Safatle: Dilma transformou-se em uma Isabelita Perón do Cerrado

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Vladimir Safatle

Frente de esquerda para quê?

Na CartaCapital

Se fosse o caso de fornecer uma analogia histórica para a situação atual do Brasil, talvez o melhor a fazer seria voltar os olhos para a Argentina dos anos 1970. De certa forma, não há nada mais parecido com o atual governo Dilma do que a Argentina de Isabelita Perón. Dilma transformou-se em uma Isabelita Perón do Cerrado.

Uma presidenta refém de seus operadores políticos, impotente diante da dissolução do acordo peronista entre setores da esquerda e setores conservadores em torno da figura de seu finado marido, Juan Domingo Perón, Isabelita foi a figura mais bem-acabada do esgotamento do ciclo de acordos, avanços e paralisias que marcou o peronismo. Ao se deixar guiar pelos setores mais conservadores do peronismo, Isabelita parecia uma morta-viva, a encarnação de um tempo que já acabara, mas ninguém sabia como terminar.

Agora, imaginem que estamos na Argentina dos anos 1970 e Perón não morreu. Como um fantasma, ele volta para tentar organizar a oposição contra o governo que ele mesmo elegeu, federando as vozes dos descontentes com o governo criado por ele mesmo e para o qual indicou vários ministros. Não, algo dessa natureza não poderia acontecer na Argentina. Algo assim só pode ocorrer no Brasil. Pois não é isso o que estamos vendo com um Lula reconvertido a arauto da “frente de esquerda” juntamente com o resto do que ainda tem capacidade de formulação no PT? O mesmo PT que, em um dia, vai à televisão para afirmar seu compromisso com a defesa dos direitos trabalhistas para, no dia seguinte (vejam, literalmente no dia seguinte) votar em peso a favor de um pacote de medidas que visam “ajustar” a economia não exatamente taxando lucros bancários exorbitantes, mas diminuindo os mesmos direitos trabalhistas que defendera 24 horas antes.

Nesse contexto, o que pode ser uma frente de esquerda a não ser a última capitulação da esquerda brasileira à sua própria impotência? Ou, antes, o reconhecimento tácito de que a esquerda brasileira só pode oferecer o espetáculo deprimente de discursos esquizofrênicos divididos entre o reino das boas intenções e a dureza das decisões no “mundo real”? Acreditar que aqueles que nos levaram ao impasse serão os mesmos capazes de nos tirar de tal situação é simplesmente demonstrar como a esquerda brasileira vive de fixações em um passado que nunca se realizou, que nunca foi efetivamente presente. É mostrar ao País que a esquerda não tem mais nada a oferecer de realmente novo e diferente do que vimos.

Se a esquerda quiser ter alguma razão de existência (pois é disso que se trata), ela deve começar por fazer uma rejeição clara do modelo que foi aplicado no Brasil na última década, seja no campo político, seja no campo econômico. O modelo lulista não chegou a seu esgotamento por questões exteriores, pressão da mídia ou inabilidades de negociação da senhora Dilma. Ele se esgotou por suas contradições internas e quem o criou não é capaz de criar nada de distinto do que foi feito.

Insistiria ainda em como é falsa a ideia de que a esquerda brasileira está de joelhos sem saber o que fazer. Há anos, vários setores progressistas têm alertado para o impasse que agora vivemos. Há anos, várias pautas foram colocadas em circulação, entre elas a revolução tributária que taxe a renda e libere a taxação sobre o consumo, a democracia direta com poder de deliberação, veto e gestão, o combate à especulação imobiliária através de leis que limitem a propriedade de imóveis, a reforma agrária, a diminuição da jornada de trabalho, a autogestão de fábricas e locais de trabalho, o salário máximo, o casamento igualitário, as leis radicais de defesa da ecologia, o fim da política de encarceramento sistemático, a exposição da vida financeira de todos os que ocupam cargos de primeiro e segundo escalão, a punição exemplar da corrupção, o fim do monopólio da representação política para partidos. Não é a falta de direção que acomete a esquerda brasileira. É a falta de coragem, o que é muito mais grave. 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

16 Comentários

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  1. Todo mundo enlouqueceu

    Enquanto o redator chama a Dilma de fazer o serviço da direita, a direita berra que a Dilma está entregando o país a esquerda. Alguém está errado ou apenas puxando a braza para seu assado.

