Recolonização, por Thierry Meyssan

Ana Gabriela Sales
Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.
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O império britânico sobre o qual o sol jamais se punha

da Voltareinet.org

Recolonização

por Thierry Meyssan

Para Thierry Meyssan, uma das consequências do fim sucessivo do mundo bipolar e do mundo unipolar é o restabelecimento dos projetos coloniais. Sucessivamente, dirigentes franceses, turcos e ingleses publicamente afirmaram o retorno das suas ambições. Resta saber que formas poderão tomar no século XXI.

O Império Francês

Desde há uma década, temos relevado, como uma incongruência, a vontade francesa de restabelecer o seu domínio sobre as suas antigas colónias. Foi esta a lógica da nomeação pelo Presidente Nicolas Sarkozy como Ministro dos Negócios Estrangeiros (Relações Externas-br) de Bernard Kouchner. Ele substituiu pela noção anglo-saxónica de «Direitos do Homem» a dos Revolucionários franceses de «Direitos do Homem e do Cidadão» [1]. Mais tarde, o seu amigo, o Presidente François Hollande declarou, aquando de uma conferência de imprensa à margem da Assembleia Geral das Nações Unidas que era já tempo de restabelecer um mandato sobre a Síria. A coisa é ainda mais clara quando o sobrinho-neto do Embaixador François George-Picot (o dos Acordos Sykes-Picot), o antigo Presidente Valéry Giscard d’Estaing, se pronunciou a propósito. E é deste modo que se deve entender a vontade do Presidente Emmanuel Macron de continuar a guerra contra a Síria, sem os Estados Unidos.

Sempre houve em França um «Partido colonial» transversal aos partidos políticos e que agia como um lóbi ao serviço da classe dominante. Deste modo em todos os períodos em que se torna difícil aos capitalistas, sem escrúpulos, esmagar a mão de obra nacional, o mito da conquista colonial ressurge. Se os «Coletes Amarelos» se revoltam, então continuemos a «exploração do homem pelo homem» nas costas dos Sírios.

O império francês «leva» a civilizaçãoAntigamente esta forma de dominação escondia-se, segundo as palavras de Jules Ferry —sob os auspícios daquilo a que François Hollande consagrou o seu mandato [2]—, atrás «do dever de levar a civilização». Hoje em dia, ela visa a protecção dos povos cujos eleitos são qualificados de «ditadores».

A França não é a única potência colonial a reagir assim. A Turquia não demorou a segui-la.

O Império Otomano

Três meses após a tentativa de assassinato e do Golpe de Estado abortado de Julho de 2016, o Presidente Recep Tayyip Erdoğan pronunciava o discurso inaugural da universidade que leva o seu nome (RTEÜ). Ele traçou então um esboço das ambições da República turca desde a sua criação e as do seu novo Regime [3]. Fazendo referência explícita ao «Juramento Nacional» (Misak-ı Millî) [4], adoptado pelo Parlamento Otomano a 12 de Fevereiro de 1920, ele justificava o seu irredentismo.

Este juramento, que fundamenta a passagem do Império Otomano para a República Turca, reivindica os territórios do Nordeste da Grécia (a Trácia Ocidental e o Dodecaneso) [5], a totalidade de Chipre, o Norte da Síria (aqui incluídos Idlib, Alepo e Hassakah), e o Norte do Iraque (aqui incluída Mossul).

Actualmente o império em neoformação ocupa já o Norte de Chipre (a pseudo «República turca do Norte de Chipre»), o Noroeste da Síria e uma pequena parte do Iraque. Em todas estas zonas, onde a língua e a moeda turcas estão em vigor, foi nomeado um perfeito («wali») cujo gabinete se encontra no Palácio Branco de Ancara.

O império otomano assentou na ignorância dos seus súbditos. Ele fechou as escolas do mundo árabe.

O Império Britânico

O Reino Unido, quanto a ele, hesita desde há dois anos quanto ao seu futuro após o Brexit.

Pouco após a chegada de Donald Trump à Casa Branca, a Primeira-ministro Theresa May dirigiu-se aos Estados Unidos. Discursando para os responsáveis do Partido Republicano, ela propôs restabelecer a liderança anglo-saxônica sobre o resto do mundo [6]. Mas o Presidente Trump foi eleito para liquidar os sonhos imperiais, não para os compartilhar.

Desapontada, Theresa May viajou para a China a fim de propor ao Presidente Xi Jinping o controle com ele do comércio internacional. A City, disse-lha ela, está pronta para assegurar a convertibilidade de moedas ocidentais em Yuan [7]. Mas o Presidente Xi não foi eleito para fazer sociedades com a herdeira da potência que desmantelou o seu país e lhe impôs a guerra do ópio.

