“Omb o quê?” Ainda?, por Juliana Rosas

E três décadas depois, podemos nos perguntar, a palavra ainda causa espanto? Talvez. Alguns já estão cansados de ouvir, mas é uma palavra sueca

do ObjETHOS

“Omb o quê?” Ainda?

por Juliana Rosas*

Vou lembrar o milagre mas não o santo. Desculpem. Mas li em algum lugar, há alguns anos, que quando alguém foi procurar pelo ombudsman da Folha de S. Paulo na recepção do jornal, o funcionário se espantou com a palavra: “omb o quê?!”, teria dito, esclarecendo-se a situação somente após o nome do então ocupante do cargo ser fornecido. A função, no entanto, já existia no jornal há vários anos. Em 24 de setembro de 1989, pela primeira vez em um jornal da América Latina, alguém era pago para defender o leitor. Caio Túlio Costa estreava como o primeiro defensor do leitor no Brasil. Estamos celebrando, portanto, 30 anos da estreia do ombudsman na imprensa brasileira.

E três décadas depois, podemos nos perguntar, a palavra ainda causa espanto? Talvez. Alguns já estão cansados de ouvir, mas é uma palavra sueca. No Brasil, a Folha adotou o termo para ambos os gêneros e ombudsmans no plural, ainda que em países de língua inglesa tenha se convencionado usar ombudsmanombudswoman (mais raramente) e ombudsmen, que podem ser encontrados em algumas referências.

E se a palavra não soa tão familiar, podemos afirmar que o brasileiro conhece o conceito de ouvidoria? Nas entidades privadas, o ombudsman entra primeiro nas empresas jornalísticas, passando pelo setor bancário e outros segmentos na sequência. A função que visava atender ao cidadão se estabeleceu no país onde, segundo Caio Túlio Costa (2006, p.11), a cidadania é um “desejo difuso e uma possibilidade distante”. E lembremos, a atividade, de caráter bastante democrático, surge, no jornalismo, pouco depois da nossa Constituição de 1988 ter sido aprovada. Ao longo dos anos, a ouvidoria pública foi pouco a pouco sendo adotada nas mais importantes esferas governamentais, tal como na saúde (no Sistema Único de Saúde – SUS, em hospitais, etc), na segurança (polícias, secretarias) e na educação, como em universidades federais.

A propósito, a instituição na Suécia surgiu com o termo justitiombudsman e possuía mais este caráter público e cidadão. Em 1967, os jornais americanos Louisville Courier Journal eLouisville Times, ambos de Louisville, no Estado de Kentucky, foram os pioneiros na implantação do cargo e resolveram adotar a nomenclatura para o defensor do leitor. Em diferentes países, a terminologia muda, sendo defensor del lector na Espanha, médiateur na França, provedor do leitor em Portugal. Para seu ombudsman, a Folha se baseou nas experiências do Washington Post e do El País, e acabou adotando a nomenclatura existente nos EUA.

Brasil: ombudsman crítico

Embora tenha sido nos Estados Unidos onde os modelos de jornalismo como quarto poder, vigilante dos outros poderes e o termo watchdog tenham surgido, lá, nos primórdios, o ombudsman de imprensa era mais ouvidor do leitor e menos crítico de imprensa. Desde o início, o ombudsman brasileiro reunia ambas as características: a de ouvir o leitor e criticar, além do seu próprio jornal, a mídia em geral.

O ombudsman teve sua era áurea em meados dos anos 1990, década de florescimento democrático no Brasil e no mundo. Diversas ouvidorias começaram a ser implantadas. Tivemos eleições diretas, tínhamos uma constituição recente, surgiu o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), diversos direitos civis foram conquistados. No mundo, era o fim da Guerra Fria, o Muro de Berlim havia caído em 1989, trazendo novos ares de liberdade para a década seguinte em diversos países. Ainda assim, não foi majoritariamente adotado em jornais, assim como se propagou, no Brasil, a ouvidoria pública e serviços de atendimento ao consumidor em empresas particulares e prestadoras de serviço. A partir dos anos 2000, o número já havia caído drasticamente. Difícil precisar a quantidade, quando até mesmo a organização internacional dos ombudsmans de imprensa (ONO – Organization of News Ombudsmen and Standards Editors) tem números e mesmo membros desatualizados, como podemos conferir pela não atualização do ombudsman da Folha (há vários cargos, por sinal…). A própria organização deixando a desejar. Talvez eles precisem de um ombudsman…

Hoje, apenas os jornais Folha de S. Paulo e O Povo, jornal cearense, mantêm o ombudsman no Brasil. Qual a explicação? Há algumas opiniões pertinentes de jornalistas, pesquisadores, ombudsmans e ex-ombudsmans. A partir das pesquisas que fiz e li ao longo dos anos, apresento alguns indicativos. O jornalismo carrega consigo uma ambivalência em seu âmago: é um negócio que presta serviço público. É feito por empresas, que, a princípio, precisam ter lucro para se manterem. Ao mesmo tempo, devem prestar informações de interesse público. Obviamente, relações perigosas entre público e privado sempre existiram ao longo dos anos e o jornalismo é um dos maiores exemplos. Porém, esta dicotomia ganha destaque no trabalho do ombudsman e mesmo na decisão de tê-lo ou mantê-lo.

Responsabilização e transparência

Pelo que pude perceber, as empresas, de modo geral, e também as jornalísticas, querem se mostrar respeitosas, responsáveis e accountable. Ombudsman, entre outros, é um meio de accountability. Pois bem, o jornal quer se mostrar accountable, porém, não deseja ser tão transparente. Neste raciocínio, ter um ombudsman é mostrar-se accoutable. Não querer que o ombudsman mencione ou traga a público certos assuntos, é não querer ser totalmente transparente.