    1. Exato!

      Exato! 

      Tudo é culpa da Dilma.

      Comunismo, financiamento privado de campanhas eleitorais, CBF e a sujeira do Futebol, falta d´água, chuva em excesso, preço do tomate, ICMS, golpe do seguro desemprego, Suiçalão, etc. 

  2. Todo mundo enlouqueceu

    Enquanto o redator chama a Dilma de fazer o serviço da direita, a direita berra que a Dilma está entregando o país a esquerda. Alguém está errado ou apenas puxando a braza para seu assado.

  3. Será que a crise é tão grande assim?

    Ou apenas temos uma imprensa majoritária calhorda e um congresso reacionário votado pelo próprio povo brasileiro, ignorante politicamente, que está nos levando a todo este retrocesso. E querem jogar a culpa toda no Lula? O modelo esgotou? Como, com tantas coisas ainda para corrigir na nossa sociedade estupidamente injusta? Até 2013 viviamos nos melhores do mundo. Ainda vivemos, vendo como temos emprego superior a todo período anterior ao PT, inflação de 8% tambem inferiro a FHC, Petrobrás dando recordes de produção, investimentos em finalização como Belo Monte, refinarias, transposição do SF, ferrovias e agora o mega investimento chines. Alem de quase 400 bi em reservas cambiais que não sei para que serve alem de dar garantias de estabilidade do país. Estes comentaristas viralatas estão ficando pir que a nossa gloriosa PIG

  4. A Dilma não mudou, o que

    A Dilma não mudou, o que mudou foi o contexto, enquanto o momento estava favoravel surfou na onda da popularidade alta, foi na globo, deu com o tacape no pib que sumiu e teima em reaparecer, quis acabar com o acordo de reajuste dos salario minimo, mandou um monte de ministros com base em reportagens da imprensa, estava tudo no piloto automatico, essas medidas do ministro são o modo dela governar, a economia atual é a mais perfeita tradução do governo, infelizmente. 

  5. Safatle, ao que parece, fugiu

    Safatle, ao que parece, fugiu das aulas de História contemporânea da América Latina. Ao lado de um forte viés machista, pois insinua incapacidade de exercício de governo em figuras políticas como Dilma ou mesmo Isabelita. O governo Dilma é lotado de problemas, mas nenhum deles tem qualquer relação com o fato dela ser mulher. Nenhum, é bom repetir. Além disso, se há alguma comparação entre situações pretéritas e a atual, está na fragilidade de uma esquerda dividida e sem projeto claro de nação, sem ter claro quais são os seus reais inimigos, quais seus aliados e o que está realmente em disputa. Há um grupo político no poder, com algum viés de esquerda e de projeto popular, cada vez menor, é bom que se diga, extremante desgastado e esgotado em sua prática política,  mas, por outro lado, não há alternativa política viável na campo da esquerda, fora desse bloco atual de poder.  Ruim com eles, péssimo sem eles. Sem eles no poder, o que resta são os Aécios, os Eduardos, os Geraldos, que hoje ganham a eleição presidencial com facilidade, fazem maioria absoluta no Congresso e rebentam o que resta do país e da Constituição. Simples assim. E aí, nos termos da comparação histórica infeliz, indevida e incabida de Safatle, saímos de Lopes Rega para Videla! 

  6. Parabéns pelo texto.

    Parabéns pelo texto. Certamente que abandonar o principio orgânico que é a defesa dos trabalhadores, a parte hipossuficiente no modo de produção capitalista, é um erro fatal e caso o governo insista nesse erro vai se esfarelar, se “auto- impichando”. 

     Num governo socialista os patrões são substituidos pelo estado. Não são necessárias coalizões, fomento, pactos, pacotes. Fazem se as matrizes de Leontieff e todos os investimentos e prioridades econômicas são postos lá.

    Obviamente que no Brasil não cabe a implantação do socialismo nesse modelo, nem é desejável, pois o centralismo das decisões tambem prejudica o direito democrático.  Então o que fazer?

