunicação, sim. Mas já está claro que o X não é mais um espaço de debate isento e se tornou apenas um instrumento para imposição de uma narrativa política particular, a de seu dono, cuja briga pela “liberdade” é quase uma moeda de troca.

Sergio Quintanilha é integrante do grupo de pesquisa Jornalismo, Direito e Liberdade (JDL), vinculado à Escola de Comunicações e Artes da USP e ao Instituto de Estudos Avançados da USP.

Este artigo não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN.

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  1. “A voz do povo é a voz de Deus”.

    “Por ocasião da festa era costume do governador soltar um prisioneiro escolhido pela multidão.
    Eles tinham, naquela ocasião, um prisioneiro muito conhecido, chamado Barrabás.
    Pilatos perguntou à multidão que ali se havia reunido: “Qual destes vocês querem que solte: Barrabás ou Jesus, chamado Cristo?”
    Porque sabia que o haviam entregado por inveja.
    Estando Pilatos sentado no tribunal, sua mulher lhe enviou esta mensagem: “Não se envolva com este inocente, porque hoje, em sonho, sofri muito por causa dele”.
    Mas os chefes dos sacerdotes e os líderes religiosos convenceram a multidão a que pedisse Barrabás e mandasse executar Jesus.
    Então perguntou o governador: “Qual dos dois vocês querem que eu solte?”
    Responderam eles: “Barrabás!”
    Perguntou Pilatos: “Que farei então com Jesus, chamado Cristo?”
    Todos responderam: “Crucifica-o!”
    “Por quê? Que crime ele cometeu?”, perguntou Pilatos.
    Mas eles gritavam ainda mais: “Crucifica-o!”
    Quando Pilatos percebeu que não estava obtendo nenhum resultado, mas, ao contrário, estava se iniciando um tumulto, mandou trazer água, lavou as mãos diante da multidão e disse: “Estou inocente do sangue deste homem; a responsabilidade é de vocês”.
    Todo o povo respondeu: “Que o sangue dele caia sobre nós e sobre nossos filhos!”
    Então Pilatos soltou-lhes Barrabás, mandou açoitar Jesus e o entregou para ser crucificado”.
    Vox populi, vox Dei

  2. sobe o texto… um nem tão recente artigo (em 26.04) sobre a questão Elon Musk, Tesla, Trump

    O Segredo de Elon Musk

    O Luis Nassif, com suas análises, na maior parte das vezes certeiras, desta vez, cumpriu um antigo adágio, atirou no que viu e acertou no que não viu.
    Claro, refiro-me a análise da situação da Tesla (e de seu maior acionista) perante a nova concorrência, notadamente a chinesa, a qual segundo o próprio Elon Musk, neste momento, não pode ser superada em igualdade de condições.
    Para tanto, o Nassif, centra sua análise na questão referente a administração das empresas ou, mais precisamente, coloca em dúvida a capacidade de gestão do referido bilionário.
    Desta forma, obviamente que a reportagem da CNN, mostrando esta nova face da Tesla, a mais fulgurante empresa de Elon Musk, em sua transformação de Cinderela para personagem de filmes de terror, é um componente central para corroborar suas teses.
    A aparente decadência em termos de valores, em termos de confiabilidade e de expectativa de valorização futura, dos chamados mercados financeiros, teve um abalo significativo.
    Delineada esta parte, faço uma pausa, pois as referidas informações acima, podem ser obtidas de forma mais abrangente junto as referidas fontes e em outras, notadamente as dirigidas ao mercado financeiro e de ações.
    Assim , passo ao segundo ponto.
    De outra banda, vemos, o mesmo empresário, num outro campo de atividade, no caso, no ramo das Comunicações, através da rede social X – antigo twitter – onde o vemos abraçar de forma clara uma agenda política, onde nas últimas semanas desferiu ataques diretos aos atuais governos do Brasil e agora da Austrália.
    Nesta segunda parte, por demais conhecida, de pronto me abstenho de tecer considerações outras,, por serem tais atos de conhecimento público.
    Pois bem, ainda que de forma singela, e resumida ao extremo, temos os dados essenciais.
    Agora, feitas estas breves considerações, vamos ao tema principal, ou seja, vamos desvendar o segredo de Elon Musk.
    De plano, sem grandes elaborações, a resposta, aparentemente óbvia, ainda não foi levantada em sua inteireza.
    É que, Elon Musk, para que sua empresa continue grande e que sua rentabilidade continue expressiva, tem um fator que, neste momento apresenta-se como imprescindível , ou seja, a eleição de Donald Trump, para que, com ele, volte sua politica descaradamente protecionista, sob o lema raso, da América para os Americanos, a qual para Elon Musk, poderia ser traduzida como: “…um mercado cativo e protegido para a Tesla” – e claro, para garantir a riqueza e proteção de seus donos –
    Desta forma, é fundamental eleger Donald Trump, para que, junto com ele, venha seu protecionismo seletivo, o qual, certamente, não descuidaria de um aliado tão importante, ainda mais que alicerçado numa enorme rede social.
    Mas, o problema é que Elon Musk, em tese, não pode interferir diretamente na eleição norte americana, de modo que, frente a tal obstáculo, ele busca fazer uma manobra diversiva para burlar o referido impedimento, ou seja, no caso, de um instante para outro, virou o paladino da extrema direita no mundo, ocidental.
    Sim, o interesse não é certamente na política que se faz no Brasil ou mesmo na Austrália, estes países, são apenas meios necessários, para a consecução de seu plano, centrado na eleição norte americana.
    O objetivo, como agora todos sabem, é a eleição do ex Presidente Donald Trump, que seria, no caso, a sua tábua de salvação, e, portanto, via de consequência, por este lutara até a morte, visto ser uma questão de sobrevivência.
    Sem mais considerações, a parte essencial esta delineada.

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