Os problemas no discurso de Bettina, por Jana Viscardi

Quem a apoiou para que tivesse o dinheiro de entrada para investir? Como ela garantiu que, ao longo de três anos, não precisaria fazer uso do dinheiro que separou para investir? Com que regularidade acompanhava as informações da Bolsa para garantir que estava fazendo as melhores escolhas? Como construiu esse arcabouço teórico para poder fazer isso?

Por Jana Viscardi

No Justificando

Bettina, Bettina…

“Meu nome é Bettina, eu tenho 22 anos e um milhão e quarenta e dois mil reais de patrimônio acumulado.”Se você é um assíduo consumidor de conteúdo no Youtube, possivelmente já se deparou com a propaganda estrelada por Bettina Rudolph, em que ela apresenta, brevemente, essa história de sucesso.

Bettina não está contando essa história sozinha: a razão de sua imagem aparecer em tantos inícios de vídeo no Youtube tem nome, Empiricus, empresa responsável por “ ajudar pessoas comuns a conquistarem a sua independência financeira”[1].

A curta história de Bettina surpreende: 22 anos, um milhão de reais em patrimônio, tendo começado com mil e quinhentos reais. No entanto, a narrativa de Bettina – que, definitivamente, foi “eficiente” ao chamar a atenção de muita gente – não esclarece como esse enriquecimento aconteceu. E o objetivo é justamente esse: pescar você que a assiste ali naquela propaganda para se cadastrar e receber “a fórmula que seguiu para juntar um MILHÃO de reais com ações entre outros ativos e fontes de renda”[2].

A história de Bettina rapidamente repercutiu – mas não só positivamente. Foi então que a empresa Empiricus publicou um outro vídeo, com carga dramática: fundo preto, um olhar sério da protagonista para o horizonte enquanto lia os comentários de pessoas do Twitter “caçoando” de sua conquista. Ao final, um complemento à história que lemos no começo deste texto:

“Oi, meu nome é Bettina, eu tenho 22 anos e começando com mil quinhentos e vinte reais eu acumulei um patrimônio de mais de um milhão, dependendo exclusivamente de mim mesma. Se vc quer saber tudo sobre essa história, clica no botão que vai aparecer na sua tela.”

É importante deixar claro aqui: a história repercutiu porque a empresa tem grana, muita grana, para fazer publicidade no Youtube. Muitos vídeos vêm com diferentes propagandas da empresa. As pessoas parecem ter comprado pouco a história e, por isso, tanta repercussão negativa. O problema, então, que fique claro, não é a Bettina especificamente, mas a empresa que repercute narrativas dessa natureza para caçar pessoas que querem crescer. Em uma sociedade tão desigual e com tantos desempregados, quem não quer?

Mas qual o problema da narrativa, Jana? Vamos lá: um dos problemas desse tipo de discurso é a lógica do enriquecimento que parece ter uma fórmula e que depende, exclusivamente, de mim mesma. Basta aplicar a fórmula, à exaustão, e pum! Você acumula muito capital.

Esse tipo de narrativa se concentra, portanto, nos indivíduos e ignora, dentre tantas coisas, o fato de que todos vivemos em sociedade, mais especificamente, em uma sociedade extremamente desigual. E a desigualdade, em todos os níveis em que atua, não permite que os indivíduos partam do mesmo ponto para se desenvolverem e, supostamente, enriquecerem. Aplicar uma fórmula não funcionará da mesma maneira para todos porque 1) não partimos do mesmo ponto; 2) o mercado de ações não é exatamente previsível e estável.

Quem a apoiou para que tivesse o dinheiro de entrada para investir? Como ela garantiu que, ao longo de três anos, não precisaria fazer uso do dinheiro que separou para investir? Com que regularidade acompanhava as informações da Bolsa para garantir que estava fazendo as melhores escolhas? Como construiu esse arcabouço teórico para poder fazer isso?

Se essas fórmulas mágicas funcionassem, todos seríamos ricos. A narrativa seria absolutamente adequada. No entanto, cá estão muitos brasileiros, beirando a pobreza. Então, dirão: “você não conseguiu porque não se esforçou o suficiente”, “você não seguiu a fórmula que te garante a melhoria”, “você está poupando pouco, poupando errado, gastando dinheiro onde não devia”. Ou seja, o problema é seu, só seu.

Esforços individuais para a conquista de objetivos são importantes, e podem ser reconhecidos. No entanto, narrativas que têm foco exclusivo no aspecto individual ignoram em absoluto a complexidade do desenvolvimento individual em uma sociedade desigual. Ignoram também que, em uma sociedade capitalista, não há espaço para que todos enriqueçam. Mas, novamente, se você se concentra apenas no argumento individual, você acha que o seu esforço vale a pena, e que você será o merecedor dessa mudança de vida.

Por isso, cuidado: nada disso depende exclusivamente de você. É preciso muito mais que sua vontade e uns poucos conhecimentos para investir na Bolsa. Sequer comentarei a possibilidade de ficar milionário – não é mesmo tão simples e rápido (ou mesmo possível) para todos.

O que te contam e como te contam é muito importante para a maneira como você compreende a realidade. Fique atento às narrativas, elas podem te capturar, sem que você enriqueça com elas.