Theresa May tentou, então, uma terceira fórmula com a Commonwealth [8]. Algumas das antigas colónias da Coroa, como a Índia, experimentam hoje um forte crescimento e poderão tornar-se valiosos parceiros comerciais. Simbolicamente, o delfim da Coroa, o Príncipe Carlos, foi elevado à presidência desta associação. A Sra. May anunciou que iríamos finalmente evoluir para um Reino Unido global (Global Britain)

Numa entrevista ao Sunday Telegraph de 30 de Dezembro de 2018, o Ministro britânico da Defesa, Gavin Williamson, traçou a sua análise da situação. Desde o fiasco do Canal de Suez, em 1956, o Reino Unido adoptou uma política de descolonização e tem retirado as suas tropas do resto do mundo. Hoje em dia, apenas conserva bases militares permanentes em Gibraltar, em Chipre, em Diego Garcia e nas Malvinas («Falklands» segundo a sua denominação imperial). Nos últimos 63 anos, Londres volta-se para a União Europeia, que Winston Churchill imaginou, mas à qual inicialmente ele não pensava que a Inglaterra iria aderir. O Brexit «rompe esta política». Agora, «o Reino Unido está de volta enquanto potência mundial».

Desde já Londres encara abrir duas bases militares permanentes. A primeira deverá ser na Ásia (em Singapura ou no Brunei), a segunda na América Latina. Provavelmente na Guiana, de maneira a participar na nova etapa da estratégia Rumsfeld-Cebrowski de destruição das regiões do mundo não conectadas à globalização. Depois dos «Grandes lagos africanos», do «Médio-Oriente Alargado», a «Bacia das Caraíbas». A guerra começaria com uma invasão da Venezuela pela Colômbia (pró-EUA), pelo Brasil (pró-Israelita) e pela Guiana (pró-Britânica).

Não se embaraçando com o discurso moralista como os Franceses, os Ingleses edificaram um império com o concurso de multinacionais ao serviço das quais colocaram o seu exército. Eles dividiram o mundo em dois, resumido por este título: o soberano era rei da Inglaterra (portanto submetido aqui à tradição política) e imperador das Índias (quer dizer, sucedendo à Companhia privada das Índias e puro autocrata lá).

A descolonização era um corolário da Guerra Fria. Ela foi imposta aos Estados da Europa Ocidental pelo duopólio dos EUA e da URSS. Ela foi mantida no mundo unipolar, mas já não encontra obstáculos desde a retirada norte-americana do «Médio-Oriente Alargado».

É difícil antecipar que forma a colonização futura tomará. Antes, ela tornou-se possível por importantes diferenças no nível de educação. Mas, hoje em dia?

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Thierry Meyssan é Intelectual francês, presidente-fundador da Rede Voltaire e da conferência Axis for Peace. As suas análises sobre política externa publicam-se na imprensa árabe, latino-americana e russa. Última obra em francês: Sous nos yeux. Du 11-Septembre à Donald Trump. Outra obras : L’Effroyable imposture: Tome 2, Manipulations et désinformations (ed. JP Bertrand, 2007). Última obra publicada em Castelhano (espanhol): La gran impostura II. Manipulación y desinformación en los medios de comunicación(Monte Ávila Editores, 2008).

Tradução : Alva

 

Ana Gabriela Sales

Repórter do GGN há 8 anos. Graduada em Jornalismo pela Universidade de Santo Amaro. Especializada em produção de conteúdo para as redes sociais.

2 Comentários

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  1. Os textos do Thierry,

    Os textos do Thierry, correspondente na Síria, são sempre muito bons.

    Ele esteve recentemente na Venezuela para atestar com seus próprios olhos os efeitos de sanções econômicas e bloqueios dos americanos. Segundo Thierry, o desejo dos EUA é simplesmente inviabilizar qualquer desenvolvimento no mundo subdesenvolvido e em desenvolvimento.

    Há muito em jogo atualmente e a Inglaterra sairá da UE por uma questão de sobrevivência dos seus capitalistas que não querem se enforcar com as cordas da burocracia de Bruxelas.

    Base Inglesa na Guyana seria pavoroso, principalmente se somarmos a futura presença da OTAN na Colômbia e a movimentação de armamentos americanos na Amazônia.

    Como disse uma analista na Geopolitis da RTS Suiça, vivemos um pré-guerra, talvez os países já estejam se posicionando para ganhar terreno quando do colapso da sociedade militar americana.

  2. O que não faz uma crise do

    O que não faz uma crise do capitalismo. Se os povos desprotegidos bobearem, viram escravos das potências militares. O Brasil, como estamos presenciando, já assumiu a condição e a postura de colônia. Mas. como indicado no último parágrafo do post, até onde esses povos aceitarão a imposição da força bruta. Inicia-se um novo processo de acumulação primitiva, talvez mais violento e cruel que os anteriores.

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