Elias Jabbour
Elias Jabbour é professor Associado dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas (PPGCE) e em Relações Internacionais (PPGRI) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Autor, com Alberto Gabriele, de "China: o socialismo do século XXI" (Boitempo, 2021). Vencedor do Special Book Award of China 2022.
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Sobre a “Nova Economia do Projetamento”. Interrogações e novos desenvolvimentos, por Elias Jabbour

Como nos lembra Marcio Henrique Monteiro de Castro, o projetamento é uma teoria e uma prática que vai se alimentando com as soluções a questões colocadas historicamente aos planejadores e projetistas chineses.

Sobre a “Nova Economia do Projetamento”. Interrogações e novos desenvolvimentos

por Elias Jabbour

Sempre alertei a quem me interroga a respeito que não estou trazendo nada novo no debate em matéria de economia do desenvolvimento. Rangel já tinha lançado as bases conceituais em 1956 e 1959 ao propor um novo marco conceitual que a história estava exigindo dadas as novidades intrínsecas ao projeto Sputinik e a reconstrução europeia. A teoria e a prática do “projetamento” foram abandonadas com a transformação do capitalismo em “capitalismo financeirizado” e o fim da experiência soviética. A China atual é uma repetição gigantesca do que já ocorreu antes e que muitos economistas do desenvolvimento já estudaram. Mas a história, neste caso, não se repete de forma que a China apenas faça de forma melhor o que os outros já fizeram. O debate que propomos é conceitual, sim. Mas principalmente histórico e político.

Analisar somente os instrumentos que a China tem utilizado para alcançar seus objetivos não é difícil. Coordenação, planejamento, geração de demanda via gastos do governo, políticas industriais, mudanças institucionais etc. Nada disso é novo. A nós o novo se resume, inicialmente a dois pontos já estabelecidos em nossa agenda de pesquisa: 1) essa “Nova Economia” surge na mesma época histórica em que uma nova formação econômico-social se consolida, o “socialismo de mercado” e 2) O núcleo desta nova formação econômico-social, o modo de produção socialista, tem sido palco de novos aportes em matéria de plataformas tecnológicas, o que tem alçado a planificação a patamares superiores no país.

Os cientistas sociais em geral, e os economistas em particular, não trabalham com o conceito de formação econômico-social. Eis um limite metodológico sério, pois essa “nova economia”, sua escala, as inovações institucionais que deram margem ao seu surgimento e o impacto direto sobre a vida de 1,3 bilhão de pessoas são impossíveis de ocorrer em uma formação econômico-social de outro tipo ou em uma outra “variante de capitalismo”. O próprio regime de propriedade – que dá base a um regime político de novo tipo que opera na China – dominante nos países capitalistas impede que certos fenômenos anexos à “Nova Economia do Projetamento” ocorressem, a começar pela possibilidade de superação da incerteza keynesiana, algo que nenhum país capitalista o conseguiu e que o socialismo chinês tem dado mostrado ser possível.

A separação entre economia e política é fatal nesse tipo de análise. A grande produção e a finança sob controle do Estado muda completamente a face do sistema econômico: uma economia de prontidão é formada. A Alemanha, os EUA, a Coreia do Sul ou qualquer outro Estado Desenvolvimentista não tem capacidade de fazer, mesmo dentro de seus limites, o que a China está a fazer. A diferença é política. A resposta não está na economia, strictu sensu.

O papel do projeto. Evidente que todo país capitalista “regulado” também opera na base de projetos. Mas a realidade muda quando as tarefas nacionais chinesas são bastante diferentes em relação a alguns países ocidentais. Novos desenvolvimentos institucionais, produtivos e financeiros fazem-se necessário quando ao menos duas questões devem ser respondidas: 1) catching-up tecnológico e 2) necessidade de geração de 13 milhões de empregos urbanos por ano. Uma economia com essa dupla necessidade opera com o aporte de outras ferramentas. Daí o projeto passar a ser elemento fundamental, central – apesar de operacional ao planejamento – em relação ao próprio planejamento.

A questão aí passa a ser o de planificar, em escala gigantesca, a incerteza keynesiana. Até onde se sabe nenhum grande país capitalista do mundo viu-se diante de uma tarefa desta envergadura. Logo, não necessitaram desenvolver novos instrumentos e ferramentas de governo. A teoria e a história são um elemento único. Não se separa um elemento do outro. Como nos lembra Marcio Henrique Monteiro de Castro, neste sentido, o projetamento é uma teoria e uma prática que vai se alimentando com as soluções a questões colocadas historicamente aos planejadores e projetistas chineses. Impossível seria que essa abordagem estivesse sendo gestada nos EUA ou no Brasil. A teoria só surge onde contradições candentes demandam novas soluções, novas sínteses. E a China é esse lugar.