 

Jana Viscardi é doutora em Linguística pela UNICAMP, com passagem pela UniFreiburg, na Alemanha. Professora e palestrante, faz vídeos semanais sobre linguagem e comunicação (e otras cositas más) no canal do Youtube que leva seu nome.

9 Comentários

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  1. “Oi! Meu nome é Queiroz!

    Eu vou falar rápido porque o tempo disponível é curto! Eu comecei como motorista, 5 anos atrás e já movimentei 7 milhões de reais!”

  2. 1 – Essa história de “Bettina” é publicidade de quinta categoria.
    2 – Essa “Empiricus” é uma empresa calhorda, envolvida em escândalos de fraudes e sistematicamente comprando espaço publicitário no Youtube para vídeos “polêmicos”. São uma escória, e assim devem ser tratados.

  3. Trocando em miúdos para ficar fácil de entender. A tal Empiricus é uma empresa, produto da supremacia do movimento especulativo, ou seja, da agiotagem institucional, sobre a atividade do capital produtivo. Vive de vender ilusões para incautos. Crime contra a economia popular, que deveria ser objeto de interesse das autoridades, se não estivessem estas também totalmente cooptadas por essa especulação financeira desenfreada. Exemplos claros dessa cooptação são abundantes nas operações mais famosas protagonizadas por essas autoridades: operações Zelotes e Farsa a Jato.

  4. AntiCapitalismo de Estado Absolutista. 88 anos da Indústria da Miséria, do Atraso, do Analfabetismo. Igual a história desta moça, existem outras milhares pelo país, de Pessoas na maioria Jovens, que enriqueceram e prosperaram investindo na Bolsa de Valores de SP. Talvez números não tão expressivos, mas com certeza muito superiores ao Rendimentos dito oficiais. Difícil é explicar para o Brasileiro, o porque do seu dinheiro porcamente, miseravelmente, ditatorialmente sendo empregado em Fundos de Garantia, em Aposentadorias Públicas medíocres, em rendimentos pífios oferecidos pelo Governo Brasileiro e Rede Bancária, enquanto o Dinheiro Estrangeiro, Aposentadorias e Pensões de Nações Estrangeiras e ‘Investidores Profissionais’ se esbaldam na Valorização em Bolsa das Ações de Estatais Brasileiras elevadas a Privadas, através de Privatarias. Rendimentos Inigualáveis e Inacreditáveis do Dinheiro aplicado frente à Valorização destas Empresas antes Brasileiras na Bolsa. Você que foi obrigado a manter seu ‘dinheirinho’ em FGTS, procure saber a diferença de rendimento daquele que foi possível ser aplicado nas Ações da Petrobrás no Governo Lula? Procure saber daquelas Ações da Telesp, que ‘Telefônica’ comprou logo após a Privataria da Estatal, para enxugar o Mercado? Lembram, o que tinha valor não era a Linha Telefônica como farsamente ainda tentam enganar o Povo Brasileiro. O Valor era das Ações que o Cidadão Brasileiro obtinha sendo Sócio da Telesp, para financiar os Planos de Expansão?!!! Qual a valorização e lucratividade da Ações e das Empresas que adquiriram as Rodovias Paulistas, nas Privatarias? Maior lucratividade por Capital Investido ma história da Humanidade !!! Tente não cair de costas. E você ainda é obrigado a pagar pedágio?!!! A pergunta que deve ser feita : Por que não é dado ao Povo Brasileiro, sua parcela de Ações das Estatais que constitucionalmente já são Suas? E deixem a Betina continuar a ganhar dinheiro.

  5. Além da Empiricus – que é a mais vistosa de todas – têm pipocado outras propagandas de gente se dispondo a ensinar o público em geral a enriquecer na bolsa.
    O fenômeno que está se repetindo é o mesmo do período 2004 – 2008 : a bovespa entra num canal de alta e começa a chamar a atenção dos incautos. No caso atual , a bolsa iniciou sua alta no começo de 2016. Os profissionais entraram no mercado nessa época. Quem tá chegando agora são os micos que vão garantir os altos ganhos dos profissionais que entraram lá trás.
    Aí o mercado começa sua retração , a Bettina some , e se aguarda o início de um novo ciclo de alta , e o aparecimento de novas Bettinas.

  6. A Empiricus disse que é uma empresa de “jornalismo” para escapar de processinhos(haha).

    Esse capitalismo pentecostal ainda vai fazer muitos estragos…

  7. No Youtube há a possibilidade de configurar a publicidade. É só excluir a Empíricus, a partir daquele ponto de interrogação ao lado do “x” na publicidade. No mais deveriam ter colocado a Regina Duarte como “garota” propaganda, esta sim representa melhor a empresa: Não acerta uma.

  8. E então, a história da Bettina é verdadeira ou é para enganar trouxas?
    Alguém foi apurar a VERDADE?
    Empiricus é uma empresa calhorda e bandida. E a Bettina?

  9. Que coisa, levaram essa propaganda da Empiricus para o lado da luta de classes, desigualdade, socialismo, etc. Só faltou dizer que é um comercial machista, patriarcal, opressor, eurocentrista, padrão de beleza europeu, que não tinha uma negra, gorda e lésbica fazendo a propaganda, etc.

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