Com isso, é mais fácil imaginar a estabilidade de ouvidorias no serviço público. Este, como o nome já diz, é serviço prestado por entidades públicas, com dinheiro coletado dos impostos de toda a população. E como o dinheiro é de todos, a cobrança vem de diversos setores. Bem como o setor público desenvolveu meios de checagem e funcionamento ao longo dos anos que tornam a cobrança mais efetiva e parte do sistema. Mesmo assim, nem tudo são flores.

Por princípio, serviços públicos e privados funcionam de maneira distinta. Bem como o governo, apesar de ser obrigado a cobrar cumprimentos legais, não pode intervir no funcionamento interno de uma empresa. Com isso, o ombudsman pode ser considerado um mecanismo de accountability, sendo, em uma empresa privada, um meio voluntário. Para uma empresa, um valor tanto simbólico quanto prático é a credibilidade. Alguns terão diferentes ideias do que traz confiança. Para alguns, ter transparência com os erros, feedback dos clientes e tentativa de melhorias aumentam a credibilidade. Para outros, ter alguém que deixe os erros transparentes é uma pedra no sapato.

Com isso, a coluna pública de ombudsman pode ser um espaço de autocrítica do próprio jornal que o abarca, pode ser um ator a mais no papel da imprensa de criticar os poderes e governantes ou pode se tornar o locus de embate de ethos. O ethos jornalístico versus o ethos empresarial. Se nessa colisão sai fogo em vez de debates racionais produtivos, quem perde é o leitor e cidadão. A falta de ombudsman pode ser um sintoma da crise no jornalismo como modelo de negócios, como ator político e representante da esfera pública. Tendo reinado por várias décadas, o jornalismo hoje não só disputa como muitas vezes perde espaço para mídias sócias, robôs (bots), notícias falsas, etc.

Façamos uma comparação meio forçada. Serviços de busca como o Google são uma mão na roda. Internet: melhor pessoa, nossa melhor amiga. Procurar saber de uma doença por meio de algum sinal pode te ajudar em pequenos casos ou até certo ponto. Porém, uma ressaca e um coágulo na cabeça podem gerar o mesmo sintoma. O jornalismo responsável não inventa nem espalha uma informação tão absurda como a de uma mamadeira pornográfica – dado insensato que conseguiu influenciar nossa última eleição presidencial. Portanto, quando a coisa apertar, procure um médico responsável. Na dúvida, não acredite na informação fantasiosa de grupo do Whatsapp. Leia publicações credíveis. O ombudsman faz parte do jornalismo de verdade. Em vez de “omb o quê?!” Quem sabe venhamos a ouvir: “tenho dúvida se é fake news, vou procurar o ombudsman”. Sonhar com dias melhores para o jornalismo não custa nada.

Em tempo: na última semana, a Folha divulgou algumas matérias e um podcast sobre os 30 anos do ombudsman no jornal e discussões sobre a atividade no jornalismo. Vale a pena checar.

Em tempo 2: ano passado, os professores Elaine Javorski e Sergio Gadini organizaram um livro sobre o ombudsman no Brasil. O professor Gadini, em congresso do Sbpjor 2018, prometeu uma nova edição em 2019, com novas descobertas para a comemorações dos 30 anos. Vamos cobrar. Bem como o Objethos, nos bastidores, prometeu novas publicações. Entre elas, um apanhado inédito sobre quem já foi ombudsman no país. Vamos (nos) cobrar também!

Referência:

COSTA, Caio Túlio. O relógio de Pascal. 2.ed. São Paulo: Geração Editorial, 2006.


*Juliana Rosas é doutoranda no PPGJOR/UFSC e pesquisadora do objETHOS

Redação

1 Comentário

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  1. Credibilidade leva tempo para ser construída mas num instante pode ser perdida. No início acreditei na iniciativa do jornal da firma “Folha” mas de lá para cá foram tantas as incompetências que hoje prefiro considerar que a atividade de “ombudsman” é enganação. E não me dou ao trabalho de lê-lo mais, nem para verificar se agora está cumprido com suas funções. O jornalismo no Brasil – bem como todos os ramos do comércio, da indústria e do setor de serviços, enfim… toda atividade da iniciativa privada do Brasil e de todos os países que baseiam suas economias no dólar – está muito prejudicado.

    (***)

    Não esqueço do episódio em que o ex-funcionário do HSB Hervé Falciani entregou uma lista de fortunas escondidas por esse banco ao CIJI (Consórcio Internacional de Jornalismo Investigativo). Os jornalistas do Le Monde publicaram a lista com os nomes dos donos desse jornal. No Brasil, Fernando Rodrigues – o “jornalista investigativo” do Brasil – usou a lista como desculpa para sacanear o (saudoso) Alberto Dines publicando “fake news”… Poucas vezes vi um pretenso profissional deixando tão claro que não se deve levar a própria profissão tão a sério, talvez considerando profissão, seja ela qual for, apenas um meio de ganhar dinheiro e poder.

    (***)

    E Deus respondeu ao anjo:
    – “Tá bom, nesse país não vai ter terremoto nem vulcão mas, hehe… você vai ver só o ‘povinho’ que vou botar lá.”

    Poderia acrescentar: “Porei Fernando Rodrigues e Ali Kamel como jornalistas, Bolsonaro como presidente e Sérgio Moro como Ministro da Justiça! Ah! E não poderia me esquecer do fiel religioso Dallagnol: promotor de justiça.”

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