    Conduzir programas sociais e essencialmente protejer os trabalhadores, os que acordam as 4 da manhã em todo o brasil e o carregam nas costas, sem criar um ambiente árido e inviavel para a atividade economica privada. Concordo que a reforma tributaria e a politica são essenciais, mas há o que se pode ser feito com o que se tem em mãos.

    No modelo social democrata presidencialista em curso é preciso mobilizar a classe industrial a fazer parte de um projeto de desenvolvimento ao inves de ficar em ponto morto, fazendo peso. Cabe ao estado a iniciativa de fomentar, pois ele é que detém o poder. Gostaria de saber análises do projeto do lula de favorecer capitalistas notáveis. Sei da friboi, que deslanchou e do eike, que afundou.  O Pac precisa avançar, o lava jato precisa acabar. transito em julgado, ou parar de empatar a economia do país.

    Quanto à analogia Dilma X Evita, é muito diferente eleger a viúva do ex presidente do que eleger a chefe da casa civil do ex-presidente. Eu, se fosse a Dilma ficaria ofendido.

  7. Dilma não é uma Isabel Peron

    Safatle parte do pressuposto – para fazer esse analogismo – de que Dilma seria uma populista do mesmo naipe de Isabel Peron. Isabelita foi um aventureira que por fatalismo do “destino” chegou à presidência da Argentina. Alias, seu governo desastroso, levado a cabo pelo secretario particular dela, José Lopes Rega, levou a Argentina à ditadura de Videla.

    Dilma Rousseff não é e nunca foi uma aventureira, nem na época da ditadura, quando corajosamente lutou pela redemocratização do Pais. Não é um personagem facilmente influenciavel; muito pelo contrario. Donde, essa analogia funciona mal.

    E não é apenas falta de coragem que acomete a esquerda brasileira. Eh falta de união dentro da propria esquerda. De apoio de intelectuais, de juristas, de sindicatos, universidades, professores etc, para mostrar ao congresso dos senhores Renan e Cunha que o Brasil é muito maior que seus reles interesses. Onde estão ? Quantos desses se insurgiram contra os pedidos vazios de impeachmet? Ou quantos se declararam contra os pedidos de intervenção militar? Poucos e muito timidamente.

    Falta audacia e vontade para mudar o Brasil. Isso poderiamos dizer que falta. Poucos querem que mude. A maioria quer que volte ao que era antes. Pelo menos a maioria dos que sempre se refestelaram nesse Brasil de privilegiados. 

    1. perfeita colocação.

      Maria Luisa, eu ia fazer um comentário, mas não vou mais. Você disse tudo, mas se permite-me acrescentar: peron teve duas mulheres de passado questionável, mas o carisma de Evita o ajudava a governar. Isabelita foi, quem sabe, uma tentativa de repetição, mas sem sucesso. Dilma tem no passado um outro tipo de atitude, mas se vê abandonada até pelos seus supostos aliados. Se ela pudesse , limparia o país.

    2. De acordo, Maria Luisa. E

      De acordo, Maria Luisa. E digo mais: boa parte desses críticos estava acostumado ao bem bom de um governo de esquerda, sem ter que apanhar para isso. Só quem apanhava e apanha é o governo. Agora que o cinto aperta, aparecem os intelectuais do fim do mundo, só que não querem que mexam com seu bolso. 

      Tem um livro de Bourdieu (Contrafogos), no qual ele fala (no final dos anos 90 e início de 2000) que caberia aos intelectuais resistir ao avanço neoliberal na Europa, não no papel de intelectual orgânico, mas junto com os trabalhadores para tentar buscar uma união da base europeia, porque a cúpula já estava desgraçadamente unida ao neoliberalismo e aos EUA. 

      Infelizmente, parece que parte da esquerda prefere morrer agarrada a um discurso que só convence a eles mesmos. Uma esquerda narcisista. Enquanto Safatle está preocupado com textos apelativos, o Kaiser Cunha vai empurrando o país de volta a seu passado obscuro.

