
Por Lauro Veiga Filho
Porção majoritária da Faria Lima, avenida paulistana que concentra os maiores conglomerados financeiros do País, reuniu-se na quarta-feira, 18, com a alta direção do Banco Central (BC), num encontro realizado a cada três meses pela autoridade monetária para “medir” a temperatura do tal mercado antes de redigir seu Relatório de Inflação (RI) – que, por sua vez, apresenta as expectativas alimentadas pelo setor financeiro e pelo próprio BC para os próximos meses em relação à atividade econômica, à inflação e, portanto, ao futuro da política de juros.
O consenso entre os “oráculos” do mercado parece indicar o seguinte, resumidamente: a economia está mais fraca e corre riscos sérios de crescer menos do que se espera neste e no próximo ano; a perda de popularidade do governo e a proximidade das eleições podem fazer com que Brasília tenda a gastar mais, agravando o tal “risco fiscal”; por isso, seria necessário trazer a taxa básica de juros para algo em torno de 8,0% ao ano até o final deste ano para “ancorar” a inflação em 2022 e evitar uma escalada inflacionária.
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Alguma preocupação com a pandemia, as mortes, o avanço de novas variantes do Sars-CoV-2, o desemprego, a escalada da pobreza e da miséria e os efeitos da alta de juros sobre o lado real da economia? Nenhuma. Claro, porque o que realmente importa é aumentar os juros, o que assegura bônus e dividendos mais gordos ainda no final do ano. Como esta coluna tem insistido ao longo das últimas semanas, a elevação dos juros básicos tende a produzir efeitos perversos sobre a atividade econômica, ao encarecer o custo do crédito e assim afetar o ritmo de negócios de forma negativa num momento já ruim para a economia em geral. Além disso, juros mais altos deveriam ser um foco de preocupação também para a equipe econômica, porque terão impactos sobre as contas do setor público, ao aumentar gastos, promover a redução de receitas por meio de desaquecimento ainda mais severo da economia e, ao fim e ao cabo, sobre os níveis de endividamento do governo central.
Os amorais
De volta à calculadora, a elevação dos juros básicos para 8,0% geraria, ao longo de 12 meses, despesas mais de três vezes maiores do que o governo se dispõe a gastar neste ano no enfrentamento da pandemia. As projeções consideram um estoque de R$ 3,104 trilhões registrado pela dívida do setor público corrigida pela taxa Selic (os juros básicos) até junho deste ano (algo como 63,6% da dívida pública líquida total). Caso a taxa básica fosse mantida em 2,0% ao ano, nível registrado até 16 de março deste ano, a despesa estimada com juros poderia atingir algo como R$ 62,1 bilhões em 12 meses. Sem mudanças no saldo devedor, a imposição de juros de 8,0% ao ano elevaria aquele gasto para R$ 248,3 bilhões nos 12 meses seguintes, saltando quase 300% frente ao cenário anterior. Para comparar, o governo reservou para este ano em torno de R$ 75,4 bilhões para financiar as medidas de combate à pandemia, incluindo a ajuda a empresas de pequeno e médio portes e o auxílio emergencial “mitigado” às famílias vulneráveis. A conta é de uma simplicidade dramática aqui: a despesa com juros deverá ser 229,3% mais alta do que o total de recursos programados contra a Covid-19, o que revela muito dos pressupostos (a)morais que orientam a equipe econômica e o governo em seu conjunto.
Terrorismo fiscal
Afinal, qual as dimensões reais da (suposta) ameaça fiscal que estaria constrangendo a economia, impulsionando o dólar (que ontem subiu quase 2,0%) e causando inflação? A Instituição Fiscal Independente (IFI), em seu Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) deste mês, deveria pelo constranger os mercados. Entre outras avaliações, a instituição conclui: “O comportamento da série contrafactual calculada pela IFI para o resultado primário do governo central indica uma trajetória relativamente controlada”.
Bem, “relativamente controlada” parece exatamente o inverso do descontrole sugerido. Um dos pontos, no entanto, é que gestão fiscal sob comando do senhor Paulo Guedes e seus asseclas neste ano assegurou uma melhora no resultado primário (receitas menos despesas, excluídos os gastos com juros) às custas da redução das despesas relacionadas à pandemia, além de ter achatado investimentos públicos. Em valores correntes, a despesa total do Tesouro caiu de R$ 944,2 bilhões no primeiro semestre de 2020 para R$ 785,6 bilhões em igual período deste ano, o que representou corte de R$ 158,6 bilhões. Perto de 95,0% dessa redução veio do tombo nas despesas obrigatórias, que saíram de R$ 896,8 bilhões para R$ 746,2 bilhões (R$ 150,6 bilhões a menos). Os créditos extraordinários abertos para enfrentar a pandemia e seus impactos sobre a saúde e sobre a economia despencaram de R$ 171,4 bilhões para apenas R$ 48,7 bilhões no acumulado entre janeiro e junho deste ano, numa queda de R$ 122,7 bilhões (ou seja, ao redor de 77,4% da redução observada para o total das despesas).
Rombo em queda
Ao excluir fatores atípicos que vêm influindo no comportamento de receitas e despesas do Tesouro desde o ano passado, como o adiamento e redução temporária de impostos e contribuições, receitas extraordinárias com a revisão do contrato da cessão onerosa do pré-sal, em dezembro de 2019, e as despesas com a pandemia, a IFI estima um déficit primário recorrente muito próximo de R$ 45,5 bilhões nos 12 meses encerrados em junho deste ano. Antes da pandemia, no acumulado em 12 meses até março do ano passado, o rombo havia alcançado R$ 126,7 bilhões, também com a exclusão de fatores atípicos. Dito de outra forma, registra-se uma redução de 64,1% no tamanho do déficit primário, em termos reais, já que os valores foram atualizados pela IFI até junho deste ano com base na inflação do período. Mais uma vez, reforça a instituição ligada ao Senado, o “resultado primário recalculado para isolar efeitos atípicos indica trajetória bem-comportada”.
Numa observação final, mas não definitiva, de que forma conciliar o discurso fiscal mais catastrofista com os números apurados pela IFI? Seria preciso reconhecer, de partida, que aumentos de juros causam sim estragos sobre as contas de todos os governos, geram rombos e mais dívida. Na área da inflação, a defesa da elevação dos juros parece desconhecer os efeitos negativos dos aumentos de custos sobre os indicadores inflacionários, especialmente nos segmentos de insumos e matérias-primas, pressionados pelos aumentos nos preços internacionais do petróleo, das commodities metálicas e agrícolas, e ainda pela desorganização instalada nas cadeias globais de suprimento desde o começo da pandemia.
Lauro Veiga Filho – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.
Este texto não expressa necessariamente a opinião do Jornal GGN

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