Daí vem outro elemento que destacamos: o projeto na China passa a ser um instrumento de governo à serviço da superação das imensas contradições acumuladas no país ao longo das últimas décadas. Dois milhões de homens e mulheres trabalham no dia a dia daquela realidade buscando soluções de catching-up e pleno emprego de forma simultânea. É evidente que a China está inaugurando uma dinâmica de nível superior em matéria de desenvolvimento. A China não somente aplica com maestria o que outras experiências já o fizeram. O “projetamento” pode ser vista tanto como continuidade quanto superação de todo equipamento científico empregado em outros casos desenvolvimentistas de sucesso. A novidade? O projeto não como uma operação contábil, mas como síntese da transformação da razão em instrumento de governo por um determinado bloco histórico disposto a demonstrar a superioridade do socialismo à superação dos grandes dramas que afligem a humanidade. A própria escala com que tudo ocorre na China permite que somente esta formação social seja passível de mostrar e demonstrar novas regularidades em matéria de desenvolvimento econômico.

O debate deve ir além do campo da economia do desenvolvimento. Meu parceiro de empreitada científica, Alexis Dantas, de forma simples e genial o que se trata de fato a “Nova Economia do Projetamento”: uma nova e superior forma de organização política e social. Rangel, no seu tecnicismo, definia o processo nucleado pelo projeto indutor de utilidade. Logo, a “utilidade” no sentido aristotélico do termo, substituiria o valor como o núcleo da sociedade que Rangel pretendia ser socialista. A China está apenas no início deste gigantesco processo histórico. Já se trata de uma economia baseada em grandes projetos voltados à construção de grandes bens públicos.

Elias Jabbour, professor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas (PPGCE) e em Relações Internacionais (PPGRI) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Elias Jabbour

Elias Jabbour é professor Associado dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Econômicas (PPGCE) e em Relações Internacionais (PPGRI) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Autor, com Alberto Gabriele, de "China: o socialismo do século XXI" (Boitempo, 2021). Vencedor do Special Book Award of China 2022.

4 Comentários

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  1. Que a China é um enorme sucesso econômico e já é o país mais rico do mundo, não há dúvida. E certamente há muita novidade para além do keynesianismo em seu desenvolvimento. Mas afirmar que se trata de um país socialista, não tem sentido.

    Internamente, a desigualdade de renda e riqueza cresce e a superexploração do trabalho é um dos chamarizes para as indústrias se instalarem lá.

    Externamente a China entrou na competição industrial com finalidade de deslocalizar para lá, primeiro, as indústrias com alta intensidade de mão de obra e, depois, a partir dessa base e de seu imenso mercado interno potencial, desenvolver a indústria intensiva de tecnologia. A competitividade chinesa sugou a indústria mundial para ela e seus parceiros vizinhos. Ora, isso é concorrência capitalista a nível estatal (geopolítica), à la Inglaterra do século XIX e EUA, Alemanha e Japão do séc XX.

    A China se insere no mundo como nação competidora capitalista e, internamente, desenvolve um capitalismo dos mais selvagens e exploradores que há.

  2. Acho que o Wilton Cardoso não entendeu ue o socialismo de mercado chinês é a forma de hagar a um sistema mais justo. os próprios irigentes chineses reconhecem que está desiguldade existe, mas é imensamente menor que nos países capitalistas do terceiromundo, a pouco informaram o mundo fo fim da miséria na China, e este “projetamento” é exatamente o que levará a China Comunista a um maior patamar de iguladade social.
    Em menor escala foi o que o Lula vez entre 2002 e 2010.

  3. Somente um país socialista, pode gerar as transformações demandadas por sua sociedade através da inteligência, tecnologia e principalmente princípios de justiça e igualdade social que são a base da proposta socialista. Na China estas transformações ocorreram porque o estado despertou para a óbvia capacidade empreendedora e criativa de seu povo e criou condições para que estas aflorassem, sob controle, e expandissem a nível global tambem dentro de estratégias delineadas pelo PCC. A intervenção do Estado é feita por dirigentes altamente experientes e especialistas profundamente treinados nos seus campos de trabalho com um estrutura científica e tecnológica construida há mais de meio século. È o socialismo moderno com peculiaridade chinesa.

  4. Minha irmã está fazendo mestrado na Espanha. Na Universidade, conheceu vários estudantes chineses que não necessitavam da meia bolsa como ela. Eram aparentemente mais ricos do que ela, embora oriundos de famílias camponesas pobres, de recente ascensão econômico-social, enquanto a maioria da classe média urbana brasileira tem suas garantias e direitos, como a maioria da população, retirados pelo Estado. E aparentemente menos socialistas do que ela, psolista. Cantam Happy birthay e falam inglês, dançam rock, consomem gadgets, e alguns chegam a ter 1 pequena e recôndita tatuagem, mas tbm são comedidos, como a tradição confucionista recomenda e o partido comunista chinês e o social-capitalismo de Estado não desaprovam.
    Mas quando penso naquele trilionário chinês, dono do iate ancorado em Nova Iorque, onde o tal Steve Bannon foi preso, sinto que em todo lugar são urdidos e ocultados crimes econômicos socialmente hediondos hediondos, que instituições e políticas, contraditoriamente, não conseguem controlar.
    – Vacinação Já! Mais vacinas e menos enrolação! Chega de mentiras e insultos, basta de bolsonarismos! Auxílio Emergencial Já!

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