    3. Certamente não é, mas…

      Certamente que Dilma Rousseff não é uma Isabelita Perón, mas tanto uma quanto a outra foram em épocas distintas astros sem luz própria, que serviram de joguete para seus respectivos patronos, que as utilizaram para seus próprios objetivos, embora sem sucesso. Falta a Dilma Rousseff uma ponte entre seu passado e seu presente. Seus admiradores afirmam que ela “lutou pela redemocratização”, querendo dizer que seu governo atual seria o coroamento da luta que ela empreendeu décadas atrás.

      Totalmente falso! E por dois motivos: primeiro porque o grupo guerrilheiro de Dilma foi derrotado, e segundo porque o propósito desse grupo jamais foi restabelecer a democracia, ao menos não a democracia burguesa que levou Dilma à presidência. Se o propósito da guerrilha dos anos setenta era restableecer a democracia, então por que jamais houve um manifesto lançado pela guerrilha exigindo a restauração da constituição de 1946 e do presidente deposto Goulart? Era óbvio que o verdadeiro pbjetivo da guerrilha não era esse: se Dilma Rousseff fosse vitoriosa na época, teríamos ao que tudo indica um regime de partido único estilo cubano, e Dilma provavelmente receberia um pequeno cargo condizente com a função insignificante que ela desempenhava na guerrilha. O regime atual não é filho da guerrilha, mas da abertura de Geisel e da eleição de Tancredo Neves.

      Enfim, é isso: na biografia de Dilma, sua incursão pela guerrilha foi um caminho desviante que deu em lugar nenhum, do qual ela teve que dar meia-volta. O resto é glamurização. E se o Brasil está voltando ao que é antes, isso é normal e desejável: o governo de Dilma não deu certo. Sua incursão pelo nacional-estatismo batido e esgotado desde os anos oitenta igualmente deu em lugar nenhum, é um caminho do qual temos que dar meia-volta.

  8. Eu tinha lido esse texto na CartaCapital, e

    tinha achado muito ruim.

    Reli agora, e achei ainda pior.

    No futuro o autor vai querer retirar esse texto dos arquivos.

    Mas é verdade que ele mostra muito bem o “nível” do que se lê na tal imprensa brasileira atualmente. Até a Carta Capital tem me decepcionado com textos bem ruins sobre economia e negócios.

  9. Os caminhos, tão diferentes

    Talvez Safatle desconheça como Isabelita virou presidente.

    Lembremos.

    Quando Perón voltou à Argentina e foi eleito em 1973 (ou 1974, não tenho certeza), colocou como vice a própria. Não sei a razão disto, supunho que por pouca confiança em outros peronistas. Lembremos que ele morava em Madri, sem poder voltar ao pais desde 1955. Nesse exílio que conheceu e casou com Isabelita. Que tinha como experiência laboral anterior, ter sido bailarina de cabaré.

    O curriculum e experiência prévia da Dilma acho que são bem conhecidos de todos nós.

    Convenhamos que são experiências de vida muito diferentes.

    A comparação não tem cabimento.

  10. SAFATLE:
    Por acaso não lhe

    SAFATLE:

    Por acaso não lhe informaram que a capital do BRASIL a muito tempo não e a GUANABARA ou BUENOS AIRES e sim

    BRASILHA…

    O senhor sabe que analfabeto como eu utiliza a internet na atualidade e ve muito bem  ler etre linhas… 

    Se me entende IZABELITA foi uma femea, DILMA é uma Mulher sem comparações, assim como o Sr.

    INACIO LULA DA SILVA o maior estadista da historia mudial…

      

  11. … ainda em como é falsa a

    … ainda em como é falsa a ideia de que a esquerda brasileira está de joelhos sem saber o que fazer. Há anos, vários setores progressistas têm alertado para o impasse que agora vivemos. Há anos, várias pautas foram colocadas em circulação, entre elas a revolução tributária que taxe a renda e libere a taxação sobre o consumo, a democracia direta com poder de deliberação, veto e gestão, o combate à especulação imobiliária através de leis que limitem a propriedade de imóveis, a reforma agrária, a diminuição da jornada de trabalho, a autogestão de fábricas e locais de trabalho, o salário máximo…

    Esse Safatle enlouqueceu. Melhor mudar para a Albânia.

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