Segmentação de públicos na perspectiva da empresa, por Rodrigo Campanella 

Segmentação é o que mantém o Facebook ainda relevante, agora mais do que nunca

Antidemocracia. Estudo feito por funcionária mostrou que algoritmos do Facebook privilegiam conteúdos conservadores e de extrema-direita.

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por Rodrigo Campanella*

A empresa dona do Facebook busca, há alguns anos, um modelo de negócios que garanta o futuro da rede social, que ainda é a maior do mundo em número de usuários cadastrados. Uma das primeiras opções para a virada do modelo de negócios foi investir em uma seção de vídeos, o Facebook Watch, em busca do grande catálogo de anúncios que sustenta o Youtube. Junto disso, ampliaram a distribuição de postagens feitas em grupos e de conteúdos pessoais publicados em perfis, diminuindo a ênfase de publicações de links externos, que levavam para fora do Facebook. Para demarcar a importância da mudança, criaram uma campanha de divulgação exclusivamente para incentivar os usuários a participarem de grupos na plataforma, um elemento essencial nessa estratégia.

Os vídeos nunca chegaram ao sucesso esperado, como apontaram jornalistas e analistas que cobrem redes sociais. A ênfase em vídeos não trouxe engajamento suficiente e o facebook não se tornou a plataforma-base para grandes criadores de conteúdo no formato, aqueles que atraem público cativo. Uma tentativa seguinte foi propor uma critopmoeda própria, a Libra, que criaria um grande ambiente de negócios interno, acorrentado à plataforma, e que geraria uma grande quantidade de novos dados, sobre os perfis de compra e venda de consumidores e empresas. Também não vingou.

Recentemente, a proposta de renovação foi o metaverso, que seria um ambiente de realidade imersiva, uma imensa coleção de lugares e objetos virtuais em 3D, tratado como o futuro da internet. Aproveitaram também para mudar o nome da companhia, cada vez mais questionada judicialmente. A holding antes chamada de Facebook passou a ser Meta. Quando ficou claro que o metaverso demoraria anos, voltaram a apostar nos vídeos. Nas últimas semanas, o Facebook passou a contar com o formato Reels, original do Instagram e criado para emular o sucesso do Tiktok, que já se instalou como a rede que fabrica tendências para o público jovem.

Atravessando todas as mudanças, uma peça do sistema permaneceu praticamente inalterada ao longo dos anos no Facebook. Hoje, as postagens de grupos são o grande gerador de energia e interesse na plataforma. Sem renovação de público e com parte considerável dos usuários deixando de acessar suas contas com frequência, o compartilhamento casual de momentos da vida e de notícias segue em queda por ali. Não é coincidência que a campanha de divulgação dos grupos, chamada de “Somos mais Juntos”, tenha contado com comerciais para tv aberta e fechada, anúncios para portais online e peças de propaganda urbana, sendo uma rara ação do Facebook voltado para o público final, o usuário. Nesse espaço esvaziado, os grupos são a esperança de ampliar a fatia de tempo diário que o usuário gasta na plataforma.

Grupos online são baseados em um princípio valioso para qualquer plataforma de interação que deseja permanecer relevante ao longo de anos e mudanças de perfil. Eles entregam a certeza de um interesse comum entre centenas ou milhares de membros, um laço de identificação que não pode ser facilmente transportado para dentro dos muros de outro site. Esse interesse é grande o bastante para que a pessoa se disponha ter seu feed diário salpicado por aquele tema e para que crie relações de confiança sobre as informações e demandas daquele grupo, ainda que interaja pouco.

Conversas em grupos orientam prioridades, apontam problemas, modelam ações. A sensação de confiança nos grupos pode ser ampliada usando a ferramenta do Facebook que permite colocar questões que delimitam quem os moderadores permitirão entrar naquele grupo específico, com base nas respostas. E o sistema da rede social é capaz de fazer sugestões personalizadas de grupos para cada usuário com base nos dados que já possui, reforçando bolhas de interese pré-existentes.

Esses grupos são a transposição e a adaptação, para dentro das paredes altamente monitoradas do Facebook, da dinâmica dos fóruns online, uma grande força de integração desde o início da popularização da internet. Dentro do negócio de entrega de conteúdos por seleção de algoritmo, tentando sempre exibir para o usuário postagens com as quais ele queira interagir, o Facebook incentivou continuamente o comportamento de nicho, a reafirmação dos interesses mais destacados de cada conjunto de usuários, aquilo que consegue ganhar o apelo pela atenção. Os grupos são o resultado máximo disso, o formato que resistiu quando a erosão tomou conta do interesse e da confiança na plataforma.

É com a segmentação de públicos que o Facebook conta para fechar suas contas e gerar lucros, que ainda são volumosos, a cada trimestre. A promessa que a companhia alimenta, a peso de ouro, é de entregar anúncios ou impulsionar postagens para quem tenha interesses diretos ou relacionados ao que se anuncia, com grau inédito de precisão. O escândalo da Cambridge Analytica em 2016 se relacionava diretamente a isso, com a extração de dados de milhões de perfis que permitiam que fosse feita uma análise externa e a suposta criação de anúncios customizados para gerar “influência individual”. Porém, na forma exagerada o assunto foi abordado, falou-se muito de perfis individuais sem discutir o suficiente a respeito de como esse sistema permitiu criar novos recortes de segmentação.

O desenho de sistema do Facebook busca reunir usuários em grupos a partir de interesses ou preconceitos em comum, para que novos parâmetros de segmentação sejam criados ou fortalecidos, destinados aos anúncios e campanhas exibidos ali de forma paga. A partir da reunião de públicos proporcionada por esses novos recortes é possível economizar recursos e buscar mais precisão em tentativas de mover discursos e construir antagonismos, alcançando centenas ou milhares de indivíduos a partir dos mesmos conjuntos de ações. A adesão é multiplicada quando os usuários percebem as mesmas ideias replicadas em outros perfis, um eco de concordância difícil de ser negado. O que a análise dos dados vazados no caso Cambidge Analytica provavelmente entregou foram informações valiosas sobre a construção potencial de novos públicos dentro da plataforma. Interesses cruzados que se fortalecem, interesses que estão mais latentes em recortes específicos de usuários.

Grupos do Facebook seguem fortes porque continuam a criar laços significativos entre pessoas e a construir comunidades, palavra tão cara à empresa, mesmo em uma plataforma em decadência. Suas postagens trazem movimento diário e retorno contínuo de usuários, atenção durante o dia. Pelo lado comercial, também permitem que o Facebook consiga segmentar com mais certeza os anúncios conforme zonas de interesse, explicitadas na escolha de cada grupo e ao cruzar esses dados com as outras ações do usuário no site, durante anos de uso. Segmentação é o que mantém o Facebook ainda relevante, agora mais do que nunca.

E o pertencimento a grupos digitais que se reúnem, se informam e articulam opiniões e posicionamentos acaba orientando, cada vez mais, as escolhas, prioridades e entendimentos sobre o mundo atual e os anseios que consolidam um horizonte de futuro. Para entender melhor o que se espera dos próximos tempos, é preciso dar mais zoom.

*Rodrigo Campanella é doutor em Comunicação Social pela UFMG, consultor em comunicação e desenvolvimento digital

O texto não representa necessariamente a opinião do Jornal GGN. Concorda ou tem um ponto de vista diferente? Mande seu artigo para [email protected].

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